Após a chegada de Felipe Calderón ao governo iniciou-se uma nova fase na guerra de baixa intensidade em Chiapas. No contexto de uma militarização acelerada da vida pública nacional, o renovado projecto contra-insurgente em Chiapas adquire modalidades próprias perante o avanço e consolidação dos municípios autónomos zapatistas em resistência.
Definido como "inimigo interno", o Exército Zapatista de Libertação Nacional e suas bases de apoio são agora alvo de uma nova escalada de violência instrumentada pela Secretaria da Defesa Nacional, na qual participam diferentes corpos policiais de nível federal e estadual, e que além disso conta a reactivação de antigas estruturas paramilitares e a presença in situ de elementos dos Corpos da Paz estado-unidenses.
O objectivo encoberto é a "recuperação" do território em poder dos zapatistas. Ou seja, a terra e seus interesses: petróleo, gás, energia eléctrica, biodiversidade, água doce, madeiras, urânio e a possibilidade de instrumentar megaprojectos depredadores ao serviço do grande capital nacional e estrangeiro. A nova etapa do conflito tem a ver com o anúncio de Calderón de que "ressuscitará" o Plano Puebla Panamá (PPP), que juntamente com a segunda fase do Plano Colômbia e a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul (IIRSA), fazem parte dos esforços geoestratégicos dos Estados Unidos tendo em vista uma restauração autoritária da sua hegemonia na América Latina para a competição inter-imperialista com os megablocos da Europa e da Ásia-Pacífico.
O ressurgimento e novo protagonismo de grupos paramilitares que irromperam na geografia de Chiapas durante a governação de Patrocínio González Garrido, e cresceram e desenvolveram-se durante as gestões de Júlio César Ruiz Ferro e Roberto Albores Guillén, como Los Chinchulines, Paz y Justicia e MIRA, todos de filiados ao PRI, reconvertidos hoje na Organização para a Defesa dos Direitos Indígenas e Camponeses (Opddic) e a União Regional Camponesa Indígena (URCI), indica uma relação de causalidade entre as desigualdades sociais e a violência política.
A continuidade do modelo de arrasamento dos últimos quatro governos neoliberais precisa da utilização da força para proteger interesses económicos ou para tentar transformá-los. É para esse esquema de dominação autoritária e classista que os grupos paramilitares se tornam funcionais. Sua tarefa é conseguir, mediante a violência, a deslocação forçada das bases de apoio zapatistas para propiciar uma re-latifundização do território. Se o plano de desterritorialização avançar, a "privatização" da segurança e o consequente domínio paramilitar redundará numa reconcentração da terra em poucas mãos. Assim, trata-se, a rigor, de uma contra reforma agrária violenta a favor de grupos transnacionais, que exigem a "libertação" do território para submetê-lo à lógica do mercado.
As estratégias de violência institucional e para-institucional, iniciadas em 1995, são um aspecto fundamental no desenvolvimento dos planos de ocupação territorial e garantia armada dos megaprojectos concebidos para Chiapas pelo grande capital. Na dinâmica económica transnacional, a apropriação violenta do espaço e das pessoas adquire, univocamente, sua resignificação como mercadoria.
Na actualidade, nos espaços controlados pelos municípios autónomos zapatistas, afirma-se o direito à vida, ao território, à auto-determinação, à organização, à resistência popular, à identidade cultural.
Resistir é negar-se a aceitar as propostas de inclusão do seu pensamento, da sua vontade, dos seus sentidos de representação no mundo ocupado, não habitado, por perspectivas de agronegócios, obras de infraestrutura e exploração de recursos naturais. Precisamente porque a referida cultura de resistência obstrui a mercantilização da vida, os poderes reais recorrem ao sitiamento militar-paramilitar, com o apoio visível no terreno da Polícia Sectorial, da Agência Estatal de Investigação, da Agência Federal de Investigação, da Polícia Federal Preventiva, das polícias municipais e das redes de inteligência do Cisen.
A classe dominante sabe que através da força ou dos mecanismos de sedução mercantil deterioram-se e corroem-se os cimentos da identidade. Por isso, na guerra contra-insurgente em curso utilizam indígenas contra indígenas. Nesta conjuntura, os paramilitares da Opddic e da URCI estão a ser utilizador como invasores ou saqueadores. Sua acção violenta contra os zapatistas (invasões de terras, sequestros, espancamentos, incêndios de aldeias, destruição de campos de milho, roubo de milho) e a ameaça de desencadear uma nova fase do terrorismo de Estado em Chiapas servirão como mecanismos para a apropriação e legalização da terra por parte de vorazes neo-latifundiários e agro-industriais.
A aspiração deles é que, tal como ocorre na Colômbia sob o controle do presidente dos paramilitares, Álvaro Uribe, o círculo da desterritorialização seja encerrado com a legalização do obtido na ilegalidade, mediante a violência. A ofensiva neoliberal em Chiapas ocorre no contexto de uma violenta recomposição de forças no interior do actual Estado mafioso de dominação, assinalado pela militarização do país, pelos sinais da mão dura calderonista e pela saída às ruas de uma ultra-direita beligerante hegemonizada pelos sectores mais reaccionários da hierarquia da Igreja católica.
Carlos Fazio
http://resistir.info/
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