segunda-feira, abril 09, 2007

Terminou o rendoso concurso da RTP

Foi apenas um concurso para dar dinheiro a ganhar à RTP e mais audiências. E quem o ganhou foi quem teve mais pachorra para acompanhar, semanas a fio, toda aquela pantomina com ares de academismo e de coisa erudita. Sobretudo, ganharam-no aquelas pessoas que tiveram mais dinheiro para gastar em chamadas telefónicas e assim votar compulsivamente no seu candidato preferido. Pelos jeitos, foi um ver se te avias de telefonemas para os múltiplos números que o canal 1 colocou à disposição dos papalvos que, no seu cruzadismo político e partidário, nem sequer se deram conta de que estavam a ser levados. Ainda gostava de saber quanto dinheiro é que o concurso deu a ganhar à RTP.

O resultado final dependeu não das convicções das populações portuguesas, mas das quantias de dinheiro gasto em chamadas e da pachorra que muitas pessoas tiveram para alinhar/participar no concurso. A mim não me apanharam os promotores nesta sua engenhosa e enganosa versão de conto do vigário disfarçado de concurso. Uma vez por outra, parei durante uns minutos no programa, sempre muito poucos, só para perceber melhor como é que, desta vez, os do canal público estavam a levar as populações às águas do moinho dos seus interesses financeiros e de aumento das audiências. Envolver-me directamente naquela pantomina, ou noutra do estilo, em qualquer dos outros canais, nem pensar. Prefiro um bom filme ou um bom concerto, mesmo só gravado em CD, ou um bom espectáculo de teatro. E por isso, pouco tempo depois de parar uma vez por outra nesse concurso, logo seguia para a RTP2. E, se nem aí havia programa que me recreasse e alimentasse, cultural e espiritualmente, apagava o aparelho e deliciava-me/delicio-me, até adormecer, com a leitura de um bom livro. Consciente de que tenho o dever de me saber defender dos media e dos seus funcionários maiores que estão interessados em servir-nos doses de ópio, como durante séculos o fizeram e ainda hoje o fazem as Religiões, todas as religiões. Não contem comigo nesse jogo feito de jogos e de concursos. Comerei do que me oferecem as tvs, mas apenas se o menu for de boa qualidade. Quando não é, desligo e recorro aos meus próprios meios. Se não fosse assim, onde é que já eu estaria, por esta altura da vida?

A concorrente TVI, preocupada com a possível perda de audiência em relação à RTP e ao seu badalado concurso, foi logo a correr lançar um outro exactamente de sinal contrário, por isso, um concurso com assumido ar de estupidez, mas, ainda assim, com a presença garantida no programa de um júri constituído por gente erudita, como a confirmar à saciedade que o dinheiro e a fama conseguem quase sempre comprar tudo e todos, até os intelectuais. E pode a administração do antigo canal da Igreja católica estar descansada, porque terá conseguido o seu objectivo, uma vez que, com esse seu concurso, tem sempre à sua disposição uma avalanche de raparigas portuguesas semivestidas e disponíveis para fazerem de parvinhas e de estúpidas, na mira, obviamente, de ganharem algum dinheiro fácil e alguma fama (aquilo tem muito de prostituição camuflada, mas se há por aí quem ganhe tanto dinheiro a explorar sem dó nem piedade as pessoas e os povos e, depois, toda a gente ainda parece achar bem este seu jeito de ser-viver e até as aplaudem na praça pública, porque é que umas rapariguinhas desconhecidas não hão-de prestar-se a exibir pedaços dos seus seios e das suas coxas, ao mesmo tempo que fingem que são estúpidas, se em troca ganham dinheiro e alguma fama, quem sabe talvez direito a capa de revista cor-de-rosa?!)

Mas há quem tenha ficado muito arreliado com o desfecho do concurso da RTP, ocorrido na noite de domingo para segunda-feira passada. Pensam essas pessoas, e são muitas, que o antigo ditador do Estado Novo ganhou a categoria de “grande português”. E sentem vergonha de serem portugueses, quando um ditador é guindado a essa categoria. Interrogam-se, até, que povo português é este que faz semelhante escolha e se revê orgulhosamente num ditador?

Quem assim reage dá provas de que não chegou a perceber o que estava em jogo. O isco lançado pela RTP era saber quem é o maior português de sempre. Mas isso era apenas o isco. Porque o que estava em causa era a RTP ganhar muito dinheiro e audiências à custa dos papalvos que entrassem no seu jogo, disfarçado de eleição política ou de referendo. Não fossem ingénuos. Fizessem como eu. Recusassem entrar no jogo. Dormissem descansados. Deixassem os promotores a falar sozinhos. Não se dessem ares de seriedade e de incomodidade perante o que estava a suceder. Quando muito, estivessem de longe a ver tudo aquilo e a divertir-se. Ou, se quisessem ser um bocadinho militantes, alertassem os papalvos que se prestaram a fazer o jogo da RTP para que deixassem de continuar a cair na esparrela. O que a RTP pretendeu e, pelos vistos, teve enorme sucesso, foi que as populações se envolvessem e entrassem no despique artificialmente levantado por ela. Ela ganhou, e muito, com isso. As populações que alinharam no jogo perderam tempo, dinheiro e dignidade, sobretudo, as que mais se empenharam na pantomina. E agora que tudo acabou, a administração da RTP deve estar a esfregar as mãos se satisfação. A sua habilidade resultou financeiramente e em audiências.

Entretanto, deveria agora a RTP meter a mão na consciência e interrogar-se se o que fez é serviço público. Mas, quando uma administração tem por objectivo fazer dinheiro e ganhar audiências a qualquer preço, ainda se pode falar em serviço público? Crime público, sim. Mais um crime público é o que ela acaba de cometer. Promoveu o velho ditador do Estado Novo e do Fascismo pidesco a “grande português” e ainda contribuiu para ressuscitar velhos fantasmas do passado, quando a Liberdade, se bem praticada, sempre suscitará pessoas livres e cultas nas sociedades, não pessoas fanatizadas e corruptas. É por isso que o serviço público tem de cuidar até do tipo de concursos que promove e em que se envolve. Mas um canal público, como a RTP, que tem, habitualmente, nas suas manhãs, a presença cativa em programa do Pe. Borga, sem a salutar presença de qualquer contraditório, e também não perde pitada na transmissão directa de Fátima do 13 de Maio e do 13 de Outubro de cada ano, ainda está em condições de garantir serviço público ao país? Os do Obscurantismo generalizado das populações, que o velho ditador do Estado Novo tanto cultivou, em aliança com a hierarquia católica de então, dirão que sim. Mas os da Liberdade e da Dignidade que visam suscitar populações livres, dignas, historicamente responsáveis e decentes só terão razões para chorar. Choremos, pois. E arregacemos as mangas para passar a lutar mais e com mais inteligência em todas as frentes. Pela Dignidade. Pela Liberdade. Pela Decência.
Mário de Oliveira
http://www.infoalternativa.org/midia/midia065.htm

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