segunda-feira, fevereiro 04, 2008

RETRACÇÃO OU QUEDA?

O capitalismo é dinâmica cega, guiada por uma legitimidade autonomizada. Aqui se inclui o facto de que a reprodução social se efectua num movimento basculante, que nunca encontra o ponto de equilíbrio. Isto nota-se em dois planos. Por um lado, trata-se dum movimento cíclico de curto prazo, de poucos anos, no normal sobe e desce da conjuntura. Por outro lado, há as mudanças estruturais que se estendem ao longo de décadas e que, pelo menos no seu início, estão ligadas a grandes crises. Neste sentido, fala-se de "modelos de acumulação", "ondas longas" ou "revoluções" tecnológicas. Presentemente, no plano de longo prazo, encontramo-nos na crise mundial da terceira revolução industrial, onde não se vislumbra qualquer luz ao fundo do túnel, que pudesse anunciar uma nova grande época de prosperidade. Sobre a onda longa deste processo de crise, no entanto, desenvolvem-se as ondas curtas da conjuntura. Com grande regularidade, toma-se o desejo pela realidade e confunde-se a retoma cíclica da onda curta com o ansiado fim da grande estrutura de crise.
2007 foi novamente um ano destas esperanças infundadas, porque a conjuntura mundial puxava com força. O certo é que o novo optimismo apenas se espalhou quando o ponto culminante já tinha sido ultrapassado. Na Alemanha Federal a taxa de crescimento atingiu 2,9 % em 2006 e baixou para 2,5 % em 2007, enquanto as previsões para 2008 já recuaram para 1,9 %. Torna-se cada vez mais claro que a retoma pertence apenas ao ciclo de muito curto prazo, que modela a crise estrutural profunda, mas não a ultrapassa. É verdade que a oscilação conjuntural ascendente nos últimos anos foi maior que em ciclos passados. Isso, porém, pode significar que agora, inversamente, a oscilação cíclica descendente também será mais violenta. O fortalecimento da situação conjuntural das trocas, perante o pano de fundo da dificuldade geral de acumulação que alastra, baseia-se, como é sabido, sobretudo no papel central da economia de deficit americana. Nos últimos anos a conjuntura mundial moveu-se arrastada pela subida do deficit americano; agora será arrastada pela recessão americana que se anuncia, motivada pela crise do crédito e do imobiliário.
O impacto da retracção global far-se-á sentir com tanto mais força quanto maior for a dependência de cada país da exportação e, portanto, quanto maior for a sua participação na globalização. A industrialização para exportação transnacional da China quase que atingiu o volume da Alemanha Federal na retoma cíclica. Mas, com uma população cerca de 15 vezes maior, a exportação chinesa constitui uma parte muito menor da reprodução total. Entre todos os maiores estados industrializados é na Alemanha que a exportação tem um peso relativo maior. Foi aqui que os rendimentos reais mais regrediram nos últimos anos, comparados com a média europeia, o que alimentou o boom de exportação a custos módicos. O reverso foi a estagnação do consumo interno, mesmo na retoma; assim, as vendas internas da indústria automóvel em 2007 caíram 3,5 %. Apesar do mercado automóvel americano ter encolhido em 2007, como prenúncio da retracção, os construtores alemães de automóveis conseguiram subir aí a quota de mercado, e assim mais que compensaram a queda da procura na Alemanha. Agora, porém, a força tornou-se fraqueza. Uma recessão global poderia levar precisamente a Alemanha a uma queda dramática.

Robert Kurz
http://obeco.planetaclix.pt/

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