sexta-feira, fevereiro 29, 2008

SNS cobre menos portugueses do que há 30 anos

Do semanário «Sol»:

SNS cobre menos portugueses do que há 30 anos devido ao crescimento do privado
O Serviço Nacional de Saúde cobre actualmente 70 por cento dos portugueses, mas há 30 anos, quando foi criado, abarcava 90 por cento da população, alertou António Arnault, o autor da lei que consagrou a universalidade dos cuidados de saúde


«Quando o SNS começou a funcionar cobria 90 por cento da população. Mas foram degradando o SNS e nunca se viram tantos privados como agora. Hoje o SNS cobre na prática só 70 por cento da população», disse à agência Lusa António Arnault, quando passam 30 anos sobre a primeira vez que o Serviço Nacional de Saúde foi publicamente apresentado.


Arnault defendeu que, embora na prática o SNS possa cobrir 100 por cento da população, hoje em dia só presta cuidados a cerca de 70 por cento das pessoas, em virtude da expansão do sector privado, que já conta cerca de dois milhões de seguros de saúde.

Para o ex-ministro, apesar de o sector privado ser importante para ajudar o sector público, não pode crescer à sua custa.


«Há por vezes uma tentativa de desacreditar o SNS em benefício do privado. A saúde é um filão apetecível para o lucro - veja-se que um sexto do orçamento de Estado é para a área da saúde», declarou Arnault, que a 24 de Feveiro de 1978 apresentou pela primeira vez o Serviço Nacional de Saúde, enquanto ministro dos Assuntos Sociais.


Lamentando que o espaço do sector público tenha sido encurtado e o espaço do sector privado alargado, considerou que os seguros de saúde que muitas empresas fazem aos trabalhadores destinam-se a «fazer proliferar as clínicas privadas».

«Mas a maior parte destes seguros não cobre verdadeiramente todas as situações de doença», recordou o antigo ministro dos Assuntos Sociais, para quem o «hospital público é, do ponto de vista técnico, muito melhor» do que qualquer privado.

Segundo dados da Associação Portuguesa de Seguradores, em 2006 havia mais de 1,5 milhões de seguros com cobertura na área da hospitalização e cerca de 1,1 milhões de seguros com cobertura para assistência ambulatória.

António Arnault recordou que o SNS foi criado por um «imperativo ético e moral», face à «situação caótica» que existia em Portugal ao nível dos cuidados de saúde.

«A situação era gritantemente injusta. Muitas pessoas que viviam em aldeias só chamavam um médico quando estavam a morrer», contou.


Em 1978, antes de ser lançada a ideia do SNS, só havia hospitais em Lisboa, Porto e Coimbra e mais de 80 por cento de todos os recursos humanos e técnicos concentravam-se no litoral. No interior, as pessoas apenas tinham o apoio de algumas Misericórdias.

Também só havia maternidades em Coimbra, Porto e Lisboa, o que fazia com que 90 por cento das pessoas nascesse em casa.

«Havia mais de 30 em cada mil crianças a morrer durante o parto. Hoje, 30 anos depois, morrem menos de três em cada mil. Os nossos índices sanitários eram dos piores da Europa, enquanto hoje surgimos nos lugares da frente da Organização Mundial de Saúde», sublinhou Arnault.


Antes da criação do SNS, formalizada em 1979, havia três modalidades de pagamento no acesso aos cuidados de saúde públicos: os mais ricos pagavam a totalidade dos tratamentos, outros pagavam uma parte em função dos rendimentos e havia ainda os indigentes, que nada pagavam desde que conseguissem um atestado passado pela Câmara Municipal.

Com a lei número 56 de 1979, os serviços de saúde passam a ser universais e de acesso gratuito. A própria lei previa o pagamento de taxas moderadoras, que acabaram por não ser cobradas durante vários anos porque o Tribunal Constitucional considerou o seu pagamento inconstitucional.

«Foi a pretexto disto que na revisão constitucional de 1989 se passou a dizer que o acesso à saúde é 'tendencialmente' gratuito», lembrou António Arnault.

Comentário:
É evidente a deriva direitista deste PS, em que o seu emblemático ex-ministro da saúde não tem qualquer peso. As políticas mudam sempre, mas podem mudar em várias direcções, pelo menos em teoria. No caso português, parece que mudam sempre para piorar a condição dos mais pobres.

A perda enorme que resulta para a população é apenas possível de avaliar, tendo em conta dados como os do recém publicado relatório sobre o «índice de desenvolvimento humano» dos países: vários parâmetros do bem-estar das populações, não apenas acesso aos bens de consumo como a serviços, a educação, a cuidados de saúde.

O índice para Portugal desceu ao longo do último quinquénio, facto não verificado em nenhum dos países da OCDE (Europa+América do Norte+ Japão). O referido índice atingiu para Portugal níveis semelhantes aos de 1979.

A destruição metódica do SNS, da Educação Pública, da Segurança Social, a erosão das reformas...não poderiam ter outro resultado!

Manuel Baptista
http://www.luta-social.org/

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