sábado, março 15, 2008

70% dos professores portugueses manifestam-se em Lisboa

Não tenho memória, e duvido que alguma vez tenha acontecido antes, em Portugal e no mundo, de uma manifestação com uma tão massiva participação dos potenciais participantes: os 100.000 professores que se manifestaram na “Marcha da Indignação” em Lisboa, no passado dia 8 de Março, representam 70% do total da classe profissional!

A ubíqua ministra da Educação marcou presença nos telejornais das três maiores televisões, onde reagiu com o mesmo discurso pobre, redondo, repetitivo e até contraditório: «cinquenta mil, cem mil… se fossem vinte mil já eram demais», afirmou na gravação da RTP, para logo no directo da SIC se contradizer, quando questionada sobre o esmagador número de professores que contestaram a política educativa do governo e exigiram a sua demissão, declarando que «isso é irrelevante».

Na simultânea de três televisões, a ministra mostrou a mesma ausência de emoções, a mesma frieza ofensivamente cortante. As suas respostas nem sempre coincidiram com as perguntas que lhe eram feitas, dando a sensação de que estava ali apenas para despejar o discurso que há muito lhe pré-programaram.

Recordei-me de um bem-humorado livro [1], todo ele voltado para a tentativa de comprovar que «num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao nível máximo de incompetência». Talvez se tenha perdido uma boa professora, não sei, nunca antes ouvira falar da senhora.

A DESORIENTAÇÃO É GERAL

A desorientação é geral e tomou conta do governo PS de José Sócrates. Mesmo Santos Silva, a quem se exigiria alguma serenidade, se não pela qualidade de universitário ao menos pelo seu camaleónico percurso ideológico que lhe devia ter dado alguma experiência, reagiu de forma irada, atrabiliária, e mentiu historicamente. Tal como José Sócrates, aquando da manifestação junto à sede do PS no Largo do Rato, também Santos Silva, no seu perturbado comentário à manifestação hostil que o recebeu em Chaves, tentou responsabilizar o PCP.

A verdade é que ninguém melhor do que o PS, se tiver uma réstia de respeito pela verdade, está em condições de identificar os «dirigentes sindicais que saíram do Congresso da Intersindical» para se manifestarem no Largo do Rato e comprovar que não eram militantes do PCP os dirigentes sindicais que ali estavam…

O ministro da Administração Interna, Rui Pereira, anunciou ir abrir um inquérito para saber quem ordenou a ida de polícias à paisana às escolas perguntar quantos e quais os professores que iriam à “Marcha da Indignação”. É a confissão implícita de que no seu ministério anda tudo à balda.

Aparentemente noutro campo ideológico, domingo à noite, na RTP, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou a ditadura mediática da classe no Poder, absolve Sócrates e a ministra da Educação, atraído pelos métodos autoritários com matizes de pendor ditatorial do governo.

MINISTRA DA EDUCAÇÃO CUMPRE ORIENTAÇÃO DO GOVERNO

Como era expectável, José Sócrates reagiu com a habitual arrogância: «…era o que faltava que a acção governativa dependesse agora do nível das manifestações…».

Com esta afirmação, José Sócrates não procura apenas desvalorizar a grandiosa manifestação dos professores, também reafirma o seu desejo de continuar a sua política de destruição da escola pública. E para isso vale tudo, até mentir, reduzindo a luta dos professores à recusa da sua avaliação. A luta dos professores é contra a acelerada, e por vezes contraditória, produção legislativa, e a «agenda de “reformas” que afectam a autonomia e a gestão das escolas públicas, o estatuto da carreira» docente e os métodos e a forma atabalhoada como o governo pretende impor a avaliação.

Com a publicação do ranking das escolas, onde são comparadas escolas privadas que apenas admitem alunos pré seleccionados com escolas públicas situadas em bairros degradados e zonas deprimidas, procura se inculcar na população a ideia da supremacia do ensino privado sobre a escola pública e preparou-se o terreno para a campanha contra os professores do ensino público, a quem foi movido um sistemático e metódico ataque para denegrir a sua imagem junto da população.

O objectivo é entregar largas dezenas de milhar de alunos a um futuro “mercado do ensino” ainda em gestação, como já acontece na generalidade da UE, com excepção dos países vindos do sistema socialista europeu. Na escola pública ficariam apenas os filhos das classes economicamente mais débeis e os dos que, não podendo pagar uma escola privada, já não tivessem capacidade de endividamento.

Com este ataque à escola pública e aos professores, e por muito que estes o tentem contrariar, é inevitável alguma perturbação na vida das escolas e, num futuro próximo, a saída de muitos dos melhores e mais preparados professores da escola pública, tal como está a acontecer em toda a administração pública. O anúncio afixado na Caixa Geral de Aposentações, a informar que não fazem simulações de reformas antecipadas porque o número de pedidos diário é de um milhar!, é esclarecedor do estado de espírito a que chegaram os professores e os restantes trabalhadores da administração pública. Como é evidente, a maioria dos pedidos virão dos melhores, dos que têm mais condições para continuar no mercado de trabalho, e assim compensarem a diminuição de rendimentos que representa a antecipação da reforma.

Esta perseguição à escola pública de qualidade é a rendição do PS ao “mercado” e seria a consagração para o futuro do princípio da desigualdade de oportunidades.

José Sócrates não completou apenas o processo de fusão ideológica do PS com a direita, também o fez com uma qualidade negativa: a rendição incondicional ao capitalismo neoliberal.

Confundindo a sociedade com o grupo restrito dos instalados nos corredores atapetados dos diversos poderes, José Sócrates não se apercebeu do acumular de tensões provocado pelo agudizar das contradições de classe na sociedade portuguesa.

Mantendo a tradicional arrogância, Sócrates procura agora o confronto com as massas, num momento em que estas aumentaram a sua unidade, manifestam crescente disposição para a luta e no começo de um já anunciado período de novas lutas dos professores, dos trabalhadores da administração pública, dos restantes trabalhadores contra a revisão das leis do trabalho, a que se seguem as combativas comemorações do 25 de Abril e do 1º de Maio.

Não tem condições objectivas para escolher este confronto.
José Paulo Gascão
Jornal do Fundão

[1] O Princípio de Peter, de Laurence Peters e Raymond Hull.
http://infoalternativa.org/portugal/port187.htm

Sem comentários: