quinta-feira, março 06, 2008

As razões da destruição da escola

Como chegámos a este ponto?
Na minha opinião, a razão principal, que origina todas as outras, foi o esquecimento da razão de ser da escola: instruir, transmistir conhecimentos.
O esquecimento da missão da escola traduz-se em particular pelo florescimento de novos papéis que lhe foram sendo atribuidos por acréscimo: fazer desaparecer as desigualdades sociais, ensinar a "viver em conjunto", desenvolver as relações humanas, distrair os jovens o máximo tempo possível para os subtrair à influência da rua, para atrasar a sua entrada no mercado de trabalho... é preciso notar que, ao abandonar a missão para a qual foi feita, a escola não preencheu melhor os novos papéis, muito pelo contrário: a escola da instrução tinha mil efeitos secundários benéficos, enquanto a nova escola rotulada igualitária e racional, é muito menos igualitária, assiste no seu seio ao desenvolvimento da violência e falta de civismo numa escala que não era sequer imaginável há algumas décadas, não abre as portas ao mundo comum da razão e verte no mercado de trabalho jovens amargurados, mal preparados, tornados incapazes de trabalhar e de assumir responsabilidades.

Fique assente que tudo isto foi desejado, organizado e imposto, não pelos professores ou intrutores, mas por gente que, desde há trinta ou quarenta anos dirige a Educação nacional; e pela hierarquia ao seu serviço, cujos membros foram sendo recrutados, na sua grande maioria, em função da sua adesão aos princípios da nova escola.

Os políticos de ambos os lados e os dirigentes dos sindicatos maioritários carregam uma parte pesada da responsabilidade: seja porque puseram em questão, eles próprios, o bem fundado da instrução, seja porque desguarneceram os flancos aos destrutores da escola, seja porque usaram a Educação nacional como um escoadouro de expedientes para resolver depressa os problemas sociais, ainda que sob risco de agravar fortemente o futuro do nosso país. É assim que, não sabendo que fazer à multidão de estudantes dos "STAPS" (Sciences et Techniques des Activités Physiques et Sportives), criaram um novo concurso que os permitissem tornar-se instrutores e em que, como se fosse razoável, o francês e a matemática já não interessavam.

É também assim que os poderes públicos exercem uma pressão constante para que intervenham nas aulas os "intermitentes do espectáculo" que são demasiados, que têm necessidade de estar ocupados um número mínimo de horas todos os anos para poderem receber as indemnizações e que se quer ver afastados das ruas claro está, a expensas da aprendizagem fundamental, mas os governentes têm outras prioridades. Enfim, é assim que uma "missão de informação parlamentar sobre as disciplinas científicas" acaba de incentivar a Educação nacional a "sair dos modos tradicionais de transmissão dos saberes". O que significa, concretamente, que queram acabar de arruinar o ensino das ciências, depois do das letras.

Tendo sido desviada do seu princípio fundador, privada de bússula, impedida de manter a instrução como farol para o seu rumo, a organização da escola tornou-se aberrante em poucos decénios.

Os programas foram desarticulados, esvaziados de conhecimentos simples e elementares, a partir dos quais todos os saberes são construídos. Foi-lhe retirada quase toda a progressividade, desde a escola primária até ao fim do básico, e ocultou-se a supressão das aprendizagens de base fixando objectivos desmedidamente ambiciosos, destinados, não a serem alcançados, mas a atirar poeira aos olhos. As próprias disciplinas foram postas em causa, umas mais que outras, tendo-se afundado os horários de francês e matemática: por exemplo, mais de um terço na carga horária do francês na primária, desde os anos 60.

Os métodos foram baralhados. As lições e tudo o que se lhe possa assemelhar foram proscritas pela nova doutrina oficial, que estipula que o aluno deve construir os seus próprios saberes. Foi banida a aprendizagem dos rudimentos e a prática sistemática dos exercícios e pretendeu-se transformar as crianças em pequenos investigadores, pedindo-lhes que redescubram sozinhos em uma dúzia de anos o que a humanidade inteira elaborou em muitos milénios. Não se trata apenas da leitura, trata-se de tudo o que se quis ensinar globalmente, confontando os alunos com textos complexos sem lhes ter dado antecipadamente os elementos que os permitiriam analisar e compreender.

Enfim, as exigências baixaram em todos os níveis: em nenhum momento se exige a aquisição real de um conhecimento exacto. É assim que um quinto dos alunos que entram para a sexta classe são iletrados; a maioria desconhece a tabuada da multiplicação; e uma maioria ainda mais expressiva não sabe escrever correctamante.

Como paliativo entre muitos, promoveu-se a passagem de classe automática, em especial no fim do ano crucial de acesso a todos os cursos preparatórios.

Tornou-se automática a entrada do ensino básico, facilitou-se muito a entrada no liceu, ao mesmo tempo que se uniformizaram as fileiras gerais, de que resultou um nivelamento por baixo de tudo e de todos, tão completo que á hoje possível afirmar que, até ao fim do "Terminale", não existe em França fileira científica digna desse nome, tampouco fileira literária. Os problemas de matemática do actual bacharelato "S" requerem menos raciocínio que os problemas de aritmética elementar da certidão escolar. No que diz respeito às letras, recebi pelo menos um testemunho de um professor de um grande liceu parisiense que observou que as cópias de alguns dos seus alunos de hoje seriam indignas de alunos da sexta classe dos anos 60.

Neste quadro geral das causas do desastre que conhecemos, o lugar de honra é ocupado pelos IUFM que, desde há 15 anos, envenenam lentamente mas persistentemente o nosso sistema educativo: pela inépcia dos pretensos formadores que aí são colocados e que, em verdade, são empresas de deformação dos espíritos dos jovens instrutores e professores; pelo absurdo das doutrinas pedagógicas e outras auto designadas ciências da educação que aí reinam; pelo poder discricionário que dispõe a IUFM sobre os estagiários dado que, excepção feita aos agregados, a titularização depende dela. Recebi uma tantas mensagens de estagiários que descrevem em pormenor o que lhes é dito, e que devem suportar sem pestanejar. Recebi também testemunhos de formadores da IUFM entre aqueles que possuem verdadeiros conhecimentos disciplinares e que, por esse motivo, são mantidos à margem pelos detentores do poder. Assim, um deles escreveu: "Para resumir o que penso: por quanto conheço da IUFM, esta dimana mais de um absurdo campo de reeducação pelo trabalho, que de um instituto de formação. A IUFM é, em grande medida, um pouso de incompetentes e intriguistas que encontraram nela um meio propício (onde nem faltam os lucros) para se pavonearem".

O que se passa na IUFM é tanto mais grave quanto, mau grado haver estagiários que resistem interiormente àquilo que lhes é dito, deixem falar e não voltem a pensar no assunto, muitos outros deixam-se influenciar, sem se aperceberem de que se trata de doutrinas falaciosas, aquilo que lhes repisam ao longo de dias. A maior parte está tanto mais desarmada para opôr alguma resistência intelectual ou moral quanto mais tenha sido degradado o sistema educativo de onde proveio.


Laurent Lafforge in Il faut sauver l'école !

(tradução de António Ferrão a partir do original em francês)
http://ferrao.org/

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