domingo, março 16, 2008

A jogada empresarial do clima

Não respirem. Há uma guerra feroz contra as emissões de CO2 e vocês estão a libertar CO2 cada vez que respiram. A campanha dos multimédia contra o aquecimento global, que está a saturar os nossos sentidos e que insiste que o inimigo é o aumento do componente CO2 dos gases com efeito de estufa, não faz prisioneiros: ou vocês estão connosco ou estão contra nós. Ninguém pode pôr em causa a nova ortodoxia nem se atreve ao pecado da emissão. Se Bill Clinton se fosse candidatar agora à presidência iria jurar que não respira.

Como foi que chegámos a isto? Como é que um assunto ainda ontem tão misterioso que interessava apenas a meia dúzia de cientistas especialistas aparece tão repentinamente no nosso discurso? Como é que a especulação científica evoluiu tão rapidamente para profecias unânimes de apocalipse? Estas perguntas não são hipotéticas mas perguntas históricas e têm resposta. Acontecimentos destes não surgem por acaso; o seu aparecimento é provocado. Geralmente as nossas ideias têm tendência para não serem as nossas próprias ideias: raramente lá chegamos por nós mesmos e pelo contrário absorvemo-las a partir do mundo à nossa volta. Isto é particularmente óbvio quando as nossas ideias acabam por ser as mesmas de quase toda a gente, mesmo de pessoas com quem nunca nos encontrámos nem comunicámos. De onde é que apareceu esta ideia sobre a crise urgente do aquecimento global e das emissões de CO2 e como é que ela entrou nas nossas cabeças, se apenas alguns de nós leram, ou tentaram ler, um simples documento científico sobre os gases com efeito de estufa? A resposta a esta pergunta não é difícil, como poderia parecer, pela simples razão de que é necessário uma grande quantidade de dinheiro e de recursos para instilar uma ideia em tantos espíritos ao mesmo tempo e tão rapidamente, e os únicos com capacidade e meios para tal são o governo e as grandes empresas, em conjunto com os seus mecanismos multimédia. Para efectuar uma viragem tão significativa na atenção, percepção e crença é necessário um esforço substancial e portanto visível e demonstrável.

Até há bem pouco tempo a maior parte das pessoas era indiferente ou mostrava-se confundida ou relativamente despreocupada com esta questão, apesar de um consenso crescente entre cientistas e ambientalistas sobre os possíveis perigos da mudança do clima. Os activistas do aquecimento global, como Al Gore, apressaram-se a deitar a responsabilidade por essa ignorância, confusão e despreocupação da população a uma campanha de propaganda organizada bem financiada pelas companhias de petróleo e gás e pelas suas organizações de fachada, amigalhaços políticos, organizações de publicidade e relações públicas, e lacaios dos meios de comunicação, que tranquilizaram as pessoas mostrando complacentemente algumas dúvidas e cepticismos sobre as preocupações dos cientistas. E tinham razão, houve de facto uma enorme campanha organizada, que está hoje amplamente documentada. Contudo, o que os activistas do aquecimento global convenientemente se esqueceram de assinalar é que a mensagem deles, alarmista, tem sido martelada nas nossas cabeças exactamente pelos mesmos meios, embora por diferentes mãos empresariais. Esta campanha, que pode vir a provar ser de longe muito mais significativa, tem até agora recebido pouca atenção.

Nos últimos quinze anos temos vindo a ser alvo de duas campanhas empresariais rivais, cada uma delas reflectindo diferentes estratégias empresariais apreciáveis, que reflectem uma divisão no seio dos círculos da elite. A questão da mudança do clima tem sido atacada por estes dois grupos opostos de elites, dando a ideia de que apenas existem estes dois lados. A primeira campanha, que apareceu nos finais dos anos 80, fazendo parte da ofensiva da "globalização" triunfalista, procurou desacreditar abertamente a especulação sobre a mudança do clima negando, pondo em dúvida, ridicularizando e menosprezando as aflitivas afirmações científicas que podiam pôr em perigo o entusiasmo para uma aberta iniciativa capitalista. Foi concebida e até certo ponto construída sobre uma campanha anterior feita pela indústria do tabaco que mostrava cepticismo sobre a evidência crescente dos efeitos maléficos do tabaco para a saúde. Na sequência desta tentativa de propaganda "negativa", todas e quaisquer críticas sobre a mudança de clima e o aquecimento global passaram a ser imediatamente identificadas com este lado do debate.

A segunda campanha positiva, que surgiu dez anos depois, na sequência de Quioto e no auge do movimento anti-globalização, procurou apropriar-se da questão ambiental, declarando-se a favor dela e utilizando-a no interesse das empresas. Moldada sobre um século de apropriação liberal corporativa dos movimentos de reforma populares e regimes reguladores, visava apropriar-se da questão com o objectivo de moderar as suas implicações políticas, tornando-a assim compatível com os interesses económicos, geopolíticos e ideológicos empresariais. A campanha empresarial sobre o clima pôs assim a ênfase na primazia das soluções segundo as "leis do mercado" ao mesmo tempo que insistia na uniformidade e previsibilidade de regras e regulamentações obrigatórias. Simultaneamente elevava a questão do clima global a uma obsessão, a uma preocupação totalista para afastar as atenções das contestações radicais do movimento de justiça global. Na sequência desta campanha, todo e qualquer opositor dos "contraditores" foi identificado – e, o que é mais importante, identificou-se a si mesmo, voluntariamente ou não – com os cruzados empresariais do clima.

A primeira campanha, que foi dominante durante os anos 90, sofreu bastante com a denúncia e encontrava-se relativamente moribunda no início da era Bush, embora não tenha perdido a influência no interior da Casa Branca (e no gabinete do primeiro-ministro). A segunda, que contribuiu para a difusão de um movimento radical, conseguiu gerar a actual histeria sobre o aquecimento global, hoje canalizada de forma segura nas agendas pró-empresariais afastando quaisquer confrontações sérias com o poder empresarial. O êxito nos meios de comunicação despertou o eleitorado e obrigou mesmo os contraditores mais inflexíveis a cultivar hipocritamente uma imagem mais verde. Entretanto, e o que é mais importante, as duas campanhas opostas conseguiram em conjunto eliminar qualquer espaço em que fosse possível rejeitar as duas.

Nos finais dos anos 80, as empresas mais poderosas do mundo desencadearam a sua revolução "globalizante", invocando sem cessar os inevitáveis benefícios do comércio livre e, durante todo o processo, pondo de lado as questões ambientais e reduzindo o movimento ambientalista a acções de retaguarda. Apesar disso, o interesse pela alteração do clima continuou a aumentar. Em 1988, cientistas do clima e políticos instituíram o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change) para se manterem actualizados sobre o assunto e publicar relatórios periódicos. Numa reunião em Toronto, trezentos cientistas e políticos de quarenta e oito países publicaram um pedido de acção para a redução das emissões de CO2. No ano seguinte, cinquenta empresas de petróleo, de gás, de carvão e de fabrico de automóveis e químicos em conjunto com as suas associações comerciais formaram a Coligação para a Mudança Global (GCC - Global Change Coalition), com o apoio do gigante das relações públicas Burson-Marsteller. O seu objectivo declarado era semear dúvidas sobre as afirmações dos cientistas e evitar esforços políticos para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa. O GCC deu milhões de dólares em contribuições políticas e em apoio a uma campanha de relações públicas que alertava para que as tentativas mal aplicadas para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa através das restrições à queima de combustíveis fósseis iriam sabotar a promessa da globalização e provocariam a ruína económica. Os esforços do GCC conseguiram pôr em suspenso a questão da alteração do clima.

Entretanto, na sequência de um levantamento indígena em Chiapas em Janeiro de 1994, marcado para o primeiro dia da implementação do Acordo de Comércio Livre Norte-Americano, o movimento anti-globalização irrompeu num protesto mundial contra o capitalismo de mercado e a depredação empresarial, incluindo a destruição do ambiente. Cinco anos depois o movimento aumentara em coesão, em número, em força e militância e uniu-se em torno dos chamados "dias globais de acção" em todo o mundo, em especial em acções directas nas cimeiras do G8 e nas reuniões do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da nova Organização Mundial do Comércio, atingindo o seu auge ao boicotar as reuniões da OMC em Seattle em Novembro de 1999. O movimento, que era formado por uma série muito lata de diversas organizações de base unidas na oposição à "agenda empresarial" global, abalou a campanha de globalização da elite até à raiz. Foi neste contexto pesado que os signatários da Convenção Quadro sobre a Mudança do Clima das NU, formulada por representantes de 155 nações na Cimeira da Terra em 1992, no Rio de Janeiro, reuniu no final de 1997, em Quioto e estabeleceu o chamado Protocolo de Quioto com o objectivo de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa por meio de metas e do mercado do carbono. O tratado de Quioto, ratificado com muito atraso apenas no final de 2004, foi o único acordo internacional sobre a mudança do clima e tornou-se de imediato o foco do debate político sobre aquecimento global.

A oposição empresarial estava precavida contra Quioto. No verão de 1997 o Senado americano aprovou unanimemente uma resolução exigindo que um tratado desse tipo teria que incluir a participação e a aceitação dos países em desenvolvimento, em especial das novas potências como a China, a Índia e o Brasil que no entanto tinham sido excluídas da primeira ronda do Protocolo de Quioto. Os opositores empresariais a Quioto no GCC, tendo como pano de fundo o movimento da justiça global em ascensão, condenaram o tratado como sendo uma conspiração "socialista" ou do "terceiro mundo" contra os países desenvolvidos do ocidente.

No entanto, a convergência do movimento de justiça global e Quioto obrigaram parte da elite a repensar e a reagrupar-se, o que criou uma divisão nas fileiras empresariais relativamente à questão da mudança do clima. As deserções do GCC começaram em 1997 e três anos depois incluíam actores tão importantes como a Dupont, a BP, a Shell, a Ford, a Daimler-Chrisley e a Texaco. Entre os últimos fiéis do GCC estavam a Exxon, a Mobil, a Chevron e a General Motors. (Em 2000, o GCC acabou por desaparecer mas foram criadas outras organizações empresariais de fachada com os mesmos ideais para levar a efeito a campanha "negativa", que continua).

Os que se afastaram do GCC cedo se aglutinaram em novas organizações. Uma das primeiras foi o Centro Pew sobre Mudança do Clima Global, fundado pela doação filantrópica da fortuna Sun Oil/Sunoco. A administração do novo Centro foi presidida por Theodore Roosevelt IV, bisneto do presidente da Era Progressista (e ícone dos conservadores) e director-geral do banco de investimentos Lehman Brothers. Com ele na administração estava o director da firma de investimentos Castle-Harlan e ex-presidente da Northeast Utilities, e também advogado empresarial veterano Frank E. Loy, que fora o principal negociador da administração Clinton no comércio e na alteração do clima.

Logo de início o Centro Pew instituiu o Conselho Directivo dos Assuntos Ambientais, presidido por Loy. Os primeiros membros do conselho incluíam a Sunoco, a Dupont, a Duke Energy, a BP, a Royal Dutch/Shell, a Ontario Power Generation, a DTE (Detroit Edison) e a Alcan. Distanciando-se do GCC, o conselho declarou que "aceitamos as opiniões da maior parte dos cientistas de que se sabe o suficiente sobre a ciência e os impactos ambientais da alteração do clima para que tomemos medidas para enfrentar as suas consequências"; "O mundo dos negócios pode e deve dar passos concretos hoje nos EUA e fora dele para avaliar as oportunidades relativas à redução de emissões… e investir em produtos, práticas e tecnologias novos e mais eficazes". O Conselho sublinhava que a alteração do clima devia ser tratada através de "mecanismos com base nas leis do mercado" e adoptando "políticas razoáveis", e exprimia a crença "de que as companhias que desenvolverem acções atempadas de estratégias e de política climatérica obterão vantagem competitiva sustentada sobre os seus pares".

No início de 2000, "líderes mundiais de negócios" reunidos no Fórum Económico Mundial em Davos, na Suiça, declararam que "a maior ameaça que o mundo enfrenta é a alteração do clima". Nesse Outono, muitos dos mesmos actores, incluindo a Dupont, a BP, a Shell, a Suncor, a Alcan, a Ontario Power Generation, e ainda o fabricante francês de alumínio Pechiney, uniram forças com o grupo de apoio americano Environmental Defense e formaram a Parceria para a Acção Climática (PAC). Os directores da Environmental Defense incluíam Frank Loy do Centro Pew e directores do Carlyle Group, dos Berkshire Partners e da Morgan Stanley e o presidente da Carbon Investments. Secundando a missão do Centro Pew, e pouco menos de um ano depois de a "Batalha de Seattle" ter feito encerrar os trabalhos da Organização do Comércio Mundial em oposição ao regime de globalização empresarial, a nova organização reafirmava a sua crença nos benefícios do capitalismo de mercado. "O objectivo principal da Parceria é defender mecanismos com base nas leis do mercado como meio para efectuar acções atempadas e credíveis para a redução das emissões de gases com efeito de estufa que sejam eficazes e económicas". Desde o seu anúncio inicial, esta mensagem foi repetida como uma ladainha: "benefícios dos mecanismos de mercado", "regras orientadas pelo mercado", "programas com base nas leis do mercado podem fornecer os meios para atingir as metas da protecção ambiental e, em simultâneo, as do desenvolvimento económico", "o poder dos mecanismos de mercado para contribuir para as soluções para a alteração do clima". Na Primavera de 2002, o primeiro relatório da Parceria afirmava orgulhosamente que as companhias da PAC estão na vanguarda da nova área da gestão dos gases com efeitos de estufa". "A PAC não só está a conseguir reduções reais nas emissões de aquecimento global", assinalava o relatório, "como está a fornecer um corpo de experiência prática, demonstrando como reduzir a poluição enquanto se continua a ter lucros".

Este potencial para obter lucros a partir da alteração do clima chamou a atenção ávida dos banqueiros de investimentos, alguns dos quais eram actores centrais da PAC através das suas ligações com os conselhos de administração do Centro Pew e da Environmental Defense. A Goldman Sachs tornou-se líder do grupo; dado possuir centrais de energia através da Cogentrix e de clientes como a BP e a Shell, a empresa de Wall Street estava mais que alertada para as oportunidades. Em 2004 a companhia começou a explorar as possibilidades de "criação de mercado" e no ano seguinte fundou o seu Centro para Mercados Ambientais, com o anúncio de que "a Goldman Sachs procurará agressivamente a criação do mercado e oportunidades de investimento nos mercados ambientais". A empresa indicava que o Centro se empenharia na investigação para desenvolver opções de política pública a fim de instituir mercados em torno da alteração climática, incluindo a concepção e promoção de soluções reguladoras para a redução das emissões de gases com efeitos de estufa. A empresa também anunciava que a Goldman Sachs "iria assumir o comando na identificação das oportunidades de investimento em energias renováveis"; nesse ano o banco de investimentos adquiriu a Horizon Wind Energy, investiu nos fotovoltaicos com a Sun Edison, tratou do financiamento para a Northeast Biofuels, e comprou acções na Iogen Corporation, que foi pioneira na conversão da palha, caules de milho e pastagens em etanol. A companhia também se dedicou "a actuar como criador de mercado no comércio de emissões" de CO2 (e S02), assim como em áreas como os "derivados do clima", "créditos de energias renováveis" e outros "produtos relacionados com o clima". "Estamos convencidos", proclamava a Goldman Sachs, "que a gestão de riscos e oportunidades que nasce da alteração do clima e da sua regulamentação virá a ser particularmente significativa e irá conquistar uma atenção cada vez maior dos participantes no mercado de capitais".

Entre esses participantes do mercado de capitais encontrava-se o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Gore tinha um interesse antigo nas questões ambientais e representou os EUA em Quioto. Também tinha ligações familiares antigas com a indústria da energia através da amizade do seu pai com Armand Hammer e dos seus interesses financeiros na companhia de Hammer, a Occidental Petroleum, que o filho herdou. Em 2004, quando a Goldman Sachs estava a avançar a todo o vapor nas suas iniciativas de criação do mercado de alteração do clima à procura de lucros verdes, Gore fez equipa com os executivos da Goldman Sachs, David Blood, Peter Harris e Mark Ferguson, para fundar a empresa de investimentos ambientais com sede em Londres, a Generation Investment Management (GIM), com Gore e Blood como timoneiros. Em Maio de 2005, Gore, em representação da GIM, discursou na Cimeira dos Investidores Institucionais sobre o Risco do Clima e sublinhou a necessidade de os investidores pensarem a longo prazo e de integrarem as questões ambientais nas suas análises de acções. "Estou convencido que a integração das questões relacionadas com a alteração do clima nas vossas análises sobre quais as acções em que vale a pena investir, a sua quantidade, e durante quanto tempo, é mesmo um bom negócio", explicou Gore aos Investidores reunidos. Aplaudindo a decisão de seguir nesta direcção anunciada no dia anterior pelo presidente da General Electric, Jeff Immelt, Gore declarou que "Estamos aqui reunidos num momento extraordinariamente esperançoso, quando os lideres no sector de negócios começam a fazer as suas movimentações". Nessa altura Gore já estava a trabalhar no seu livro sobre o aquecimento global, 'Uma Verdade Inconveniente' [1] e nessa mesma primavera começou os preparativos para fazer um filme sobre o mesmo assunto.

O livro e o filme do mesmo nome apareceram em 2006, com uma enorme promoção e um êxito imediato na indústria do entretenimento (o filme acabou por arrebatar um Prémio da Academia). Estes dois veículos alargaram muito o alcance dos criadores de mercados da alteração do clima, cujos esforços enalteciam explicitamente. "Há um número cada vez maior de executivos de negócios americanos que está a começar a levar-nos na direcção certa", exultava Gore, acrescentando que "está também em curso uma grande mudança na comunidade dos investimentos". O livro e o filme reflectem fielmente e engrandecem as mensagens centrais da campanha empresarial. Tal como os seus colegas do Centro Pew e da Parceria para Acção Climática, Gore sublinhou a importância de usar os mecanismos do mercado para enfrentar o desafio do aquecimento global. "Uma das chaves para resolver a crise do clima", escreveu, "envolve a procura de meios para utilizar a força poderosa do capitalismo de mercado como aliado". Gore repetiu o seu conselho aos investidores sobre a necessidade de estratégias de investimento a longo prazo e da integração de factores ambientais nos cálculos do negócio, salientando orgulhosamente que os líderes de negócios já tinham começado "a adoptar uma visão mais ampla de como o negócio pode manter os seus lucros ao longo do tempo". O único executivo empresarial citado no livro, ao longo de duas páginas, era o presidente da General Electric, Jeffrey Immelt, que explicava sucintamente a razão e a finalidade do objectivo prioritário do exercício: "Estamos no momento em que a melhoria ambiental vai tornar-se rentável".

No início de 2007 a campanha empresarial tinha aumentado significativamente a sua actividade, com a criação de diversas novas organizações. O Centro Pew e a Parceria para a Acção Climática criaram nessa altura uma entidade intermédia, a Parceria Americana para Acção pelo Clima (USCAP). Os membros da USCAP incluíam os actores chave das acções iniciais, como a BP, a Dupont, o Centro Pew e a Environmental Defense, e acrescentou outros, incluindo a GE, a Alcoa, a Caterpillar, a Duke Energy, a Pacific Gas and Electric, a Florida Power and Light, e a PNM, companhia central de serviços do Novo México e Texas. A PNM tinha-se juntado pouco tempo antes à Cascade Investments do sempre atento Gates da Microsoft para formar uma nova companhia de energia não regulamentada virada para as oportunidades de crescimento no Texas e no oeste dos EUA. O presidente da PNM Jeff Sterba era também presidente da Task Force para a Mudança do Clima do Edison Electric Institute. Também aderiram à USCAP o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, o Instituto de Recursos Mundiais, e o banco de investimentos Lehman Brothers cujo director-geral Theodore Roosevelt IV era presidente do conselho de administração do Centro Pew e em breve veio a ser também presidente do novo Centro Global para a Mudança do Clima, de Lehman. Tal como a Newsweek assinalou (12/Março/2007), "Wall Street está a passar por uma alteração climática", reconhecendo que "a forma de apanhar o verde é tornar-se verde".

Em Janeiro de 2007, a USCAP publicou "Um Apelo à Acção", uma "tentativa não partidária guiada pelos executivos de topo das organizações membros". O "Apelo" declarava a "necessidade urgente de um enquadramento político da alteração do clima", sublinhando que "é necessário um sistema impositivo que estabeleça exigências claras, previsíveis e com base nas leis do mercado para reduzir as emissões dos gases com efeito de estufa". A USCAP adiantava um "plano para a imposição de uma abordagem orientada pelo mercado e à escala económica para a protecção do clima", que recomendasse um programa de "cap and trade" [2] que aliasse a criação de metas a um mercado global de carbono para a comercialização de autorizações e créditos. Condenada desde logo pelos países em desenvolvimento como "colonialismo do carbono", o comércio do carbono tornou-se a nova ortodoxia. O plano também apelava para um "programa nacional para acelerar a tecnologia, a investigação, o desenvolvimento e o posicionamento estratégico e medidas para encorajar a participação dos países em desenvolvimento como a China, a Índia e o Brasil, insistindo em que "no final de contas a solução tem que ser global". Segundo o porta-voz da USCAP, Jeff Immelt, director geral da General Electric, "estas recomendações deveriam catalisar uma acção legislativa que encoraje a inovação e estimule o crescimento económico ao mesmo tempo que melhore a segurança energética e o equilíbrio do comércio".

No mês seguinte apareceu outra organização empresarial climática, desta vez especificamente dedicada a pregar o novo evangelho do aquecimento global. Presidida por Al Gore do Generation Investment Management, a Aliança para Protecção do Clima incluía entre os seus membros o já familiar Theodore Roosevelt IV da Lehman Brothers e do Centro Pew, o ex-conselheiro da segurança nacional Brent Scowcroft, Owen Kramer da Boston Provident, representantes da Environmental Defense, o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais e a Federação Nacional pelos Animais Selvagens, e três ex-administradores da Organização de Protecção Ambiental. Utilizando "técnicas de comunicação inovadoras e de longo alcance", explicou Gore, "a Aliança para Protecção do Clima está a efectuar um exercício de persuasão de massas sem precedentes" – a campanha multimédia contra o aquecimento global passou a saturar os nossos sentidos. Não respirem.

Se por um lado a campanha empresarial sobre a alteração do clima alimentou uma preocupação popular febril com o aquecimento global, também conseguiu muito mais. Tendo surgido no meio do movimento mundial de justiça global, conseguiu repor a confiança naquelas fés e forças que esse movimento tanto se esforçou por denunciar e contestar: empresas de âmbito global e de maximização de lucros e as suas imensas organizações e agendas; a autoridade inquestionável da ciência e o seu corolário na salvação através da tecnologia, e o benefício do mercado auto-regulador com a sua panaceia de prosperidade através do livre mercado e dos seus poderes mágicos, que transforma em bens comerciáveis tudo aquilo em que toca, até mesmo a própria vida. Todas as verdades evidentes reveladas por aquele movimento sobre as injustiças, os prejuízos e as desigualdades semeados e sustentados por estes poderes e crenças estão agora enterradas, postas de lado na corrida apocalíptica para a luta contra o aquecimento global. Explicitamente comparada a uma guerra, este desafio épico exige uma atenção superficial e um empenhamento total, sem distracções desse tipo. Não é altura, nem há necessidade, de questionar uma sociedade deformada ou de reexaminar os seus mitos subjacentes. As culpas e as responsabilidades foram de novo remetidas para o indivíduo, o responsável pelo pecado original, o pecador familiar que merece o castigo pelos seus pecados, pelos seus excessos, predisposto pela sua cultura piedosa e agora premiado pela sua disciplina e sacrifício. Na abertura da época de basebol de 2007, o dono do Toronto Blue Jays postou-se em frente do écran de vídeo gigante, uma extravagância electrónica, no meio de um círculo de logótipos empresariais e de anúncios, e exortou toda a multidão, de forma ridícula, a sair e a comprar uma lâmpada eléctrica de consumo económico. Foi muito aplaudido.

No seu livro campeão de vendas de 2005 'Weather Makers', Tim Flannery apelava aos seus leitores para lutar na "nossa guerra sobre a mudança do clima". Com uma mensagem para a edição canadiana escrita por Mike Russill, ex-presidente do gigante da energia Suncor e hoje chefe da World Wildlife do Canadá, o livro reflecte bem a campanha empresarial. Todos nós "temos que acreditar que a luta é para ganhar em termos sociais e económicos", insiste Russill, "e que não temos que mudar dramaticamente a nossa forma de viver". "A coisa mais importante a fazer", repete Flannery, "é que todos nós podemos fazer a diferença e ajudar a combater a alteração do clima praticamente sem custos para o nosso estilo de vida". "A transição para uma economia livre de carbono é absolutamente possível", exulta, "porque temos toda a tecnologia de que precisamos para tal". "Uma armadilha altamente poderosa na via para a estabilidade do clima", avisa porém, "é a propensão que alguns grupos têm para atravessar a sua carroça ideológica em frente do avanço da sustentabilidade". "Para enfrentar uma emergência grave", aconselha, "é preferível ser-se simples de espírito". O livro é inspirador, incitando o leitor a lutar contra esta ameaça global com ingenuidade, entusiasmo e esperança, com excepção de um pequeno pormenor, escondido no meio do texto, que atormenta o leitor atento. "Como a preocupação com a alteração do clima é tão recente, e a questão é tão multidisciplinar", assinala Flannery, "há poucos verdadeiros especialistas nesta área e ainda há menos que possam articular qual o significado deste problema para o grande público e o que é que devemos fazer quanto a isso".

A campanha empresarial tem feito mais do que criar apenas oportunidades de mercado para escritores de ciência popular da moda como Flannery. Criando uma contenda estritamente maniqueísta entre contraditores malvados e descuidados, por um lado, e defensores esclarecidos sobre o aquecimento global, por outro, também levou a uma credulidade incaracterística jornalistas de esquerda, habitualmente astutos politicamente. 'Heat', o apaixonado manifesto de George Monbiot de 2006 sobre este assunto, é embaraçoso pela sua perspectiva afunilada e pela sua deferência ingénua para com a autoridade da ciência. "Impedir a alteração do clima", afirma, "tem que ser um projecto prioritário. Se falharmos nesta missão, falharemos em tudo o mais". "É preciso um corte dada a importância das exigências da ciência", declara; temos que adoptar "a posição determinada pela ciência e não a posição determinada pelos políticos", como se existisse alguma ciência que não seja também política.

Monbiot não poupa os golpes contra a "indústria da negação", excomungando os partidários empresariais negativos pela sua "idiotice" e sugerindo sarcasticamente que dentro em breve "a negação da alteração do clima será uma coisa tão estúpida como a negação do Holocausto, ou a teimosia de que a SIDA pode ser curada com raiz de beterraba". Mas não tem uma palavra de reconhecimento e muito menos de crítica para os partidários do outro lado cuja mensagem ele espalha talvez inconscientemente com tanta paixão. E também aqui, curiosamente, um pequeno parágrafo escondido no meio do texto, aparentemente desligado do resto, perturba o leitor entusiasmado. "Nada disto pretende sugerir", assinala Monbiot de passagem, "que a ciência não deva estar sujeita ao cepticismo e à crítica constante, ou que os ambientalistas não devam ser tidos em consideração…"

Os propagandistas da alteração do clima não têm mais direito a estar errados do que os outros todos. "Se enganarmos o público", concede, "corremos o risco de sermos desmascarados", acrescentando que "também precisamos de saber que não estamos a perder o nosso tempo: não vale a pena dedicar a nossa vida a lutar contra um problema que não existe". Talvez aqui estejam alguns restos de verdade infiltrados por entre as linhas compostas, apontando para a abertura de outro espaço e de outro momento.
[1] Ver A verdade incómoda do profeta Al Gore & a incomodidade da verdade
[2] NT - "cap and trade" (tecto e comercialização) - abordagem administrativa utilizada para controlar a poluição disponibilizando incentivos económicos para conseguir a redução das emissões de agentes poluentes. Estabelece-se um tecto (cap) para a quantidade total de emissão possível de um poluente. As empresas que emitem esse poluente recebem créditos ou autorizações que correspondem ao direito de emitir uma determinada quantidade. O valor total dos créditos não pode exceder o tecto, limitando as emissões totais a esse nível. As empresas que poluem para além das suas autorizações têm que comprar créditos às que poluem menos do que aquilo que lhes é atribuído. Esta transferência é designada por trade. Com efeito, o comprador está a ser penalizado por poluir, enquanto que o vendedor está a ser recompensado por ter reduzido as suas emissões. Quanto maior for o número de empresas a precisar de comprar créditos, mais sobe o preço dos créditos – o que torna compensador economicamente reduzir as emissões.
David F. Noble

O original encontra-se em http://www.zmag.org/content/showarticle.cfm?SectionID=57&ItemID=12771
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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