Harlem, Nova Iorque — O facto de um negro e uma mulher serem os ‘corredores da frente’ na ‘corrida’ para a presidência, diz bastante sobre o estado desesperado da União por estes dias, não que as próximas eleições nos EUA tenham muita relevância para qualquer coisa de importante, mas a ilusão de que votar a cada cinco anos é um reflexo de uma verdadeira democracia, tem de ser mantida.
E apesar do que disserem as sondagens, é óbvio que a imprensa corporativa está a puxar por uma vitória de Obama, talvez porque os Clintons são vulneráveis a ataques e também porque Obama pode ser melhor vendido como ‘cara nova’, (sem evidentes esqueletos no seu armário). No entanto, vejam quem é que Obama reuniu à sua volta – quase sem excepção eles são da equipa de propaganda de Cheney/Bush.
Quanto à corrida Republicana, é basicamente um assunto interno já que é bastante claro que a elite poderosa decidiu que as pessoas precisam de um ‘descanso’ do Gangue Bush (como no caso dos anos Carter após o descalabro Nixon) antes, esperam eles, de voltar ao ‘esquema do costume’. A questão é, no entanto, se poderá haver um regresso ao esquema do costume.
Temos assim, por um lado, Obama apresentado ao público como a Esperança e a Mudança, enquanto que a realidade é que ele é trazido e vendido pela mesma elite poderosa que escolheu Bush (é só um rótulo diferente). E por outro lado, Hillary Clinton, a candidata de ‘reserva’, só para o caso.
Escolher entre Obama e Clinton é sempre visto como positivo, um golpe brilhante de marketing já que não há nada para escolher entre os dois candidatos, pois quer seja Obama ou Clinton a ‘vencer’ a nomeação, pouco importa desde que seja um deles (quaisquer outras alternativas já foram removidas há muito).
O importante é que seja vendida à população a ideia de que eleger um ou outro destes ‘rótulos’ traz a ideia de Mundança e Esperança. Por isso, qualquer que seja o ‘vencedor’ pouco interessa, o que é importante é a ilusão de que votando num dos dois candidatos entramos numa nova Era de Mudança, mudança do domínio desastroso de Bush e do seu bando de ganguesteres.
Autor: Petar Pismestrovic, Kleine Zeitung, Austria
Então o que é que se está a passar? Porque é que a elite dominante dos EUA deu um passo tão drástico como promover um negro e uma mulher para próximo presidente, um acontecimento sem precedentes na história eleitoral norte-americana?
As razões para uma reviravolta tão abrupta serão seguramente óbvias; em primeiro lugar o estado calamitoso da economia e, em segundo lugar, a completa perda de legitimidade, algo que está a acontecer em todos os países ‘avançados’. Então, tal como nos anos de Cárter, eles necessitam da aparência de um rompimento com o passado.
Para além disso, revela uma classe dominante confusa e dividia sobre o que fazer. Os anos de Bush, conduzidos pela aliança dos sectores financeiro, do armamento e da energia, e até há pouco tempo, com meios de comunicação totalmente cúmplices, estão presos num paradoxo construído por eles próprios.
Por um lado, de forma a manter um controlo hegemónico da economia global através do acesso ilimitado a recursos e mercados, foi projectado e usado um impressionante poderio militar, mas ao fazer isso foi minada a base económica do poder do Capital, como os 9 triliões de dólares de dívida do governo, o colapso do sistema de crédito, ele próprio resultado dos grandes cortes nas despesas sociais e na diminuição de salários, e assim, milhões de trabalhadores cujos gastos no consumo mantinham as ‘rodas da indústria’ a andar, não conseguem continuar a comprar os produtos produzidos, produzidos não nos EUA mas na China e noutros locais do Leste e do Sul.
Um olhar mais atento às contradições da desindustrialização dos EUA revela a natureza do paradoxo (o mesmo se passa no seu ‘parceiro’ júnior, o Reino Unido).
De forma a manter o nível de lucros, o capital norte-americano foi forçado a deslocar a produção para países com salários baixos, mas ao fazer isto eles criaram outro competidor, a China, adicionada ao Japão e à União Europeia.
O processo tem sido inexorável. Por exemplo, começando nos anos 1970, a produção local nos EUA (concentrada no Norte e Nordeste) deslocou-se primeiro para os estados do Sul e depois para o México e outros locais do Sul, depois para a Formosa (Taiwan), de seguida para lugares como a Coreia do Sul e o Vietname, e finalmente China e Índia, criando pelo caminho novos competidores e, inevitavelmente, cada mudança deu o pontapé de saída à industrialização de estilo ocidental nesses países.
Em paralelo com este processo de globalização da produção e distribuição, o sector financeiro seguiu um padrão semelhante, ajudado pela desregulação (descriminalização) de todos os freios a esquemas fraudulentos imaginados por uma horda de geniozinhos financeiros, todos ansiosos por mungir as vacas gordas do negócio de futuros, isto é, carteiras de fundos e especulação em moeda e todo o género daquilo a que eufemisticamente chamamos instrumentos financeiros.
Em última análise, tais actividades fraudulentas tinham de ruir pois estavam apoiadas na grande moeda, o dólar, que por seu turno baseava o seu poderio em ser a única na qual se pode comprar petróleo. E como já vimos, quando o dólar caiu, perdendo metade do seu valor numa década, a economia dos EUA fica ainda mais vulnerável aos seus competidores estrangeiros.
Por outro lado, isto tem implicado que os EUA tenham de ter confiado cada vez mais na sua supremacia militar para manter a sua posição dominante, mas sem o poder económico para o suportar, a força militar é inútil, excluindo um Armaguedom (e não há garantias de que nos espasmos finais da sua morte, o capitalismo dos EUA não decida arrastar-nos a todos com ele).
O que nos traz de volta a Obama e à ‘eleição’ norte-americana, que na realidade se resume a pouco mais do que ganhar tempo, e sem garantia de que seja encontrada uma solução para aquilo que parece ser o fim da estrada para o sistema capitalista.
Claro que também há aqueles, quer na esquerda quer na direita, que afirmam que o enorme poder de inovação do capital irá produzir uma solução, normalmente de natureza tecnológica (por exemplo, uma espécie de ‘conserto’ da crise climática) mas no final, tudo depende da capacidade do capitalismo de se expandir – encontrar novos mercados, outra revolução na produção, destruir a competição, etc. Mas o mundo é finito, só existe um xis número de mercados, xis número de países com baixos salários para onde o capital se possa deslocar de forma a se reproduzir.
Para além dista misturada, temos agora a crise climática, sobre a qual eu tenho dito que a classe dominante está bem ciente dela, e talvez já há décadas, e ainda espera que ela venha a ‘resolver’ a crise de excesso de produção/baixo consumo, e ainda ‘resolver’ o problema do excesso de mão-de-obra sem a necessidade de iniciar uma Terceira Guerra Mundial (deitar as culpas para a Natureza e fazer o trabalho sujo em nome do Capital).
As classes dominantes que dirigem os países ‘avançados’ esperam poder escapar à conflagração e emergir triunfantes num mundo ‘limpo’ de competidores (tal como já antes aconteceu). Este é o ‘Plano’, mas será que vai funcionar? Vão ser capazes de pensar para além do curto prazo? Todas as indicações vão no sentido de que eles são movidos pelas forças da acumulação de capital, sobre as quais eles têm, para não dizer mais, muito pouco controlo e muito pouca compreensão.
Karl Marx, que num mundo sadio deveria ser o seu guru e guia, foi considerado irrelevante, no entanto as causas da actual situação foram demonstradas pelo Mestre há cento e cinquenta anos atrás.
A pergunta que vale 9 triliões de dólares é saber se o capitalismo chegou ao fim da estrada, e se chegou, quais são as alternativas, e mais importante, estamos nós numa posição para as implementar?
Consigo ver o irónico da situação. Aqui estamos nós, no início do século XXI, em que as análises de Marx estão finalmente a realizar-se, mas sem um movimento revolucionário para efectuar a transformação.
Chegamos assim a um momento histórico único para o qual também nós não temos solução, apesar de conseguirmos identificar as forças que nos conduziram a esta situação, um verdadeiro paradoxo de dimensões globais. Sem dúvida haverá um tempo em que novas forças vão emergir, algumas das quais já as estamos a observar, mas não nos chamados países desenvolvidos, onde elas são mais necessárias.
William Bowles
http://investigandoonovoimperialismo.blogs.sapo.pt/32369.html
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