segunda-feira, março 24, 2008

Prémio Nobel de Economia: paradoxos e metáforas

Pobre Adam Smith. Agora deve estar confuso no seu túmulo na pequena igreja de Canongate, em Edimburgo. Ele há de se perguntar: se os membros do comité do Prémio Nobel são tão conservadores, como é que este ano atribuíram-no a um economista (Leonid Hurwicz) que tanto contribuiu para enterrar definitivamente a teoria do mercado?

Para entender este paradoxo é preciso retirar o velho Smith do seu caixão, sacudir-lhe e pó e contar-lhe algo acerca da evolução da teoria económica, principiando pelo Nobel deste ano para três economistas que desenvolveram a teoria do desenho de mecanismos. Ainda que a imprensa tenha tentado esclarecer o público sobre o que é isso de "desenho de mecanismos", as explicações não passaram de uma série de citações piedosas do comunicado do comité Nobel que não dizem nada. A Smith será preciso explicar qual é a relação entre a bela e poderosa metáfora da "mão invisível" e o desenho de mecanismos.

A alegoria da mão invisível pretender responder a uma pergunta inquietante: se os indivíduos que compõem uma sociedade são egoístas, como é que não acabam por matar-se uns aos outros? A solução deste enigma está, segundo Smith, no mecanismo da mão invisível: o mercado é um dispositivo social que permite coordenar os planos de indivíduos egoístas numa sociedade sem necessidade de que o Estado tenha de intervir. Nesta metáfora, o mercado não só torna compatíveis os planos individuais de agentes egoístas sem que estes percebam isto (da a "invisibilidade" do mecanismo) como permite alcançar a prosperidade. Mas ainda que Adam Smith o tenha tentado, não pôde proporcionar a prova científica de que efectivamente era isso o que acontecia no mercado.

Em 1948 Samuelson apresentou uma demonstração de que a posição de equilíbrio está associada a um critério de eficiência. Alguma coisa é alguma coisa, ainda que o critério de eficiência (óptimo de Pareto) deixe muito a desejar. Mas continuava a faltar o mais importante: demonstrar que as forças do mercado conduzem ao ponto de equilíbrio. Para isso era necessário construir um modelo que representasse de maneira dinâmica o processo de formação dos preços de equilíbrio.

Depois de um longo percurso, com o trabalho de Kenneth Arrow e Leonid Hurwicz sobre "estabilidade do equilíbrio competitivo" (1958-59) a comunidade académica pensou que fora possível demonstrar definitivamente que as forças do mercado conduziam ao equilíbrio. O que fizeram estes autores? Construíram um engenhoso modelo de equações diferenciais no qual as forças da competição permitem a formação de preços de equilíbrio para todas as mercadorias simultaneamente (a esses preços oferta igual a procura em todos os mercados ao mesmo tempo). A utilização de um instrumental matemático poderoso (funções Lyapunov) permitia-lhe "demonstrar" a convergência até a posição de equilíbrio.

Pela primeira vez fora construído um mecanismo que aparentemente permitia demonstrar que com efeito, tal como sugeria a metáfora de Smith, as forças do livre mercado conduziam os preços das mercadorias à posição de equilíbrio e à eficiência.

Desgraçadamente para o mecanismo concebido por Hurwic, nesse modelo a formação de preços de equilíbrio só podia ser garantido mediante a intervenção de pressupostos muito restritivos (bem conhecidos na disciplina: bens substitutos brutos ou o axioma débil das preferências reveladas a nível de mercado). Mas, ainda que esse resultado fosse insatisfatório, Arrow e Hurwicz aventuraram uma conjectura. Afirmaram que apesar de reconhecerem que o resultado alcançado dependia de maneira crucial da introdução de pressupostas restritivos, pensavam que em geral (ou seja, sem os referidos pressupostos abusivos) era possível demonstrar que o mecanismo de mercado conduzia sim a uma posição de equilíbrio.

Erro crasso. Em 1960, num artigo famoso, Herbert Scarf demonstrou que essa conjectura era inválida: com um contra-exemplo pôde provar que, se se retirassem os pressupostos restritivos, o mecanismo do modelo não servia para demonstrar que a mão invisível permitia tornar compatíveis os planos individuais (no equilíbrio). Apesar de famoso, esse artigo passou desapercebido até para os alunos preferidos de Scarf.

O debate foi um divisor de águas. Catorze anos depois, Debreu, Mantel e Sonnenschein demonstraram que para atingir o resultado de Arrow-Hurwic, seria sempre necessário recorrer a pressupostos restritivos. Ponto final: esse foi o último prego no ataúde da teoria do equilíbrio geral.

Desde então, Leonid e os seus amigos passam o tempo a desenhar mecanismos para a teoria dos jogos. A realidade é que 230 anos depois de A riqueza das nações, a teoria económica ainda não sai da sua metáfora sobre a mão invisível. Os pais da teoria do equilíbrio geral reconheceram-no, apesar de isso não ser ensinado nas escolas de economia (nem aqui nem nos Estados Unidos). A única base da ideia de que o mercado é um mecanismo eficiente para assinalar recursos é a fé, não a ciência. E esse resultado nem 10 prémios Nobel podem mudá-lo.
Alejandro Nadal

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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