terça-feira, abril 01, 2008

A agenda oculta da educação (parte III)

Mas a construção não está ainda concluída. O ministério da Educação ainda tem muita pedra para partir até chegar ao destino. Daí que tenha urgência em proceder a inúmeras mudanças. É que “há outras gentes a obrigarem a tal serviço”. Vamos então por partes e um pouco sem respeitar a ordem cronológica das coisas, para que melhor se compreenda o caminho da carruagem.
Uma das intervenções do ME e deste governo para o fim último da agenda foi criar uma empresa – Empresa Parques Escolar (EPE) – (Decreto-Lei, nº41/2007 de 21 de Fevereiro). Para além de um vasto orçamento, património, autonomia financeira e administrativa foi-lhe passada a posse/encargo e tarefa de modernizar até 2015 o parque escolar de cento e muitas escolas secundárias (antigos liceus e escolas em zonas nobres do meio urbano). A empresa tem o poder de "deliberar sobre a aquisição, alienação ou oneração [aluguer] do seu património autónomo". Bom faz lembrar um pouco um processo semelhante que se passou com a municipalização (desclassificação) de estradas – melhoria das mesmas antes de as entregar aos municípios, ou mais recentemente com a reorganização e saneamento financeiro das Estradas de Portugal (antiga JAE) para a já decidida privatização das ditas estradas. Quando chegar a altura e o porco estiver gordinho iremos certamente ver estas escolas à venda. (Repare-se que a EPE só intervém a nível das secundárias).
A preparação do espaço/património edificado ficará assim resolvida no que concerne ao secundário (eventualmente com o 3º ciclo agarrado em alguns casos para garantir clientela/rentabilidade). Quanto ao básico o destino também já foi traçado – a municipalização de todas as escolas para ficarem sob a alçada (teórica) das Câmaras Municipais. A chamada “devolução à comunidade” – como se pudesse devolver uma coisa que nunca foi de quem a vai receber (enfim, contas de outro rosário). E está já previsto para Setembro de 2008. Alguns municípios ainda lançaram a escada para que os professores ficassem também sob a sua alçada (Tavira, por exemplo) … mas desta vez, pelo menos e por enquanto, o ME teve juízo. Quanto tempo mais? Não se sabe, mas Setembro de 2009 ou 2010 também já não estão muito longe.
As câmaras municipais há muito que andam desejosas que tal aconteça. O motivo mais óbvio será a injecção de capital proveniente do ministério que será para aplicar nas escolas. Mas… é bem possível que outras razões existam…há escolas muito bem colocadas em território urbano…e quem sabe se não será possível embaratecer os custos recrutando outros professores? Ou contratualizar com empresas de formação? Ou ainda um pouco como aquilo que aconteceu com o recrutamento para as actividades de enriquecimento curricular do 1º ciclo! Tudo será possível. E bem sabemos como o poder autárquico é permeável a influências…
Um outro aspecto que convém não descurar e que diz simultaneamente respeito ao património edificado e ao controle de despesas/custos – o fecho de escolas. Este fecho, que maior celeuma e contestação poderia provocar (e levantou mas o controle de danos foi eficiente), iniciou-se rapidamente logo no princípio da legislatura, aproveitando um certo estado de graça do governo. Também dele emanam implicações economicistas: fecham-se escolas e lugares de professores, reduzem-se as despesas com a sua manutenção e aliviam-se as câmaras municipais de alguns encargos. Em termos de futuro fica-se com um património mais concentrado, mais apetitoso para os privados, porque menos atomizado. A construção dos centros escolares para compensar o fecho das escolas segue o mesmo raciocínio – favorecer uma privatização ou semi-privatização.
Se a parte edificada fica assim resolvida há ainda outras tarefas a levar a cabo de forma a tornar atraente à cobiça capitalista aquele que se afigura como sendo um dos grandes negócios do século XXI: a privatização do ensino.
Uma das “grandes pedras angulares” do projecto, e que tem passado despercebida (ou pelo menos relegada para 2º plano) é a questão da gestão das escolas! O projecto de lei prevê coisas bastante gravosas para as escolas, para a democracia dentro das mesmas e escancara as portas à gestão privada. De que forma?
Com o fim obrigatório do órgão colegial de direcção (conselho executivo) e a sua eleição dentro da própria escola O que o ministério quer decretar é uma alteração mais profunda do que aquilo que parece fazer crer. A nova gestão não só terá na figura do director um órgão unipessoal como passará a ser escolhido por indivíduos exteriores à escola (o novo conselho geral – que substitui a assembleia de escola e é composto por mais de 60% de membros que não estão nem fazem parte da escola). É como se fosse uma assembleia geral de accionistas… Nela estão os interesses dos pais, da municipalidade, dos interesses económicos, os grupos culturais e ainda, em minoria professores, estudantes (eventualmente) e funcionários da escola.
Porquê esta pressa na alteração? Ah! Sim, as lideranças fortes!!! Mas, se a avaliação feita ao modelo vigente pelo 115-A/98 confirmou que 87% dos executivos demonstravam boa ou muito boa capacidade de liderança, porquê isto agora?
Vários motivos. Novamente uns mais claros que outros… O director, ao ser escolhido da forma como acima se referiu, vai executar as políticas que forem determinadas pela mesma assembleia-geral, supervisionada à distância pelo ministério. Mas o ministério não abdica de o controlar… daí a possibilidade de ser a qualquer momento demitido. O interessante está, no entanto, na possibilidade de ser alguém de fora da escola a assumir a chefia de uma escola; alguém que venha de outra escola pública…, ou de uma escola privada ou cooperativa…, ou mesmo de fora de tudo isto, bastando que seja profissionalizado, tenha as habilitações exigidas pelo estatuto e tenha 5 anos de exercício de funções…. Até pode, no momento nem estar a leccionar…. Ora, isto não impede que uma empresa contrate um indivíduo nestas condições e avance… Com as escolas sob a alçada dos municípios abrangendo até ao 9º ano, torna-se um universo atraente para alguém investir neste sector. Só a título de curiosidade há um município que já contratou com um consórcio de empresas a construção de 4 parques de estacionamento (a serem geridos por esse consórcio), a construção de 13 novas escolas e a renovação de outras 13. O total do investimento é de 117 milhões de euros (aproximadamente), dos quais são 87 para os estacionamentos e os restantes para o parque escolar. Não acredito que o consórcio fique só com as receitas do estacionamento – demoraria décadas a recuperar o investimento; ainda para mais sabendo que a Câmara não vai investir 1 cêntimo que seja! (pelo menos assim o dizem).
Voltando à figura do director e à (forte) possibilidade de este ser exterior à escola torna-se mais evidente que a função dele será sobretudo administrativa, fazendo prevalecer os aspectos burocráticos sobre os pedagógicos. E isto vai tornar-se complicado. Esse mesmo director pode transformar a escola numa empresa com a nomeação de capatazes (coordenadores de departamento) a seu belo prazer. E o Conselho Pedagógico fica também por ele, obviamente controlado. Os professores serão meros operários.
Com a atribuição de autonomia financeira (progressiva ou não), o financiamento dependente dos resultados dos alunos, elaborado “por cabeça” (alunos inscritos), com os interesses de autarquias à mistura e eventuais empresas também envolvidas vai surgir uma situação fazer uma grande omeleta com poucos ovos… E, mais uma vez, isso tem custos….O orçamento pode não dar para tudo…
Ainda mais; o director terá capacidade para distribuir o serviço lectivo e para renovar ou fazer cessar contratos! E aqui está um outro ponto que escapa a muita gente, fiada que está na ideia de serem quadro de escola ou de nomeação definitiva! Este estatuto/situação acabou de vez com a publicação da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro (Estabelece os regimes de vínculos, de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas). O artigo 88º, no nº 4 diz claramente o seguinte: “Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente (…) transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.” Isto significa tão só que o contrato pode acabar já amanhã! É quase certo que o corpo especial da função pública que são os professores vão ser integrados na carreira de técnico superior (aliás, a definição dela encaixa perfeitamente na situação de professores, médicos, enfermeiros… - veja-se a referida legislação). Outro aspecto legislativo importante é que se irá aplicar aos trabalhadores da função pública a legislação geral do trabalho, com todas as implicações que tal acarretará.
Assim, e para concluir esta parte, temos uma intervenção no sentido da privatização a dois níveis – do parque escolar e do edifício jurídico subjacente à escola. Da parte material creio ter ficado claro com o que se expões; da parte jurídica verifica-se uma aproximação à gestão privada (a futura legislação sobre gestão escolar, a desvinculação de toda a gente da função pública – despedimentos mais facilitados e aplicação da lei da mobilidade). Em termos legais ainda haverá alguma coisa a fazer mas tudo aponta para que antes do final desta legislatura o quadro esteja plenamente desenhado.
(continua – a seguir: o destino final)
http://reinodamacacada.blogspot.com/

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