Nos últimos tempos tenho recebido uma série de mails que, com ligeiras variantes na prosa, exprimem a indignação do remetente em relação aos preços da gasolina. De facto, a serem verdade os dados indicados, o preço do petróleo em euros teria na realidade descido de 70 euros em 2000 para 66,6 euros em 2008 enquanto a gasolina - sem chumbo 95 - aumentou de 0.922 euro (com taxa de conversão 1 euro=200,482 escudos) para 1.381 euro no mesmo período.
Após a exposição dos números, o mail termina invariavelmente com: «Cada um que pense por si, mas eu acho que estamos a ser roubados pelos políticos, pelas petrolíferas e agora até pela associação de padeiros!»
Embora não intencionalmente, a parte dos padeiros está na realidade intimamente relacionada com os combustíveis uma vez que os preços dos cereais têm subido astronomicamente nos mercados internacionais devido à sua utilização na produção de biocombustíveis. Já há cerca de um ano, George Monbiot avisava:
«o preço do milho duplicou desde o princípio do ano passado. O preço do trigo atingiu o máximo dos últimos dez anos, enquanto que as reservas mundiais dos dois cereais desceram para o valor mais baixo dos últimos 25 anos. Já houve motins por causa de comida no México e chegam de todo o mundo relatos de que os pobres estão a sentir o impacto. O Departamento de Agricultura americano avisa que 'se tivermos uma seca ou uma colheita muito pobre poderemos presenciar o tipo de volatilidade que vimos nos anos 70 e, se não acontecer este ano, estamos a prever igualmente reservas mais baixas para o próximo ano'. Segundo a FAO, das Nações Unidas, a principal razão é a procura de etanol: o álcool utilizado como combustível, que tanto pode ser produzido a partir do milho como do trigo».
Ou seja, não estamos de facto a ser roubados pelo padeiro, estamos a sofrer as consequências de uma política de redução das emissões de CO2, completamente contraproducente na opinião de vários peritos.
E será que em relação ao preço dos combustíveis há alguma verdade neste mail? Foi isso que tentei investigar e cheguei a conclusões interessantes.
O gráfico que ilustra o post, retirado de uma exposição histórica da evolução do preço do petróleo o mercado norte-americano, a preços constantes de 2006, indica que este aumentou muito mais entre 2000 e 2008 que o referido no mail (que referencia 60 e 100 dólares como o preço do barril em 2000 e 2008, respectivamente).
Se analisarmos a evolução do preço do Brent em Londres, o nosso preço de referência, encontramos um cenário análogo, agora expresso em valores nominais. Para converter em valores nominais o preço em dólares do Brent Blend 38º no ano 2008 recorri a esta tabela. Finalmente, para a conversão dos preços em dólares no correspondente em euros precisamos analisar a evolução da taxa cambial entre as duas moedas fortes do cenário mundial. Esta apresenta uma história curiosa que passo a sintetizar.
No primeiro dia da sua cotação, a 4 de Janeiro de 1999, o euro foi lançado a 1,1665 dólar e fechou a 1,1837 dólar. Menos de dois meses depois, a 1 de Março, o euro cai para 1,10 dólar e a 26 de Maio um euro em queda fica a 1,05 dólar. A cotação do euro manteve-se mais ou menos inalterada durante os restantes meses de 1999, mas o ano mais negro foi 2000, nomeadamente a 27 de Janeiro o euro situa-se pela primeira vez abaixo da paridade, a 0,9882 dólar. Em 26 de Outubro, o euro alcança o seu nível histórico mais baixo, valendo apenas 0,8230 dólar. Após uma série de intervenções do Banco Central Europeu (BCE) o euro recupera ligeiramente e a 20 de Dezembro de 2000 o euro fixa-se em 0,90 dólar.
Apenas a 15 de Julho de 2002 o euro recupera a paridade com o dólar. A taxa cambial entre o euro e o dólar continuou em subida instável, com uma pausa em Outubro, atingindo um novo máximo histórico, de 1,1978 dólares, em 19 de Novembro de 2003, após o departamento norte-americano do Tesouro ter divulgado que os investidores estrangeiros aplicaram 4,19 mil milhões de dólares no mercado bolsista norte-americano, um valor muito abaixo dos 49,9 mil milhões de dólares registados em Agosto desse ano e o nível mais baixo desde Setembro de 1998, mês em que o valor do investimento líquido estrangeiro em acções norte-americanas atingiu os 1,17 mil milhões de dólares.
A apreciação face ao dólar no cômputo do ano 2003 da moeda única europeia foi de cerca de 21% - 5,3% dos quais só em Dezembro. Nas duas primeiras semanas de 2004, o euro estabeleceu sucessivos máximos históricos, aproximando-se da fasquia dos 1,29 dólares. Em 2005 e 2006, com algumas flutuações, a taxa manteve-se praticamente inalterada se olharmos para os valores médios anuais, que foram 1,242 em 2004, 1,243 em 2005 com uma ligeira subida para 1.255 em 2006. O ano de 2007, em que em média um euro se converteu em 1,368 dólar, viu uma subida acentuada do valor do euro, que terminou o ano valendo 1.472 dólar, subida que se manteve em 2008, em que o euro está a valer, em média, 1.5 dólar.
Inserindo esta informação cambial nos dados sobre o preço do petróleo no mercado de Londres, confirmamos facilmente que o teor deste mail, que certamente já foi recebido por muitos dos nossos leitores, embora muito exagerado, tem um fundo de verdade uma vez que o preço em euros do Brent tem vindo a descer desde 2007 nos mercados internacionais e o preço que pagamos pela gasolina tem aumentado, reflectindo aparentemente a variação do custo do crude em dólares e não em euros.
http://dererummundi.blogspot.com/2008/04/evoluo-do-preo-da-gasolina.html
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