sexta-feira, abril 25, 2008

Treta da Semana: O contrato.

Esta semana o Parlamento aprovou uma lei do divórcio que ignora a culpa e facilita a dissolução a pedido de um dos cônjuges. Muitos se opõem, por diversas razões. Para César das Neves isto foi asneira porque a «lei só existe para proteger os fracos» e «as garantias que a lei [...] concede são importantes» para a solidez do casamento (1). Segundo o porta-voz da conferência episcopal, Carlos Azevedo, o «Estado tem obrigações para com [o casamento]» e «deve defender a união entre as pessoas». No Blasfémias o João Miranda escreve que o «problema é que alguém que esteja imune a processos judiciais não é um parceiro de negócios credível. Ninguém estaria interessado em fazer contratos com alguém que tem o poder para violar contratos mas que não pode ser processado por isso.»(3)

Eu acho que esta gente anda baralhada.

O divórcio levanta o problema moral da quebra de uma promessa, mas nem isso justifica uma lei nem é necessariamente condenável pois a promessa é feita num momento de optimismo que pode desculpar quem mais tarde se arrepende. E impedimentos legais ao divórcio não vão tornar mais realistas os jovens que acreditam que vão sentir aquilo para sempre.

O cristianismo vê o divórcio como um problema sério porque é um compromisso perante Deus, sagrado e para sempre. Mas se admitimos o direito de mudar de religião isto deixa de ser um problema. O casamento é “para sempre” só enquanto a pessoa quiser essa religião, e não se justifica legislar essas opções.

Quanto aos contratos há que distinguir três aspectos. Os deveres parentais não são deveres contratuais nem têm que ver com o casamento. Quem faz um filho tem obrigações tenha ou não assinado os papéis e independentes do seu direito de terminar o matrimónio. Esta lei do divórcio contempla isso.

A relação afectiva, a fidelidade, o companheirismo, todos os aspectos emocionais e sexuais do casamento são fundamentais mas não se admite obrigações contratuais desta natureza. A lei não deve reconhecer cláusulas de exclusividade sexual, de amizade ou empenho afectivo. O que sobra para a lei é a gestão do património e do investimento na vida em conjunto. Para isso é legítimo haver contratos e intervenção legal que obrigue o seu cumprimento, mas isto também está contemplado nesta nova lei.

Em conclusão, criticam a lei por não legislar aquilo que não deve ser legislado, que é o aspecto afectivo e privado da relação. A lei deve proteger o investimento na vida em conjunto, reconhecer os parceiros como herdeiros do património comum e fazer cumprir obrigações financeiras e parentais. E mais nada. Não tem o dever nem a legitimidade de castigar quem se apaixona por outra pessoa ou quem já não sente o amor que sentia, nem se pode tornar o casamento numa obrigação legal.

Naturalmente, a Igreja preocupa-se com esta distinção. Se a sociedade reconhece que os aspectos privados do afecto e vida sexual do casal estão fora do âmbito da lei já não se justifica restringir estes contratos a duas pessoas do sexo oposto.

1- João César das Neves, DN de 14-4-08, Por miopia, capricho, a reboque e a pressa.
2- DN, 28-3-08, Divórcio abre nova guerra entre maioria PS e Igreja
3- João Miranda, 11-4-08, Nova lei do casamento II
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