quarta-feira, abril 02, 2008

Um governo arrogante que se recusa a negociar e um estatuto disciplinar para a administração pública mais próprio do regime anterior ao 25 de Abril

Um governo arrogante que se recusa a negociar e um estatuto disciplinar para a administração pública mais próprio do regime anterior ao 25 de Abril



O governo apresentou aos sindicatos da Administração Pública um calendário de "negociações" que mostra claramente não pretender negociar seja o que for. É mais uma prova da arrogância deste governo. De acordo com esse calendário, teriam de ser "negociados" até ao dia 12 de Junho os seguintes diplomas: (1) O novo "Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas" , com 82 artigos, em apenas duas reuniões, ou seja, em 4 horas; (2) A Tabela de remunerações única para a Administração Pública com 115 posições remuneratórias numa única reunião, ou seja, em 2 horas; (3) A fusão das actuais 1.669 carreiras e categorias do regime geral da Administração Pública em apenas três carreiras, numa única reunião, ou seja, em 2 horas; (4) O Regime de Trabalho em funções públicas, também conhecido como o Código do Emprego Público, que é o Código do Trabalho da Administração Pública, cujo conteúdo se desconhece porque ainda não foi entregue aos sindicatos mas que, segundo o governo, tem mais de 800 artigos, em apenas quatro reuniões, ou seja, em 8 horas, o que daria uma média de mais de 100 artigos por hora; (5) A Proposta de Lei sobre a Protecção Social, cujo conteúdo ainda não se conhece, pois o projecto ainda não foi entregue aos sindicatos, em apenas duas reuniões, ou seja, em 4 horas. Perante este calendário os comentários parecem desnecessários.

O projecto de "Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas", que foi entregue pelo governo aos sindicatos, contem normas que são mais próprias do regime que vigorou em Portugal até ao 25 de Abril, do que de um regime democrático. De acordo com o projecto, o governo pretende ter poder para punir um trabalhador ou um aposentado mesmo depois destes terem saído da Administração Pública. Assim, um trabalhador que saia da Administração Pública, que vá trabalhar, por ex. durante 15 anos para o sector privado, e que, ao fim deste período, ingresse de novo na Administração Pública poderia ser punido por uma infracção disciplinar que cometeu 15 anos antes quando esteve na Administração Pública. Contrariamente ao que sucede no sector privado que, de acordo com o nº1 do artº 365 do Código do Trabalho, o poder disciplinar do empregador termina com a cessação do contrato de trabalho, o governo pretende prolongar esse poder para além da cessação do contrato de trabalho, para poder punir o trabalhador se ele voltar a ingressar de novo na Administração Pública. Em relação aos reformados e aposentados, a situação é ainda muito mais grave porque o governo pretende ter poder para lhes tirar os meios de sobrevivência. Assim, de acordo com o projecto de Estatuto Disciplinar do governo, o reformado ou o aposentado poderia ser punido com a perda de pensão até dois anos por uma infracção disciplinar cometida durante o período em que esteve no activo.

Mas o projecto de Estatuto Disciplinar do governo não se limita apenas a isto. Pretende introduzir o despedimento com base em duas avaliações negativas. Segundo a alínea h) do artº 18º do projecto, as penas de demissão e de despedimento são aplicáveis nomeadamente aos trabalhadores que "sendo nomeados … cometam reiterada violação do dever de zelo, manifestada na obtenção de duas avaliações do desempenho negativas consecutivas…". E não se pense que isto é só para os trabalhadores com vinculo de nomeação. De acordo com o artº 3 das chamadas "Normas preambulares" do projecto de Estatuto Disciplinar, o disposto no artº 18º, ou seja, a pena de demissão ou de despedimento devido a duas avaliações negativas, é também aplicável aos trabalhadores que, por força da "Lei de Vínculos, carreiras e remunerações" , passem da situação de nomeados para a modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que abrange mais de 90% dos trabalhadores da Administração Pública. Para que se possa ficar com uma ideia clara das verdadeiras consequências desta norma, interessa ter presente também a "Lei de Vínculos, carreiras e remunerações" assim como o decreto-lei do governo sobre a fusão das carreiras. De acordo com estes diplomas, as 1669 carreiras e categorias actualmente existentes são extintas, e os trabalhadores que estão nestas carreiras são "encaixados" em apenas três carreiras – Técnico superior, Assistente Técnico, e Assistente Operacional somente com uma categoria cada uma delas, se se excluir os cargos de chefia – o que determinará a polivalência absoluta no interior de cada uma daquelas três carreiras. Por isso, será sempre fácil a qualquer chefia, exigir a um trabalhador a execução de uma tarefa nova que ele não tenha experiência e mesmo habilitações académicas, atribuindo-lhe facilmente uma avaliação negativa. Com estas duas leis o governo pretende introduzir, objectivamente, um regime de terror na Administração Pública, em que o trabalhador viverá sob a ameaça constante de ser demitido ou despedido. E o poder para aplicar estas penas passa para o dirigente máximo do órgão ou serviço, competindo ao membro do governo a aplicação de penas somente ao dirigente máximo. Desta forma o poder das chefias torna-se quase absoluto, se se tiver presente o que resulta já da "Lei de Vínculos , carreiras e remunerações".

O que está suceder na Administração Pública não interessa apenas aos trabalhadores da função pública, mas sim a todos os trabalhadores portugueses. Em primeiro lugar, porque é de prever que sirva de paradigma para o sector privado, já que as entidades patronais vão começar a reivindicar o mesmo para o seu sector. Em segundo lugar, porque tudo isto irá pôr em causa o acesso a serviços públicos essenciais.

Eugénio Rosa
http://resistir.info/e_rosa/proj_estatuto_disciplinar.html

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