A leitora Granada chamou-me a atenção para a conotação pejorativa do “medíocre” com que caracterizei a maioria do que se escreve, lê, ouve e vê na comunicação social e na Web (1). Penso que não é culpa da palavra, pois designa mediano, nem bom nem mau. A culpa é talvez do uso politicamente correcto de “medíocre” para designar o que é mau ou das expectativas pouco realistas das pessoas, a maioria das quais se considera acima da média (2). Se alguém disser que metade dos Portugueses tem uma inteligência abaixo da mediana muitos verão ofensa no que é apenas a definição da palavra.
Não há mal em estar na média e é inevitável que a maioria dos actos esteja lá perto, com metade ligeiramente acima e metade ligeiramente abaixo. Não é uma classificação que eu aplique às pessoas em si. Não vejo critérios razoáveis para decidir quem é melhor, pior, ou calcular a qualidade média das pessoas enquanto pessoas. Mas aplica-se bem à maior parte do que fazemos. E a maior parte do que fazemos é medíocre, perto da média. O excepcional é raro por definição.
Como preferimos fazer o que fazemos melhor, os profissionais tendem a ser pessoas com capacidades inatas acima da média para desempenhar a sua profissão. Mas porque o excepcional é raro a diferença, em média, é pequena. Em média os taxistas não são condutores exímios, os professores não são extraordinariamente cultos e os contabilistas não são génios do cálculo. A diversidade dentro de cada grupo é maior que a diferença média aos outros grupos e, por isso, muitos “amadores” superam muitos profissionais. Até em profissões especializadas é fácil reconhecer que a diferença está principalmente na formação e que o dom pessoal é irrelevante, salvo raras excepções. A média é medíocre por definição.
Mas os meios de comunicação de massas apresentam músicos, jornalistas, escritores e realizadores como imunes a esta lei da probabilidade. Nestas profissões o excepcional é a norma e todos estão acima da média. Impossível, é certo, mas esta indústria vende fantasias e controlava quem dizia o quê e a quem. Foi-lhe fácil criar o mito do Autor. Este ser fantástico supostamente cria do nada coisas tão extraordinárias que merecem legislação especial para que a industria as possa vender enquanto contina com elas em sua posse.
E a ilusão era boa. Ninguém pagaria aulas de Francês se lhe proibissem de falar em público, mas a ideia que quem compra um CD com uma sequência de números está proibido de fazer contas com esses números e dar o resultado a outros não levantou protestos. A ausência de um manguito colectivo imediato testemunha a perfeição da ilusão. Muitos até acreditaram que era por serem bens intelectuais que estas coisas tinham que ser “protegidas”. Nem os anos de escola a aprender línguas e ciência nem a cultura que os rodeava fez duvidar que a produção intelectual humana carecesse de “protecção” jurídica.
Mas a ilusão era frágil. Só controlando a comunicação se podia esconder que autor é uma profissão como outra qualquer, com uma pitada de excepcional numa massa inevitavelmente medíocre. Não no sentido pejorativo mas no verdadeiro sentido da palavra. Faz volume sem ser bom nem mau*. Mas conforme o acesso se vai abrindo torna-se evidente que a maioria dos profissionais pagos para criar não são mais dotados que muitos amadores que criam porque lhes apetece.
A Web não tornou a cultura medíocre. A Web mostrou que sempre foi medíocre a maior parte da treta que nos vendiam como cultura.
Há também, como em todas as profissões, uma minoria verdadeiramente má. Mas chamar a essa medíocre é atentar contra a palavra.
1- O culto de comunicar
2- Wikipedia, Lake Wobegon Effect
http://ktreta.blogspot.com/
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