sábado, maio 03, 2008

O Fed afunda o dólar

Esmagamento preços-salários

Contra as recomendações da maior parte dos economistas e até mesmo do Financial Times de Londres, o Federal Reserve Board ontem [30 de Abril] cortou a sua taxa de desconto em mais um quarto de ponto, para apenas 2%. Ostensivamente, a intenção é tentar estimular a "recuperação" económica – como se um corte na taxa de juro pudesse fazer isso. À primeira vista isto parece reflectir a ideologia do Fed de que a manipulação apenas do juro pode expandir ou contrair a economia – como se esta fosse um balão, cuja estrutura está pré-impressa sobre ele, a ser inflado ou desinflado à vontade a fim de controlar o nível de actividade.

Esta filosofia simplista foi uma marca característica da era Greenspan. Mudar apenas a taxa de juro significava que o Fed não tinha de "pensar", não tinha de regular mercados, aumentar exigências de reservas sobre empréstimos bancários para alimentar a inflação dos preços dos activos que o Fed confundia com "criação de riqueza real". Tudo o que ele tinha de fazer era elevar taxas de juro quando isto dava aos bancos uma oportunidade para cobrar mais e aumentar seus rendimentos – ou cortar taxas de juro para reduzir o custo dos empréstimos concedidos pelo Fed.

Mas certamente nem mesmo o ideologicamente empedernido Federal Reserve pode ainda imaginar que um problema estrutural – a depressão que se aproxima devido ao favoritismo do Fed para com o sector bancário que promove a des-industrialização da economia – pode ser resolvido reduzindo mais uma vez a taxa de juro. Enquanto o Fed reduz a sua taxa para a concessão de empréstimos aos bancos, estes bancos não têm estado a passar os cortes das taxas aos seus clientes. As taxas dos cartões de créditos estão a subir, e toda uma árvore de Natal de penalidades está mais uma vez a aumentar a comissão (rake-off) dos bancos. As taxas hipotecárias permanecem elevadas, de modo que os mercados imobiliários permanecem estagnados. Os bancos simplesmente não estão a conceder empréstimos.

O que eles estão a fazer é especular, acima de tudo contra o dólar. Dessa forma, estão a emular o que fizeram os bancos japoneses após a explosão da bolha financeira em 1990. Os bancos japoneses tornaram-se os actores mais activos no comércio "carry": tomando emprestado a taxas de juro muito baixas numa divisa fraca (o yen após 1990, o dólar hoje) a fim de conceder empréstimos a altas taxas de juro, preferivelmente com divisas fortes ou pelo menos estáveis (tal como à Islândia antes de ela se tornar tão infestada de dívidas no ano passado que a sua divisa começou a entrar em colapso; e, hoje, aos tomadores de empréstimos europeus, em euros).

De modo que o crédito fiduciário estado-unidense está a ser dirigido para a Europa. Os bancos dos EUA criam ou tomam emprestado crédito a 2% e emprestam-no a 6% ou mais – e obtêm um ganho especulativo em divisa estrangeira quando o Euro continua a ascender em relação ao dólar.

O objectivo evidentemente é o mesmo do Japão após 1990. Muitos bancos estão praticamente insolventes em resultado dos maus empréstimos imobiliários nos seus balanços. Resgatá-los (de modo a que não seja necessário nacionalizá-los, como a Inglaterra fez recentemente com o Northern Trust) é ajudar os bancos a "ganharem a sua saída da dívida" – por meio de empréstimos lucrativos.

Mas a concessão de empréstimos e a lucratividade desligou-se da economia de uma forma geral. Os bancos não estão a conceder empréstimos para financiar investimento em capital tangível e novas contratações. Ajudá-los não ajuda a empurrar a economia dos EUA para fora da depressão que se aprofunda. (Uma recessão é curta e é seguida pela recuperação. A depressão económica que hoje se agiganta está direccionada para um confisco generalizado e à transferência de propriedade dos devedores para os credores.)

O efeito final é inflar o poder das finanças, o crédito e o imobiliário em relação aos salários do trabalho e ao capital industrial. Isto não é um meio de encorajar novo investimento tangível. É exactamente o oposto do keynesianismo. Ao invés de assinalar a "eutanásia do rentista", isto está a das poderes às finanças e a aplicar a eutanásia ao trabalho e à indústria.

EUROPA

E há que acrescentar a Europa. O acto do Fed de subsidiar bancos estado-unidenses que concedem empréstimos à Europa ajudará a elevar a taxa de câmbio do euro em relação ao dólar. Isto será um boom para especuladores de divisas. E ajudará a manter o preço do petróleo e dos alimentos baixos para os consumidores europeus. Mas também elevará o preço do trabalho europeu e outros custos internos (incluindo o custo do imobiliário, o qual está a desempenhar um papel crescente nos orçamentos de empregados por todo o mundo). Isto tenderá a tornar as exportações europeias ainda mais caras nos mercados globais – incluindo o Airbus, para grande satisfação da Boeing, e dos automóveis europeus, para grande satisfação da GM e da Ford. (Não é de admirar que Kirk Kirkorian tenha começado recentemente a comprar outra vez na indústria automobilística dos EUA.)

Na década de 1930, os países competiam uns com os outros através da imposição de muralhas tarifárias rivais e barreiras comerciais não-tarifárias (a principiar pelos Estados Unidos) e da depreciação de divisa "empobreça meu vizinho" (mais uma vez, principiada pelos Estados Unidos). Mas os banqueiros centrais europeus, por sua vez, estão com os cérebros tão lavados pela moderna ideologia monetarista da Escola de Chicago – e tão inconscientes da história económica do seu próprio continente – que insistem numa reacção automática à inflação interna pela elevação das taxas de juro. Isto meramente aumenta o valor da sua divisa ainda mais, atraindo ainda mais empréstimos estrangeiros "carry trade". (Economistas chamam a isto uma "curva de procura inclinada para trás" e consideram-na uma "anomalia", enquanto descobrem ser a realidade principal nestes dias.) Assim, enquanto a política monetária dos EUA ajuda a subsidiar o sistema bancário em relação ao sector industrial e ao trabalho, a política monetária europeia vai em frente com o pensamento do universo paralelo de hoje e enfraquece a sua própria indústria.

TERCEIRO MUNDO

Vítimas inocentes da depreciação do dólar provocada pela acção do Fed são os países com défice alimentar do Terceiro Mundo cujas divisas estão ligadas ao dólar. A América Latina, grande parte da África e Ásia descobrirá que nas suas divisas o preço das matérias-primas denominadas em euros ascenderá.

Mas os seus salários internos e outros rendimentos da população em geral não estão a aumentar. O esmagamento salários-preços avançará – enquanto as suas oligarquias sem dúvida contribuirão juntando-se à hemorragia especulativa em divisas duras transferindo seus fundos internos para fora.
Michael Hudson
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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