Afinal, o desinteresse dos jovens pela política, que tanto incomodou Cavaco Silva, era fácil de resolver. Bastou um encontro no Palácio de Belém com uns quantos dirigentes das “jotas” do leque partidário, mais uns escuteiros, para que o PR se mostrasse “confiante quanto ao futuro do sistema democrático”, uma vez que os ditos dirigentes – todos eles, como se calcula, perfeitos representantes da juventude sem trabalho, com empregos precários, excluída das escolas, vivendo em bairros de lata – lhe prometeram contribuir para a “melhoria da qualidade” do sistema político.
O mesmo Cavaco foi o homem do slogan “Deixem-nos trabalhar”, quando primeiro-ministro na década de 85-95, significando com isso “não se metam em política”, “o trabalho é que nos une”. A frase alimentou uma campanha da direita para cortar os últimos laços que ainda pudessem ligar as jovens gerações de então à herança combativa dos anos de 74-75. A mensagem era clara: os ideais fracassaram – trabalhem e não pensem, se querem ter futuro.
Mas, vinte anos depois, com ou sem trabalho não há futuro. Óbvio, pois, que muitos jovens, e não jovens, não votem, abominem os partidos, desprezem os políticos de carreira – em quem vêem gente corrompida, representantes de interesses próprios e mandatários dos poderosos deste país. Esta evidência ganha raízes na consciência de muita gente; e é aí que Cavaco vê o “perigo para a democracia”: o regime perde dia-a-dia legitimidade aos olhos da população. A aversão à política do regime – essa a questão – é um primeiro sinal de quem busca uma outra democracia que mereça o nome.
Secundado pelo sim-sim dos partidos regimentais, Cavaco tenta travar o descrédito do sistema. Mas o que tem para vender não passa do já visto: partidos situacionistas, políticos venais, governos reverentes ao capital, gestores milionários, corrupção sem freio, liberdades vigiadas… – e, no reverso, meio milhão de desempregados e dois milhões de pobres.
Jovens e todos mais: deixem-nos a falar sozinhos.
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