domingo, junho 08, 2008

Crise alimentar: regressa o holocausto esquecido

Na Índia, há 60 anos, uma fome geral matou 6 milhões de pessoas nas províncias de Bihar, Orissa e Assam sob a férrea ocupação colonial inglesa. Em 1943 o preço do arroz começou a aumentar e nuns quantos meses quadruplicou. Em 1945, 4 milhões de pessoas já haviam perecido de fome devido ao alto preço dos alimentos.

A história económica de Bengala revela que durante muito tempo manteve um sistema produtivo robusto, baseado na agrobiodiversidade, que exportava excedentes e assegurava alimentos para toda a população. Mas chegou a administração colonial inglesa e varreu com tudo. Com efeito, a fome geral foi provocada pela rapacidade da Companhia das Índias e o cinismo do império britânico. Ao abrigo das suas políticas, apreenderam colheitas, impulsionaram as exportações para "não distorcer os fluxos de comércio" e restringiram as importações por razões estratégicas. Para cúmulo, o avanço japonês no Sudeste asiático e a ocupação da Birmânia (Myanmar) convenceram os ingleses de que os recursos de Bengala não podiam cair em mãos inimigas e aplicaram uma política de terra arrasada que destruiu o que restava da agricultura camponesa.

As lições desta e de outras fomes gerais são relevantes para entender a crise alimentar mundial. O primeiro ensinamento é que o planeta é rico em biodiversidade e em recursos produtivos. Mas hoje apenas 12 culturas e 14 espécies animais constituem 80 por cento da oferta mundial de alimentos. A tendência à monocultura é um dos principais perigos para a humanidade: a destruição da agrobiodiversidade e a erosão de recursos genéticos são uma catástrofe silenciosa que no futuro provocará crises frente às quais a fome de geral de Bengala parecerá um pic-nic.

No século passado ignorou-se este princípio: a riqueza da biodiversidade é a chave para enfrentar riscos no campo. Por isso a agrobiodiversidade é o melhor amigo de milhões de produtores independentes do mundo. Mas para a agricultura capitalista os sistema de poli-cultivo não são os ideais para a rentabilidade, em parte porque são mais intensivos em trabalho. No espaço da contabilidade capitalista, a homogeneidade e a tediosa uniformidade da mono-cultura são essenciais.

A segunda lição é que os canais de comercialização, as agências de intervenção pública e uma estrutura saudável para a produção com pequenos produtores independentes são os três pilares para manter um regime de produção agrícola saudável. Em Bengala essa tríade foi destruída, com consequências catastróficas.

Desde 1982 os programas de ajuste e reformas estruturais ditados pelos sábios do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio perseguiram os mesmos objectivos do regime colonial inglês na Índia. Primeiro, destruir as bases da produção de alimentos para "explorar as vantagens comparativas". Segundo, perturbar as redes locais de comercialização para entregá-las a grandes conglomerados transnacionais. Terceiro, eliminar a intervenção de agências públicas que anteriormente permitia estabilizar preços mediante a administração de stocks. O objectivo é claro: entregar o mercado mundial de alimentos a uns quantos conglomerados transnacionais. Hoje o saldo da globalização é que 850 milhões de pessoas estão em perigo de morrer de fome, um holocausto que amesquinha o de Bengala há 60 anos.

Sob os auspícios das Nações Unidas efectua-se em Roma uma cimeira de chefes de Estado para analisar a crise alimentar . Enquanto se reúnem, continua a destruição da agricultura mundial. A perda de recursos genéticos acelera-se com as mono-culturas comerciais a nível planetário. Os oligopólios no mercado de sementes e produtos agrícolas obtêm lucros obscenos, mas Pascal Lamy faz apelos para a conclusão da Ronda Doha, como se a OMC não tivesse responsabilidade no desastre. E a contribuição do Banco Mundial e das Fundações Rockfeller e Bil Gates é promover mais do mesmo na África . Enquanto isso, os grupos corporativos que dominam o comércio agrícola no mundo protegem-se no mercado de futuros de Chicago, pressionando ainda mais os preços para a alta.

Os participantes na cimeira de Roma devem ter em conta as lições da história. O inimigo é um dos convidados de honra na sua própria sala.
Alejandro Nadal

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