domingo, junho 15, 2008

EUA acusados de manter suspeitos de terrorismo em navios prisão

Os EUA estão a operar «prisões flutuantes» para alojar os detidos na sua guerra contra o terror, de acordo com defensores dos direitos humanos, que afirmam haver uma tentativa de ocultar o número e paradeiro desses prisioneiros.

Os detalhes sobre os navios onde os detidos têm sido mantidos e locais alegadamente usados em vários países por todo o mundo foram compilados à medida que o debate sobre detenções sem julgamento se intensifica dos dois lados do Atlântico. O governo estado unidense foi ontem instado a fornecer uma lista com os nomes e paradeiros de todos os detidos.

As informações de que navios estariam a ser usados como prisão surgiram de diversas fontes, incluindo declarações de militares americanos, o Conselho da Europa e órgãos parlamentares relacionados, e os testemunhos de presos.

O estudo, que deve ser publicado este ano pela organização de direitos humanos Reprieve, também afirma que houve mais de 200 casos de entrega [extraordinária] desde 2006, quando o presidente George Bush declarou que tal prática tinha terminado.

É, contudo, a utilização de navios para deter prisioneiros que está a levantar novas preocupações e pedidos de inquéritos na Grã Bretanha e nos EUA.

De acordo com a investigação levada a cabo pela Reprieve, os EUA podem ter usado até 17 navios como «prisões flutuantes» desde 2001. Os detidos são interrogados a bordo dos navios e depois enviados para outros locais, frequentemente não revelados, é afirmado.

Entre os navios que se sabe terem detido prisioneiros incluem o USS Bataan e o USS Peleliu. Outros 15 barcos são suspeitos de terem operado em torno do território britânico de Diego Garcia, no Oceano Índico, que tem sido usado como base militar pelo Reino Unido e pelos norte americanos [1].

A Reprieve levantará especiais preocupações acerca das actividades do USS Ashland e do período que passou ao largo da Somália no início de 2007 conduzindo operações de segurança marítima num esforço para capturar terroristas da Al-Qaeda.

Na época, muitas pessoas foram raptadas por forças etíopes, quenianas e somalis, numa operação sistemática envolvendo interrogatórios regulares efectuados por indivíduos que se acreditou serem membros do FBI e da CIA. Ao todo, mais de 100 pessoas foram “desaparecidas” para prisões em locais incluindo Quénia, Somália, Etiópia, Djibuti e Baía de Guantánamo.

A Reprieve acredita que os prisioneiros também podem ter sido interrogados no USS Ashland e em outros navios no Golfo de Áden nessa época.

O estudo da Reprieve inclui o relato de um prisioneiro libertado da Baía de Guantánamo, que descreveu a história de detenção num navio de assalto anfíbio de um companheiro de prisão. «Um dos meus companheiros em Guantánamo esteve no mar, num navio americano, com cerca de 50 outros detidos, antes de vir para Guantánamo [...] ele estava na jaula ao meu lado. Disse me que havia cerca de 50 outras pessoas no navio. Estavam todos encerrados no fundo do navio. O prisioneiro comentou comigo que era como algo que se vê na TV. As pessoas detidas no barco eram espancadas ainda mais severamente do que em Guantánamo».

O director jurídico da Reprieve, Clive Stafford Smith, disse: «Escolhem navios para tentar manter os seus actos ilegais o mais longe possível dos olhares perscrutadores dos media e dos advogados. Nós reuniremos eventualmente estes prisioneiros fantasma com os seus direitos legais.

Segundo ele próprio reconheceu, o governo dos EUA detém actualmente pelo menos 26.000 pessoas sem julgamento em prisões secretas, e informações sugerem que até 80.000 “passaram pelo sistema” desde 2001. O governo dos EUA deve mostrar um compromisso com os direitos e a humanidade básica revelando imediatamente quem são estas pessoas, onde estão, e o que lhes foi feito».

Andrew Tyrie, o deputado conservador que preside ao grupo parlamentar multipartido sobre entregas extraordinárias, apelou aos governos dos EUA e do Reino Unido joguem limpo acerca da retenção de detidos.

«A pouco e pouco, a verdade sobre as entregas extraordinárias está a vir ao de cima. O resto virá, a seu tempo. É melhor que os governos sejam abertos agora, em vez de mais tarde. Uma maior transparência fornecerá uma confiança aumentada de que o afastamento do presidente Bush da justiça e do domínio da lei no seguimento do 11 de Setembro está a ser revertido, e pode ajudar a ganhar de volta a confiança das comunidades muçulmanas moderadas, cujo apoio é crucial em enfrentar o extremismo perigoso.»

O porta voz para os assuntos externos dos democratas liberais, Edward Davey, disse: «Se a administração Bush está a usar territórios britânicos para ajudar e incitar ao rapto estatal ilegal, isso representaria uma quebra de confiança enorme com o governo britânico. Os ministros devem tornar absolutamente claro que não apoiarão tal actividade ilegal, directamente ou indirectamente».

Um porta-voz da marinha estado unidense, Jeffrey Gordon, declarou ao Guardian: «Não há instalações de detenção em navios da marinha dos EUA». Contudo, acrescentou que era público que alguns indivíduos tinham sido colocados em navios «por alguns dias» durante o que chamou os dias iniciais de detenção. Declinou comentar relatórios que afirmam que embarcações navais estadunidenses estacionadas em ou próximo de Diego Garcia tinham sido usadas como «barcos prisão».

O Ministério dos Negócios Estrangeiros referiu se à declaração de David Miliband em Fevereiro último admitindo perante deputados que, apesar das garantias anteriores em contrário, os voos de entregas dos EUA tinham aterrado duas vezes em Diego Garcia. Disse tinha pedido aos seus oficiais que compilassem uma lista de todos os voos sobre os quais tinham sido alegadas entregas.

Acredita se que os “sítios negros” da CIA também operaram na Tailândia, no Afeganistão, na Polónia e na Roménia.

Além disso, numerosos prisioneiros foram “entregues extraordinariamente” a aliados dos EUA e foram alegadamente torturados em prisões secretas em países como Síria, Jordânia, Marrocos e Egipto.

[1] Para entender em que circunstâncias, ler John Pilger, Roubando uma nação: Como os britânicos e os EU expulsaram uma população inteira
Duncan Campbell, Richard Norton-Taylor
Guardian
http://www.infoalternativa.org/usa/usa188.htm

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