quinta-feira, junho 19, 2008

Ideias perigosas


No livro “Grandes Ideias Perigosas”, recentemente saído em Portugal, mais de uma centena de cientistas, desafiados pelo sítio “Edge” de John Brockman, o norte-americano “apóstolo da Terceira Cultura”, lançam outras ideias, tão ou mais perigosas do que as 23 ideias subjacentes às questões de Steven Pinker, por remarem de algum modo contra correntes maioritárias. Quer se concorde ou não com as respostas dadas, não há dúvida de que as questões são intelectualmente estimulantes. Pinker, além de ter redigido a Introdução, é um dos autores que apresentam as suas ideias perigosas favoritas. Trata-se no seu caso de uma generalização da questão 1: “Os grupos humanos podem diferir geneticamente nos seus talentos e temperamentos médios”.
Segundo ele, as diferenças entre géneros são “razoavelmente fortes”, ao passo que as diferenças raciais e étnicas “são-no bastante menos”. Lembro que 2005 o Reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, se viu obrigado a demitir-se por ter expresso, ainda que de forma suave, essa ideia. Apesar de Pinker e (poucos) outros o terem defendido, o clamor de indignação foi tremendo e talvez não tenha sido uma simples coincidência o facto de ter sido escolhida uma mulher para lhe suceder. A discussão foi muito ideológica e pouco científica. É sabido que estes assuntos têm uma incontornável carga ideológica. Mesmo assim não pude deixar de me admirar com a contestação feroz que o psiquiatra Pio de Abreu foi alvo por ter escrito, no seu livro “Quem nos Faz como Somos” (Dom Quixote, 2007), que os cérebros masculino e feminino são à partida diferentes. Pinker, que tem três dos seus livros traduzidos na Brasil e, salvo erro ou omissão, ainda nenhum traduzido em Portugal (a edição entre nós tem por vezes razões que a razão desconhece), conclui o seu depoimento sobre a sua ideia perigosa do seguinte modo:
“Mas a perspectiva de realizar testes genéticos para procurar diferenças entre grupos no campo das características psicológicas é, ao mesmo tempo, mais provável e mais incendiária [do que a clonagem de seres humanos], e a comunidade intelectual da actualidade está mal preparada para enfrentá-la”.
Perguntar não devia ofender, mas ainda ofende. No posfácio, o biólogo inglês Richard Dawkins interroga-se de uma forma que para muitos será radical sobre a perigosa questão da clonagem (a questão 23 de Pinker):
“Pergunto-me se, volvidos 60 anos da morte de Hitler, poderíamos ao menos aventurar-nos a perguntar qual é a diferença moral entre criar seres humanos com melhores capacidades musicais e obrigar uma criança a ter lições de música. Ou o porquê de ser razoável treinar corredores de velocidade e saltadores, mas não criá-los. Posso imaginar algumas respostas, e são boas; provavelmente acabariam por persuadir-me. Mas não terá chegado a altura de deixar de ter medo de colocar, sequer, a questão?”
Boa pergunta! Boa pergunta?
- John Brockman (coordenação), “Grandes Ideias Perigosas” (prefácio de Steven Pinker e posfácio de Richard Dawkins), Tinta da China, 2008.
http://dererummundi.blogspot.com/

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