sexta-feira, junho 20, 2008

Na melhor tradição, Obama é um falcão

Em 1941, o editor Edward Dowling escreveu: "Os dois maiores obstáculos para a democracia nos Estados Unidos são: primeiro, a ilusão generalizada entre os pobres de que temos uma democracia, e segundo, o terror crónico entre os ricos de que tenhamos uma". O que é que mudou? O terror dos ricos é maior do que nunca, e os pobres transmitiram sua ilusão àqueles que acreditam que quando George W. Bush finalmente se afastar, em Janeiro, as suas numerosas ameaças ao resto da humanidade diminuirão.

A prevista nomeação de Barack Obama, a qual, segundo um comentador ofegante, "marca um momento verdadeiramente excitante e histórico na história dos EUA", é um produto da nova ilusão. Na verdade, isto só parece novo. Momentos verdadeiramente excitantes e históricos foram fabricados em torno de campanhas presidenciais desde que eu posso lembrar, gerando o que pode apenas ser descrito como asneiradas em grande escala. Raça, género, aparência, linguagem corporal, esposas e prole, mesmo explosões de grandeza trágica, tudo isso está incluído no marketing e na "feitura de imagem", agora ampliada pela tecnologia "virtual". Graças a um sistema de colégio eleitoral não democrático (ou, no caso de Bush, de máquinas de voto amanhadas) só aqueles que tanto controlam como obedecem ao sistema podem vencer. Isto tem sido o caso desde a verdadeiramente histórica e excitante vitória de Harry Truman, o liberal democrata dito ser um humilde homem do povo, que avançou para mostrar quão duro era arrasando duas cidades com a bomba atómica.

O entendimento de Obama como um provável presidente dos Estados Unidos não é possível sem o entendimento das exigências de um sistema essencialmente de poder não alterado: com efeito, um grande jogo dos media. Por exemplo, desde que comparei Obama com Robert Kennedy nestas páginas, ele fez duas importantes declarações, mas não deixaram que as suas implicações atrapalhassem as celebrações. A primeira foi na conferência do American Israel Public Affairs Committee (Aipac), o lobby sionista, o qual, como destacou Ian Williams, "conseguirá que você seja acusado de anti-semitismo mesmo que tenha citado o sítio web da mesma para mostrar do seu poder". Obama já efectuou a sua genuflexão, mas dia 4 de Junho foi mais além. Ele prometeu apoiar uma "Jerusalém não dividida" como capital de Israel. Nem um único governo sobre a terra apoia a anexação israelense de toda a Jerusalém, incluindo o regime Bush, o qual reconhece a resolução da ONU que designa Jerusalém como cidade internacional.

A sua segunda declaração, amplamente ignorada, foi feita em Miami a 23 de Maio. Ao falar à comunidade cubana expatriada – a qual ao longo de anos produziu dedicadamente terroristas, assassinos e traficantes de drogas para administrações estado-unidenses – Obama prometeu continuar o feroz embargo a Cuba que ano após ano tem sido declarado ilegal pelas Nações Unidas.

Mais uma vez, Obama foi além de Bush. Ele disse que os Estados Unidos haviam "perdido a América Latina". Descreveu os governos democraticamente eleitos na Venezuela, Bolívia e Nicarágua como "vácuos" a serem preenchidos. Levantou a insensatez de uma influência iraniana na América Latina e apoiou "o direito da Colômbia de atacar terroristas que procuram lugares seguros além das suas fronteiras". Traduzido, isto significa o "direito" de um regime, cujo presidente e políticos principais estão ligados a esquadrões da morte, invadir seus vizinhos no interesse de Washington. Ele também apoiou a chamada Iniciativa Merida, a qual a Amnistia Internacional e outros condenaram como sendo os EUA a levar a "solução colombiana" para o México. E não parou aqui. "Devemos pressionar mais o Sul também", disse ele. Nem mesmo Bush disse isso.

Já é tempo de os racionalizadores de desejos crescerem politicamente e debaterem o mundo da grande potência tal como ela é, não como eles gostariam que fosse. Tal como todos os candidatos presidenciais sérios, no passado e no presente, Obama é um falcão e um expansionista. Ele vem de uma tradição ininterrupta do Partido Democrata, como demonstram os presidentes promotores da guerra Truman, Kennedy, Johnson, Carter e Clinton. A diferença de Obama pode ser a de que ele sinta uma necessidade ainda maior de mostrar quão duro é. Por muito que a cor da sua pele influencie tanto racistas como apoiantes, isso de qualquer forma é irrelevante para o jogo da grande potência. O "momento verdadeiramente excitante e histórico na história do EUA" só ocorrerá quando o próprio jogo for contestado.
John Pilger
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Sem comentários: