segunda-feira, junho 09, 2008

O segredo é a alma do negócio...

Como é sobejamente conhecido, as hierarquias católicas de todos os tempos adoptaram invariavelmente, nas questões sociais, uma difícil postura que joga com as evidências aparentes e com as realidades de facto, mas de forma tal que a realidade permaneça oculta por espessa cortina de silêncio. Esta táctica do clero é a alma do negócio. Permite ser e não ser, lucrar sem aparecer. É claro que estes malabarismos são cada vez mais difíceis de conduzir, numa época que (num sentido positivo) a opinião pública pode recorrer à informação dos meios de comunicação e ao exercício do pensamento crítico. Iludir, apenas resulta quando o agente da ilusão conta com o silêncio cúmplice dos outros.

Uma das teses actualmente sustentadas pela hierarquia clerical refere a existência de uma oposição permanente à doutrina católica conduzida, ainda que discretamente, pelos responsáveis socialistas laicos. Falam, inclusivamente, em perseguição mal disfarçada. Bom seria, dizem os bispos – e referem igualmente altos quadros da área do Opus Dei – que a pobreza e a fome fossem combatidas com mais decisão e usando de medidas mais drásticas por parte do Estado. Se assim não acontecer em breve, o fosso entre pobres e ricos, já em si mesmo grave, aprofundar-se-á. Neste aspecto, um dos sinais mais alarmantes é revelado pela constante escalada dos preços dos combustíveis e dos alimentos. «Trata-se de uma questão muito preocupante» – refere D. Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa – «que, em nosso entender, vai provocar o empobrecimento dos mais pobres e fragilizar a classe média/baixa, que facilmente resvalará para uma situação de pobreza».

A situação, assim descrita pelos bispos tem, de facto, uma tremenda carga demolidora e este alerta da igreja merece, certamente, consenso por parte das forças sociais. Mas que medidas pretende o episcopado católico ver aplicadas?

PODE O COMBATE À POBREZA IGNORAR O COMBATE À RIQUEZA?

As cartas estão na mesa e revelam, logo à primeira leitura, que a pobreza e a fome resultam da má distribuição da riqueza, da passividade colectiva face à existência de um fosso que separa os cidadãos ricos e os cidadãos pobres e da aplicação de políticas económicas que não promovem a produção de bens reprodutivos, antes representam a defesa dos privilégios dos ricos e a sua contínua expansão. Os bispos citam, em termos gerais, a fome e a pobreza, mas omitem a questão da protecção oficial garantida pelo actual poder político, dos interesses e liberdade de acção dos mais ricos. Discretamente, é claro. A própria Igreja, como ultrapoderoso grupo financeiro, usa o silêncio como forma de esconder os seus tesouros. Veja-se só, como exemplo, o caso do Santuário de Fátima. O balanço terá de ser forçosamente muito breve.

Fátima situa-se numa cadeia de lugares sagrados ou santuários que assinalam aparições com carácter divino. Há centenas deles em todo o mundo, grandes e pequenos. Os critérios de classificação da sua importância relativa adoptados pelo Vaticano tomam como referência o grau que cada santuário revela como pólo de atracção de multidões. Após sucessivas remodelações e importantes investimentos, Fátima conquistou, enfim, um lugar entre o “pelotão da frente” dos Santuários Maiores. Acolhe agora, anualmente, cerca de 5 milhões de visitantes, entre devotos e turistas. Calcula-se que essa multidão de peregrinos reforça os cofres da igreja em cerca de 18 mil milhões de dólares/ano. Este afluxo contínuo representa um negócio altamente lucrativo que justifica os milhões recentemente investidos em obras no Santuário. Completa-se com as mais valias obtidas pelos hotéis e pensões que dependem da igreja ou têm contratos com o Patriarcado; com as participações eclesiásticas nos lucros das empresas que organizam as viagens a Fátima; e com as vendas de recordações do santuário, bugigangas e objectos de culto, tais como crucifixos e escapulários. Se por vezes a revelação de um pequeno detalhe denuncia um sentido profundo de qualquer projecto, repare-se que os arquitectos da nova basílica não se esqueceram de a dotar com uma caixa-forte inviolável, construída no subsolo da igreja, onde são guardadas as esmolas e as ofertas dos peregrinos.

A tese da pseudo “perseguição” religiosa movida pelo PS à Igreja cai pela base se observarmos que o Estado português se afirma disposto a pagar, a médio ou curto prazo, a torrente de “euros” necessários à construção de um grande e novo aeroporto que sirva o Santuário e a cidade, bem como a garantir as compensações financeiras exigidas pelas expropriações dos terrenos a ocupar pelas novas redes de estradas e auto estradas da região de Fátima, do litoral e da Ota.

Seguramente, nunca se saberá ao certo qual o valor patrimonial real do Santuário. As verdadeiras contas vão directamente para o Vaticano, no âmbito dos poderes avalizados pela Concordata que, sendo de 1940, permanece válida e foi reformulada, depois do 25 de Abril, pelos esforços persistentes do PS e de Mário Soares, um socialista laico muito próximo do Vaticano.

Jorge Messias

Autor de Igreja, dinheiro e poder (1996) e O crepúsculo dos deuses (2001), ambos editados pela Campo das Letras.
http://www.infoalternativa.org/portugal/port200.htm

Sem comentários: