O “presidente do poder de compra” manteve-se firme: nada de estímulos aos salários baixos. O aumento do salário mínimo interprofissional de crescimento (SMIC), em 1 de Maio, foi plafonado ao nível horário legal, 19 cêntimos brutos. Num ano, o aumento foi de 2,30 %, ao passo que a inflação (oficial) subiu para 3,2 % (entre Março de 2007 e Março de 2008). Para equilibrar, o governo reduziu os abonos de família que beneficiam prioritariamente os rendimentos baixos. As famílias que recebiam 33,84 euros quando um filho fazia 11 anos, agora já não recebem nada; receberão 60,16 euros quando esse filho fizer 14 anos (em vez dos anteriores 16). No total, serão assim economizados 80 milhões de euros num ano. O governo promete redistribuí-los. Mas por enquanto são apenas promessas.
Em contrapartida, a “franquia nos cuidados médicos” tornou-se efectiva desde o início de 2008. Os doentes pagam 50 cêntimos de euro por cada caixa de medicamentos, 1 euro por consulta médica e 2 euros pelo transporte, até um limite de 50 euros por ano. Isto representa a obtenção de 850 milhões de euros graças aos doentes, num ano completo.
É forçoso reconhecer que Nicolas Sarkozy tem um apurado sentido da continuidade. Entre 2000 e 2005, o rendimento salarial líquido médio baixou 0,5 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos. Mas isto é apenas uma média. Quanto aos salários elevados, estes aumentaram mais depressa do que os do escalão da mó de baixo: mais 29 por cento, entre 1998 e 2005, para os 0,1 por cento dos assalariados mais bem pagos …
A CONTRIBUIÇÃO DOS SUPERMERCADOS
A acreditar em Jacques Attali e nas suas 316 propostas, a “libertação” do poder de compra passa por uma nova vaga de supermercados. É sabido que a regulamentação (muito relativa) da implantação das grandes superfícies não se traduziu numa baixa dos preços dos produtos alimentares, mas também é óbvio que a desregulamentação não irá causar um abaixamento da inflação. Isto porque os gigantes da comercialização irão continuar a puxar os cordelinhos, ao mesmo tempo que os comerciantes das zonas centrais das cidades irão deparar com algumas dificuldades acrescidas.
Em contrapartida, os consumidores terão de ir de carro fazer as compras (coisa que fica cara e polui muito); e aos assalariados será imposto o trabalho a tempo parcial, de que os supermercados já são campeões. É muito mais provável que a desregulamentação na implantação destes negócios tenha como efeito uma corrida ao trabalho dominical e aos horários diários tardios do que uma baixa dos preços para os consumidores.
PRESSÃO SOBRE OS DESEMPREGADOS
Antes mesmo de qualquer negociação entre o patronato e os sindicatos sobre a protecção social no desemprego, Sarkozy já tinha decidido: será penalizada toda e qualquer pessoa que rejeite duas propostas de emprego “razoável”. O “razoável” será pois aceitar, ao fim de seis meses, um trabalho cuja remuneração corresponda a 85 por cento do salário anterior, mesmo que esse trabalho fique a uma hora do domicílio, em transportes colectivos, e, após um ano de desemprego, auferir um salário igual ao subsídio de desemprego (ou seja, 57,4 por cento, em média, do salário anterior) – nos dois casos, o posto de trabalho proposto pode ser um simples contrato de duração determinada (CDD). Uma autêntica fábrica de baixos salários, visto a pessoa que solicita emprego ser obrigada a aceitar o que lhe “oferecem”. De resto, a lei de 13 de Fevereiro de 2008 instaura a fusão da União Nacional Interprofissional para o Emprego na Indústria e no Comércio (UNEDIC), que gere os subsídios de desemprego, e da Agência Nacional de Emprego (ANPE) – o que deverá garantir um melhor “controlo” dos requerentes de emprego.
Uma outra disposição que supostamente deverá combater o desemprego é a supressão da dispensa de busca de emprego concedida aos assalariados com mais de 57 anos e meio. Esta é uma medida da estirpe das que foram tomadas por Dominique de Villepin, tais como a criação dos CDD para os trabalhadores mais idosos (com exoneração de encargos) e a supressão da disposição Delalande, que taxava as empresas que despediam assalariados com mais de 55 anos.
Quanto à UNEDIC, esta mostra estar de excelente saúde, com um fundo excedentário, em 2007, de 3,5 mil milhões de euros (que em 2008 deverá atingir os 4,6 mil milhões). Um excedente que reflecte a diminuição oficial do desemprego? Sem dúvida, em parte, mas a porção essencial dessa maquia provém da reforma aplicada em 2003 ao subsídio de desemprego, impulsionada pela Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), pela Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC), pela Confederação Geral dos Quadros (CGC) e pelo Movimento das Empresas de França (MEDEF), reforma essa que reduz o acesso à segurança social em situação de desemprego. Actualmente, 50,4 % dos desempregados inscritos não têm direito a esse subsídio (em 2000, eram 44 por cento). Quatro quintos dos pedidos rejeitados são no devido a contribuições insuficientes (jovens, mulheres em situação de precariedade…).
DIREITOS SOCIAIS CONTRA SALÁRIO
O presidente da República dá aos trabalhadores uma receita simples: paguem o vosso aumento de salário trabalhando mais. Em linguagem tecnocrática, chama-se a isto «monetarização da redução do tempo de trabalho (RTT) e das férias pagas». Deste jeito, os trabalhadores podem “resgatar” os dias de RTT e ser pagos com um prémio de 10 a 25 por cento, conforme os casos, até Dezembro de 2009. Pode fazer se a mesma coisa com uma parte das férias pagas.
O raciocínio é idêntico no que diz respeito ao trabalho dominical, que as direcções das grandes superfícies comerciais querem acentuar. Em 2004 (últimos números conhecidos), 26,7 % dos assalariados trabalhavam ao domingo – e não só no comércio (19 % dez anos antes). Como as jornadas de trabalho fora das normas representam amiúde para os salários baixos um pequeno suplemento, é difícil estes trabalhadores evitarem nas.
Com a mesma perspectiva, a partir de 1 de Outubro de 2007 foram instaurados a isenção fiscal das horas extraordinárias e o não pagamento das contribuições sociais. Automaticamente, os que já faziam horas extraordinárias (um pouco mais de um terço dos assalariados a tempo inteiro) vão beneficiar de um pequeno excedente, pago pelos contribuintes (entre os quais eles próprios).
Este ganho continua a ser marginal. Por um lado, continua a não ser posta em causa a anualização do tempo de trabalho (graças à qual se pode trabalhar 48 horas em certas semanas, sem retribuição suplementar, e 12 horas noutras semanas). Por outro lado, para que haja horas extraordinárias é preciso que haja actividades extraordinárias. Segundo as estimativas oficiais, esta medida, num ano completo, irá custar 6 mil milhões de euros. Sem esperanças de uma vida melhor. E sem que o crescimento seja relançado.
OS RICOS EMBOLSAM
Dar mais aos que precisam menos – assim se pode resumir a filosofia da acção sarkoziana. Mal se viu instalado na presidência da República, Sarkozy pôs este princípio em prática. O famoso “pacote fiscal” serviu, entre outras coisas, para baixar os impostos sobre as grandes fortunas, bem como os direitos sucessórios e de doação. A única medida que terá podido beneficiar as camadas médias (os mais pobres não podem comprar) é a que permite deduzir dos impostos uma parte dos juros do empréstimo contraído para a compra da habitação principal (até 7000 euros por casal). Mas a explosão verificada no sector imobiliário reduziu o impacto dessa medida.
O poder, habilmente, levou toda a gente a pensar que as medidas sobre o património se aplicariam a qualquer pessoa desejosa de deixar alguma coisa aos filhos. Na realidade, segundo o SNUI (Sindicato Nacional Unificado dos Impostos), já antes desta lei só 22 por cento dos falecimentos davam ligar à aplicação de um imposto sucessório. Essa percentagem vai baixar ainda mais. Por conseguinte, as novas medidas aplicam-se aos mais ricos de entre os ricos: 16.000 contribuintes irão beneficiar de 87 % das medidas votadas: 4,7 mil milhões de euros no ano completo – muito mais do que o necessário para pôr em aplicação o rendimento de solidariedade activa (RSA) proposto por Martin Hirsh.
OS POBRES PAGAM
Por iniciativa de Martin Hirsch, ex-presidente da Emmaüs França e actualmente alto comissário das Solidariedades Activas, foi estabelecido um rendimento de solidariedade activa (RSA) para os beneficiários do rendimento mínimo de inserção (RMI) que voltam a empregar-se. Os salários são tão baixos que estes trabalhadores pobres chegam por vezes a perder dinheiro quando trabalham; essa circunstância impedi los ia de voltar a trabalhar, ainda segundo a ideia de que se permaneceria desempregado por conveniência. Em vez de incitar as empresas a aumentar os salários e limitar os tempos parciais não opcionais, o poder inventa o RSA, destinado a compensar o que fica por ganhar.
A “boa” ideia do alto comissário consiste em fazer pagar o RSA pelas pessoas que beneficiam do prémio pró emprego, ou seja, pelas que dispõem, no máximo, dum rendimento fiscal de 16.251 euros (1354 euros por mês), no caso de uma pessoa solteira. As condições de atribuição deste prémio vão tornar-se mais restritivas e os titulares serão em menor número.
UM CÓDIGO DO TRABALHO DESEMPOEIRADO
Dois acontecimentos importantes estão a acelerar o desmantelamento do direito ao trabalho: a “recodificação”, que criou um novo texto legal, em vigor desde 1 de Maio de 2008, e a lei sobre a “modernização do mercado de trabalho”, que deverá ser adoptada no início de Junho de 2008. O texto recodificado alarga a via da desregulamentação. Por exemplo, os assalariados irão doravante depender de códigos diferentes; aquilo que antes decorria da lei fica agora sob a alçada de decretos governamentais, escapando a qualquer controlo.
Quanto à lei sobre a modernização do trabalho, resultante do acordo entre os principais sindicatos de assalariados (excepto a Confederação Geral do trabalho, CGT) e organizações patronais, esta pretende instaurar a “flexi-segurança”. Na realidade, a dita cuja assemelha-se à gelatina: muita flexibilidade e pouca segurança. Os períodos de trabalho à experiência são prolongados mais um mês (ou seja, dois meses para os operários e empregados, quatro para os quadros). É criado um novo CDD – chamado contrato de missão –, que pode ser de 18 a 36 meses no caso dos quadros ou engenheiros que devam realizar um projecto específico. Além disso, passa a ser possível a “ruptura convencional” ou “ruptura amigável” dum contrato de duração indeterminada (CDI), considerando a lei que o empregador e o empregado se encontram em pé de igualdade… Única concessão obtida: a ruptura deve ser validada pela direcção departamental do trabalho. É pouco, mesmo se a isso se acrescentar a redução de um ano no número de anos de casa indispensáveis para o assalariado pretender ter acesso a indemnizações por despedimento.
IMIGRAÇÃO, TESTES ADN, QUOTAS
Sarkozy prometeu aos seus eleitores – e aos de Jean-Marie Le Pen – reduzir o número de imigrantes. Pelo menos os relacionados com o reagrupamento familiar, sendo em contrapartida bem-vindos aqueles que os empregadores seleccionarem. Para dar um ar chique à coisa, chamou-se-lhe política de “imigração escolhida”. Os candidatos e candidatas ao reagrupamento familiar têm de fazer um exame, de modo a ser avaliado «o seu grau de conhecimento da língua francesa» e poderá ser-lhes exigido um teste de ADN, para que as autoridades francesas saibam de fonte segura se o filho é “natural” (não adoptado, não recolhido). Esta medida é contrária à ética que o Conselho Constitucional apesar de tudo validou (com hesitações). Ao mesmo tempo, o governo estabeleceu quotas de expulsões. A “produção” mínima é de vinte e cinco mil expulsões por ano – coisa que leva os polícias a encurralar as crianças nas escolas, e alguns imigrantes amedrontados a suicidar-se. Consequência inesperada desta lei: o aparecimento na ribalta de trabalhadores imigrantes sem-papéis, com o apoio de uma parte dos empregadores, os quais receiam ser controlados porque a lei os obriga a fazer verificar os documentos nos governos civis. Esta greve de um novo tipo está a alterar o ambiente.
UMA JUSTIÇA MAIS AFASTADA DO POVO
O protesto dos magistrados foi quase unânime; porém, toda tesa sobre os seus finíssimos saltos altos, Rachida Dati cortou a direito. Suprimiu 178 tribunais de primeira instância (num total de 473), 63 conselhos dos tribunais do trabalho (num total de 271), 23 tribunais de grande instância (num total de 181). Em certas zonas, esta razia criará um deserto. Ora, está confirmado que os grandes tribunais não são os mais eficazes. «Encontrávamo-nos numa situação em que havia poucos juízes muito pouco especializados, demasiado próximos da população e, por isso mesmo, pouco eficazes», afirma na revista Challenges (n.º 121, 24 de Abril de 2008) um «alto funcionário responsável por esta reforma», corajosamente anónimo. Uma justiça muito próxima do povo cheirava a subversão.
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as disposições repressivas. A lei de 25 de Fevereiro de 2008 sobre a chamada retenção de segurança prevê que sejam detidos em centros fechados os autores de crimes pedófilos, podendo ultrapassar a condenação de quinze anos, ou mais, já efectuada, se esses reclusos apresentarem elevados riscos de recidiva. Ou seja, foi criada uma condenação de detenção perpétua arbitrária, ao mesmo tempo que os meios de tratamento e reinserção são reduzidos ao mínimo. O Conselho Constitucional, interpelado pela oposição, aceitou o princípio, mas rejeitou que a lei seja retroactiva.
CADA VEZ MENOS ESTADO
Por trás do título retumbante atribuído à “revisão geral das políticas públicas” esconde-se uma realidade mais prosaica: cortes no estatuto da função pública em nome da mobilidade e substituição de uma em cada duas aposentações. Em 2008, serão suprimidos 23.000 empregos. Quase metade (10.000 a 11.000) sê lo ão no ensino, a menos que as greves e o movimento dos alunos e docentes consigam alterar a situação. Embora a quantidade nem sempre corresponda a qualidade, como afirma o ministro da Educação Xavier Darcos, o que sempre se constata é que a carência cria o insucesso. Em particular entre os que não dispõem de meios para pagar aulas suplementares ou explicações. A universidade segue pelo mesmo caminho, de forma mais acelerada. A autonomia, criada pela lei de 10 de Agosto de 2007, serve para justificar o recrutamento de gestores e docentes, segundo o alvedrio do reitor, podendo os capitais privados penetrar na universidade graças à criação de uma fundação. Deste modo, em 15 de Janeiro de 2008 a Universidade de Paris I (Panteão Sorbonne) criou com a empresa Conforama um curso especial intitulado DM Academy (destinado a futuros directores de estabelecimentos)… E estando desde já aberta a concorrência entre faculdades, pobres das que não puderem obter fundos privados. Nesta corrida, irá ter influência a reforma da investigação preconizada pelo relatório de François d’Aubert, podendo isso retirar ao Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) a sua substância e desvitalizar a investigação.
Mas os sectores aparentemente poupados (segurança ou justiça) também não estão protegidos – porque é o perímetro de todas as funções colectivas que vai ser restringido. Continuando assim a sumir-se as outras despesas públicas (ajudas ditas ao emprego – na realidade às empresas –, mas também o financiamento das operações externas, como, por exemplo, no Afeganistão).
E NÃO ACABA AQUI…
O governo conseguiu acabar com os regimes especiais dos ferroviários, dos assalariados do metropolitano, dos electricistas e trabalhadores do gás – pelo menos no princípio – e impôs um serviço mínimo nos transportes públicos. Embora a vitória seja mais ideológica do que prática, o governo espera vir a beneficiar dela. Tanto no público como no privado, o poder quer aumentar a duração da carreira contributiva para os 41 anos, quando já actualmente quatro em cada 10 assalariados se aposentam com uma pensão amputada. Estão a ser preparados outros projectos: a transformação do hospital, que será gerido como uma empresa, privatizações (fusão EDF-Suez, Areva…), a “reorganização do serviço público de televisão”, a revogação das 35 horas, etc.
Martine Bulard
http://www.infoalternativa.org/europa/franca009.htm
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