Um dos aspectos que caracteriza a conduta da maioria dos media em Portugal é, em relação às questões mais polémicas, fazer passar como suas as opiniões do pensamento económico ou político dominante, transformando assim uma opinião em informação (“reenquadramento abusivo” como designa Philippe Breton no livro A palavra manipulada), a qual depois, de tão repetida por vários órgãos de informação, e com a eliminação das opiniões diferentes, acaba por passar como a verdadeira perante a opinião pública (“manipulação por repetição”, segundo Philippe Breton).
Dois exemplos recentes ilustram esta conduta. O aumento dos preços dos combustíveis e a chamada “reforma” da Administração Pública de Sócrates. Tal como a AdC, o governo e as petrolíferas, a maioria dos órgãos de informação não abordou o fundamento da formação do preço dos combustíveis à saída das refinarias e a margem obtida pelas petrolíferas a nível das refinarias. O preço dos combustíveis à saída das refinarias foi e é, para a maioria dos media portugueses, uma questão tabu e intocável, como as petrolíferas pretendem. E isto apesar do preço à saída das refinarias representar 80% do preço de venda ao público, se retirarmos os impostos. O mesmo sucede em relação aos trabalhadores da Administração Pública. Para o governo, e para maioria dos grandes media portugueses, os trabalhadores da Administração Pública são uma minoria de privilegiados. O que este governo tem feito é reduzir os “privilégios” que esta minoria tinha injustificadamente. E, para fazer passar essa mensagem junto da opinião pública, a maioria dos grandes órgãos de informação isolam, descontextualizando, determinados aspectos como férias, horário de trabalho, etc., ou então, pura e simplesmente ignoram ou silenciam as medidas mais gravosas tomadas pelo governo ou até utilizaram a mentira. Um exemplo apenas. O Diário Económico, em artigo a que deu grande destaque, comparou o subsídio de doença dos trabalhadores do Regime Geral da Segurança Social (igual a 65% do salário) com a parcela de remuneração recebida pelos trabalhadores da Administração (que afirmava ser 100% da remuneração) para concluir que estes eram uns privilegiados, “esquecendo-se” de informar os seus leitores que o que recebem os trabalhadores da Administração Pública, no primeiro mês de baixa, que é a mais frequente, não são 100% da remuneração mas sim 83%, e sobre este valor têm ainda de descontar 11,5% para a CGA e ADSE e pagar IRS, o que não sucede com os trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social, cujo subsídio de doença está isento de descontos para a Segurança Social e de pagamento de IRS. E, chamado à atenção para o erro cometido, recusou-se a corrigi-lo, preferindo manter os seus leitores no engano.
Em relação aos aspectos mais gravosos das medidas da chamada “reforma” da Administração Pública do governo de Sócrates, que têm sido ignoradas ou silenciadas pela maioria dos órgão de informação, interessa destacar a decisão unilateral do governo de alterar o contrato de trabalho que tinha assumido com os trabalhadores da Administração Pública, mudando o vínculo público que constava desse contrato para contrato individual de trabalho; a introdução da precariedade permanente na Administração Pública através dos mapas de pessoal, que podem ser alterados todos os anos, e os trabalhadores considerados em excesso pelas chefias ou são despedidos ou colocados na situação de mobilidade especial; a alteração unilateral de todo o sistema de carreiras que existia na Administração Pública, que assegurava aos trabalhadores um percurso profissional claro e certo, fundindo mais de 1300 carreiras e categorias em apenas três carreiras, cada uma delas apenas com uma categoria, o que determinará que os trabalhadores fiquem sem qualquer carreira profissional, obrigando estes a permanecerem na mesma categoria durante toda a vida e, como em cada carreira/categoria foram incluídos trabalhadores com habilitações académicas e competências profissionais diferentes (ex. na carreira de Assistente Operacional foram incluídos operários altamente qualificados, motoristas e auxiliares de limpeza), os trabalhadores da mesma carreira passam a ter funções idênticas, o que significa a polivalência total; o governo de Sócrates decidiu também introduzir graves desigualdades remuneratórias na Administração Pública, porque a partir de agora a remuneração de cada trabalhador ficará totalmente dependente do arbítrio das chefias, deixando de existir quaisquer critérios objectivos de atribuição; o governo de Sócrates decidiu introduzir o despedimento individual na Administração Pública com base em duas avaliações negativas, o que nem existe no sector privado, e o despedimento por inadaptação, utilizando o sistema de avaliação (SIADAP).
Era naturalmente a este tipo de comportamentos (argumentos), que naturalmente tanto agradam ao 1º ministro e deixam satisfeito o seu “ego”, que têm sido habituais na maioria dos media portugueses (felizmente não em todos) quando tratam as questões dos trabalhadores da Administração Pública, que Sócrates se referia quando, irritado e nervoso perante a manifestação em que participaram mais de 200.000 trabalhadores em Lisboa, afirmou: «Não me impressiona os números [as pessoas]. O que me impressiona são os argumentos».
Eugénio Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa176.htm
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