sábado, junho 07, 2008

Petróleo: até onde poderá chegar o seu preço?

• A pesca à baleia no século XIX como modelo para o esgotamento do petróleo e a volatilidade dos preços
Aqui há alguns anos apareci na TV pela primeira vez na minha vida. O petróleo tinha acabado de ultrapassar os 38 dólares por barril e fui convidado para falar num canal nacional financeiro na qualidade de presidente da recém-formada secção italiana da ASPO [Associação para o Estudo do Pico do Petróleo e do Gás]. Quando eu disse que previa que o petróleo iria subir dentro em breve muito acima dos 40 dólares por barril, toda a gente no estúdio da TV olhou para mim como seu eu tivesse acabado de dizer uma grande piada. Depois, todos os outros especialistas se apressaram a contradizer-me e afirmaram que os 38 dólares por barril não passavam de um pico, de especulação, e que os preços em breve voltariam ao "normal".

Olhando para trás, era fácil prever que o preço do petróleo ia subir. Bastava conhecer um pouco a teoria de Hubbert. Ao escrever estas linhas, o preço do petróleo anda à volta dos 120 dólares por barril e pode continuar a subir. Mas por quanto tempo? O problema com o modelo de Hubbert é que é bom para prever a produção, mas nada nos diz quanto aos preços.

Há todo o tipo de modelos económicos que tentam prever preços, mas têm uma eficácia muito fraca. Assim, talvez possamos encontrar uma resposta em exemplos históricos. Se descobrirmos no passado um recurso que tenha atingido o pico e entrado em queda até ao zero ou próximo do zero, talvez a história dos seus preços nos possa dar uma ideia do que é de esperar quanto ao petróleo.

Há muitos recursos que atingiram o pico e entraram em queda a nível regional; o petróleo bruto nos Estados Unidos é um bom exemplo. Mas o preço do petróleo americano não depende apenas da produção dos Estados Unidos, é afectado pelas importações de outras regiões do mundo. Portanto não serve para entender a tendência dos preços a nível global. Do que precisamos é de um recurso global que tenha atingido o pico a nível mundial ou, pelo menos, numa região economicamente isolada.

Depois de muito procurar, o melhor exemplo que consegui arranjar não foi de um recurso mineral mas de um recurso biológico: a pesca à baleia no século XIX. As baleias são, obviamente, um recurso renovável, mas se forem caçadas mais depressa do que se reproduzem, comportam-se como um recurso não renovável; tal como o petróleo. Temos bons dados sobre a pesca da baleia compilados em livros como "History of the American whale fishery" (História da pesca à baleia americana), de Alexander Starbuck (1878). Na época de Starbuck não havia nada parecido com um "mercado global" para os produtos da baleia. Mas o alcance dos barcos baleeiros situava-se a nível mundial e os efeitos da redução drástica das baleias sentiram-se de igual modo em todos os mercados mundiais. Por isso, podemos considerar os preços referidos por Starbuck como sendo afectados directamente pelo comportamento da curva de produção.

Assim, aqui ficam os resultados para dois produtos da baleia: o óleo de baleia e os "ossos de baleia". O óleo de baleia era utilizado como combustível nos candeeiros, os ossos eram um reforço para o vestuário das senhoras, como era moda no século XIX.
Os resultados são claros: a pesca da baleia seguiu a "curva em forma de sino" de Hubbert, parecida nos gráficos com uma curva de Gauss. As baleias comportaram-se como um recurso não renovável e alguns estudos afirmam que, nos finais do ciclo de pesca do século XIX, restavam no oceano apenas 50 fêmeas da principal espécie pescada: a baleia genuína.

Ora bem, olhando para os preços históricos, vemos uma subida próximo do pico tanto para o óleo de baleia como para os ossos de baleia. Para o óleo de baleia vemos uma subida de preços em flecha após o pico de produção, no caso dos ossos de baleia a subida é mais suave. Em ambos os casos, o aumento verificado na curva é quase exponencial. Podemos apreciar essa tendência exponencial nos dados da curva.

Parece que temos assim um paralelo para o petróleo nestes dados históricos do óleo de baleia e dos ossos de baleia. Também notamos algumas diferenças; por exemplo, os preços do óleo de baleia não subiram tanto como o petróleo tem subido nos últimos tempos. Em média, vemos que o óleo de baleia duplicou o preço, seguindo-se uma paragem. Quanto aos ossos de baleia, vemos um aumento muito maior, superior a um factor de 10 desde o início até ao fim do ciclo da pesca à baleia. Este aumento é comparável ao que assistimos hoje para o petróleo.

Há uma explicação razoável para estas diferenças. Primeiro que tudo, nem o óleo de baleia nem os ossos de baleia eram tão indispensáveis à vida do século XIX como o petróleo é hoje para todos nós. Havia combustíveis alternativos para os candeeiros: gordura animal ou óleo vegetal, um pouco mais caros e considerados como produtos inferiores, mas utilizáveis. Depois, a partir da década de 70 do século XIX, o petróleo passou a estar acessível em toda a parte como combustível para os candeeiros. Provavelmente teve como efeito manter em baixo o preço do óleo de baleia. Quanto aos ossos de baleia, não existia um verdadeiro substituto a não ser o aço, que provavelmente era muito mais caro no período que estamos a considerar. Mas reforços para o vestuário feminino eram uma coisa que as pessoas podiam facilmente dispensar.

Em comparação, o petróleo é um bem tão indispensável no mundo actual que não é de admirar que os preços tenham subido tão gravosamente. Por exemplo, as companhias de aviação não têm possibilidade de escolha entre irem à falência ou comprarem jet fuel, seja a que preço for. Quanto às outras actividades, as possibilidades de escolha podem não ser tão drásticas, mas mesmo assim não podemos sobreviver sem o petróleo. Se a subida exponencial do preço do petróleo continuar a fazer-se sentir durante mais uns anos, de certeza que iremos assistir a uma verdadeira razia na procura.

Mas os dados históricos para a pesca da baleia informam-nos que a subida exponencial dos preços não é a única característica do mercado pós-pico. A característica mais importante é, pelo contrário, a presença de oscilações muito fortes. Podemos atribuir estas oscilações à característica geral dos sistemas dominados pela retro alimentação e pelos adiamentos temporais. Supõe-se que os preços são estabelecidos entre a oferta e a procura, mas há uma tendência para serem corrigidos artificialmente para um lado ou para o outro. O resultado é uma alternância entre o desencorajamento da procura (preços altos) e o desencorajamento da oferta (preços baixos).

Aquilo a que assistimos actualmente com o petróleo, muito provavelmente, é um destes picos de preços. Pode acontecer que ultrapasse a sua missão de fazer baixar a curva da procura e acabe numa queda de preços. Podemos imaginar que, nessa possível fase de queda, toda a gente comece a gritar que a "crise do petróleo" das primeiras décadas do século XXI não passava duma fantasia, tal como aconteceu com a crise dos anos 70. Depois, verificar-se-á uma nova subida de preços.

A TENTAÇÃO DOS SUBSÍDIOS

Também aqui a história da pesca à baleia nos pode ensinar qualquer coisa quanto à dificuldade que as pessoas têm em aceitar a escassez. No livro de Starbuck, nunca encontramos qualquer referência ao facto de as baleias estarem a escassear. Pelo contrário, a queda da pesca era atribuída a outros factores, como à "timidez" das baleias e à falta de "coragem dos homens contratados". Parece que Starbuck acha que a crise da indústria da pesca da baleia na sua época podia ser resolvida através de subsídios do governo. Há coisas que nunca mudam.

No final, a história da pesca à baleia diz-nos que o que está a acontecer hoje ao petróleo não nos deve surpreender. O futuro pode não ser exactamente igual ao que se prevê, mas pelo menos pode ser compreendido pelas lições do passado. Uma dessas lições, porém, parece ser que nunca conseguimos aprender nada com o passado.
Ugo Bardi

Dei conta dos resultados deste estudo sobre a pesca à baleia pela primeira vez na conferência da ASPO em Lisboa em 2005 . Posteriormente, publiquei um artigo completo em "Energy Prices and Resource Depletion: Lessons from the Case of Whaling in the Nineteenth Century", de Ugo Bardi, Energy Sources part b. Volume 2, Issue 3 July 2007 , pages 297 - 304.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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