quarta-feira, junho 11, 2008

Treta da Semana (passada): Ninguém foi à Lua

Alguns leitores sugeriram que abordasse este clássico das teorias da conspiração. Em traços largos, há quem defenda que a NASA falsificou filmes, fotografias, rochas, dados de telemetria e tudo o resto para nos enganar a todos. Os argumentos variam nos detalhes mas têm em comum uma ligação ténue ao mundo real, desde alegar que a tripulação da Apolo 11 filmou a Terra afastando a objectiva da escotilha para parecer que estavam longe (1) até argumentar, por «princípios Védicos», que a Lua é feita de material reflectivo e por isso não podia ter sombras (2). A tese da conspiração já foi discutida, dissecada e refutada em detalhe (3), mas o problema de saber que já esteve alguém na Lua mostra duas formas de descarrilar o raciocínio para chegar a conclusões absurdas.

Em parte sabemos por livros, relatos, fotografias ou até páginas na Wikipedia. Por um apelo à autoridade. Consideramos mais fiáveis as fontes autoritárias e reconhecemos mais autoridade a um astrónomo do que a um ovniólogo ou o conspiraçólogo. Aqui pode-se descarrilar vendo a confiança num livro de astronomia como análoga à confiança na Bíblia ou no livro de Mórmon. Mas o conteúdo do primeiro é autoritário porque deu provas, enquanto os últimos são vistos como provas porque os consideram autoritários à partida. Parecem casos semelhantes mas são o oposto.

A tese que a ida à Lua foi uma fraude depende de apelos à autoridade do segundo tipo. A opinião de um «produtor de televisão premiado, fotógrafo profissional e membro da Royal Photographic Society»(1) não é apresentada como autoritária por estar devidamente fundamentada. Pelo contrário, é proposta como implicitamente fundamentada em virtude da alegada autoridade, o que é ilegítimo. A autoridade tem que derivar de uma interpretação fundamentada dos dados. O que nos traz à outra curva perigosa.

O argumento da interpretação é um favorito de muitos, do criacionismo às medicinas alternativas. Segundo este, todas as provas, todos os testes e evidências, dependem de como interpretamos as observações. Para uns o colibri é evidência de evolução e para outros é evidência do poder criador de Deus. É verdade que a mesma observação pode ser interpretada de formas diferentes, mas neste caso é aldrabice.

Não há uma fronteira fixa entre interpretação e observação. Por exemplo, no avistamento de um OVNI à noite pode-se interpretar a percepção do estímulo visual na retina como evidência de uma luz. Ou assumir a luz como um dado que indica algo luminoso no céu. Ou considerar que se observa algo luminoso no céu e inferir que está a alguns quilómetros de altura e tem o tamanho de um campo de futebol*. Podemos separar dados e interpretação em qualquer ponto deste contínuo traçando a fronteira entre aquilo que aceitamos e aquilo que questionamos. O argumento da interpretação descarrila o raciocínio mudando sorrateiramente a fronteira.

Aceitamos que os organismos estão adaptados ao seu meio e questionamos o processo que os adaptou. É nesta fronteira que inferimos a teoria da evolução e as várias alternativas acerca de como se formaram estas características. O criacionismo apresenta-se como uma interpretação alternativa para estes dados, mas não é. Acrescenta disfarçadamente o “dado” que o processo foi guiado por um ser inteligente e muda a fronteira. Em vez de interpretar os dados originais interpreta estes “dados” assumidos e conclui apenas acerca do hipotético autor. Nas teorias de conspiração o truque é semelhante: nunca considerar a conspiração como uma hipótese a testar, como parte da interpretação, mas assumi-la como um dos dados a interpretar.

Sabemos que esteve gente na Lua porque é a hipótese que melhor encaixa nos dados que dispomos. Não por confiarmos na autoridade de quem o defende mas por reconhecer autoridade às posições mais fundamentadas. E para ter fundamento cada passo do raciocínio deve confrontar interpretações alternativas para o que se assume ser os dados. Mas há que assegurar que as alternativas assumem os mesmos dados porque senão não são interpretações da mesma coisa. O apelo indevido à autoridade e a petição de princípio são dois dos muitos atalhos para a treta.

* Normalmente os OVNIs têm o tamanho de um campo de futebol.

1- Dave Cosnette, The Faked Apollo Landings.
2- Wikipedia, Apollo Moon Landing hoax conspiracy theories.
3- Robert A. Braeunig, Did We Land On The Moon?; Wikipedia, Independent evidence for Apollo Moon landings; Phil Plait, Yes, We Really Did Go to the Moon!
http://ktreta.blogspot.com/

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