quarta-feira, junho 18, 2008

Um país sem interior


Portugal é um imenso litoral. No princípio do mês fiz uma viagem de carro que me levou de Lisboa a Miranda do Douro, passando por Portalegre, Castelo Branco, Belmonte, Foz Côa e tudo o mais que pude apanhar pelo meio. Missão secundária: chegar a Mirandela e fazer de comboio a linha do Tua. Missão principal: pegar no mapa, abrir os olhos, e ir para onde me desse na real gana.
A gana, se real, leva-nos longe. Foi assim que descobri um castelo a ser recuperado no Alegrete, um parque aquático em Mosteiros, uma casa de sonho na Esperança e um caminho mágico entre Rabaça e S. Julião.Tudo isto ainda na Serra de S. Mamede, estava no começo da viagem. No dia a seguir, Castelo Branco, iria para uma das regiões mais desertas no mapa. Malpica do Tejo, Soalheiras e Rosmaninhal, uma finisterra encostada à fronteira, uma fronteira de terra sem fim.
A gana, a minha, leva sempre para fora do alcatrão. Foi assim na travessia da Serra da Malcata, onde os pneus do meu bólide pertenciam agora à espécie mais ameaçada de extinção no território. Percorri veredas que deixariam tractores grandalhões com miúfa de lá poisar os rodados. E valeu a pena? Ora, tudo vale a pena quando se contempla a barragem da Meimoa. Ou a da Póvoa. Ou a do Maranhão. Ou a próxima.
A gana, afinal, aproxima. No Escarigo, ali mesmo ao pé de Almofala e da Vermiosa, ‘tás a ver?, fica um dos locais mais belos da Galáxia. E eu tive o ranço de o apanhar aberto, sem saber ao que ia, incauto ao entrar, tendo lá parado num acaso. Duas senhoras faziam a limpeza e contaram-me histórias, falaram-me do tecto, levaram-me à sacristia. Disseram-me que a capital é Lisboa e não Escarigo só por causa de um grão de trigo — e como isso é tão delirantemente verdadeiro se escutado naquela igreja.
Passei por aldeias, estradas sem nome, montes e cabeços em parques naturais, vias terciárias, caminhos perdidos onde apetece procurar o destino. E concluí duas coisas: (i) o Portugal das estradas esburacadas acabou, mesmo no cu do mundo; (ii) e já não existe interior. Já não há distância, nem tempo de viagem, nem curvas. O que há é o outro lado do litoral.
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