terça-feira, julho 22, 2008

Afinal não vai ser aplicada às petrolíferas a taxa “Robin dos Bosques”

Nas últimas semanas assistiu-se a uma gigantesca operação de manipulação da opinião pública levada a cabo pelo governo em que muitos órgãos de informação, intencionalmente ou por ignorância, também participaram e alimentaram, que visava fazer crer aos portugueses que o governo iria aplicar a chamada taxa “Robin dos Bosques” (“tirar aos ricos para dar aos pobres”) às petrolíferas. Com a apresentação da proposta de Lei 217/X pelo governo na Assembleia da República, em 10.7.2008, o embuste desfez-se. O n.º1 do art.º 4º desta proposta diz textualmente o seguinte: «As empresas de fabricação ou distribuição de produtos petrolíferos refinados ficam obrigadas a adoptar os métodos FIFO ou do Custo Médio Ponderado no custeio das matérias primas consumidas». Portanto, como afirmámos no artigo anterior [1], o governo apenas altera, para efeitos fiscais, o sistema de custeio e não cria um novo imposto complementar sobre os lucros das petrolíferas resultantes do aproveitamento que estas empresas estão a fazer da especulação que se verifica nos mercados internacionais do petróleo e dos combustíveis.

Como esta questão é tecnicamente complexa, e como a tentativa de enganar a opinião pública vai continuar a fazer se neste ponto, vamos utilizar um exemplo imaginado para tornar esta questão compreensível, mesmo para aqueles que não têm conhecimentos de contabilidade. Suponha então o leitor a seguinte situação que é imaginada. Uma petrolífera adquiriu três lotes de petróleo, de quantidades iguais, em três anos seguidos, a preços diferentes, que são os seguintes: o primeiro lote, ou seja, o lote mais antigo, adquiriu a 50 euros o barril; um outro lote, adquirido no ano seguinte, a 75 euros o barril; e, finalmente, o último lote, adquirido no ano mais recente, a 100 euros o barril. Esse petróleo encontra-se armazenado num grande reservatório, portanto misturado. O preço de venda dos combustíveis obtidos de cada barril suponha o leitor que é 200 euros. E admita, para simplificar, que esta petrolífera não tem mais custos. Como é que se calcula o lucro sujeito a IRC em cada ano? Ao valor que obteve pela venda do combustível do consumo de um barril de petróleo, que é 200 euros, terá de deduzir o custo do petróleo utilizado. Mas ela tem petróleo adquirido a 50 euros o barril, a 75 euros o barril, e a 100 euros o barril. Qual é o preço que deverá utilizar? Se a petrolífera utilizar o preço do lote mais antigo, cujo preço foi 50 euros por barril, o lucro que terá por barril será de 150 euros (200 – 50 = 150) e pagará, de IRC, 37,5 euros por barril (150 x 25% = 37,5); se utilizar o preço do 2º lote, que foi de 75 euros por barril, o lucro por barril já será de 125 euros (200 – 75 = 125) e o IRC a pagar será 31,25 euros por barril (125 x 25% =31,25); finalmente, se utilizar o preço do último lote, ou seja, do barril mais recente, que foi a 100 euros por barril, o lucro já será de 100 euros (200 – 100 = 100) e o IRC a pagar por barril será 25 euros (100 x 25% = 25). De acordo com o sistema de custeio que as petrolíferas estavam a utilizar apenas para efeitos fiscais, elas pagavam 25 euros de IRC por barril actualmente, o que corresponde ao barril mais recente; 31,25 euros de IRC por barril no próximo ano, o que corresponde ao preço do barril adquirido no ano intermédio; e 37,5 euros de IRC por barril no futuro; o que, somado, dá 93,75 euros. Com a mudança de critério que o governo pretende impor, este recebe mais cedo 37,5 euros de IRC por barril, e não 25 euros como anteriormente; depois 31,25 euros de IRC por barril, e no futuro apenas 25 euros por barril no lugar de 37,5 euros como anteriormente, o que dá, somado, também 93,75 euros (37,5 + 31,25 + 25 = 93,75). Portanto, o valor do IRC recebido pelos três barris de petróleo é o mesmo – 93,75 euros –, apenas o que muda é o IRC recebido em cada ano.

O n.º 2 do art.º 4º da proposta de lei estabelece também o seguinte: «A diferença positiva entre a margem bruta de produção determinada com base na aplicação dos métodos FIFO ou do Custo Médio Ponderado no custeio das matérias primas consumidas e a determinada com base na aplicação do método do custeio adoptado na contabilidade está sujeita a uma tributação autónoma em IRC, à taxa de 25%». Portanto, só no caso de existir essa diferença é que, a essa diferença, é aplicada uma taxa autónoma de 25% de IRC. Portanto, basta à petrolífera adoptar, a nível da contabilidade, o sistema de custeio FIFO ou do Custo Médio Ponderado, como pretende o governo, para não existir diferença e, consequentemente, não ter de pagar esta «tributação autónoma em IRC». E a GALP já utiliza na sua contabilidade um dos sistemas de custeio indicados pelo governo, como consta do seu comunicado, pois está a isso obrigada pelas Normas Internacionais de Contabilidade (IAS 2, n.º 25 e 27), portanto esta disposição não determinará qualquer redução dos seus lucros, mesmos os resultantes da especulação.

Em resumo, a mudança de sistema de custeio que o governo pretende impor às petrolíferas não aumenta o IRC pago pela GALP. Apenas altera o valor de IRC pago em cada ano (mais, actualmente; e menos, no futuro; no lugar do contrário). O principal benefício é que o governo poderá dispor mais cedo de uma parcela maior do IRC (estima-se entre 110 e 150 milhões só referente a 2008), o que lhe permitirá aplicar medidas sociais com efeitos eleitoralistas, como já começou a fazer.

Para além disso, a proposta de lei do governo aumenta em 24,4 euros por mês o valor dos juros a deduzir no IRS com aquisição de habitação para os contribuintes com um rendimento tributável anual para efeito de IRS até 7.017 euros; em 9,8 euros por mês para os contribuintes com rendimento tributável anual em IRS entre 7.017 euros e 17.041 euros; e em 4,9 euros por mês para os contribuintes com rendimento tributável anual em IRS entre 17.401 euros e 40.020 euros. A proposta do governo aumenta também o período de isenção do IMI de 6 para 8 anos e baixa a taxa máxima de IMI de 0,8% para 0,7%, o que representa um benefício para muitos contribuintes, embora à custa da diminuição das receitas das autarquias e não do Orçamento do Estado.
Eugénio Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa182.htm

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