terça-feira, julho 15, 2008

As objecções

No passado dia 30, foi fundada a Associação Ateísta Portuguesa.

É livre o estabelecimento de associações em Portugal. Esta associação proclama como valores reconhecidos os enunciados na Constituição Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que interessa a esta associação é desfazer preconceitos em relação ao ateísmo e contribuir para a inclusão dos descrentes no debate sobre o lugar da fé na sociedade. No entanto surgiram, desde o início, algumas objecções à existência desta associação. Objecções que, como tenciono mostrar, são no mínimo um disparate.

1) Esta associação parece uma religião.

É certo que o disparate é evidente. Mesmo assim gostava de falar um pouco sobre isso porque já constatei por diversas vezes uma certa reacção alérgica em relação aos ateus - especialmente quando se juntam. Oiço com frequência comentários ásperos sobre o que os ateus devem ou não fazer e como devem comportar-se. É-lhes dito que, por exemplo,

- Não deviam fazer rigorosamente nada nos feriados religiosos;
- Deus não lhes devia interessar minimamente e como tal nem deviam abrir a boca sobre o assunto;
- Qualquer reunião entre ateus é semelhante a um ritual religioso e como tal esse tipo de actividade não é do seu interesse.

Os ateus fazem o que lhes apetecer nos feriados religiosos, tal como os crentes. O contra argumento é dizer que os crentes têm de celebrar os feriados religiosos piamente, se é que se consideram crentes. Um disparate. Os feriados são decretados pela lei, valem para todos e não só para os seguidores de uma qualquer fé - o que, já agora, desfaz a ideia de que ninguém vive sem religião porque todos respeitam os feriados.

O tema do religioso é importante para os ateus porque têm uma opinião sobre isso que é frequentemente desconsiderada - a de que não há razões para acreditar em Deus e que viver sem religião não só é possível como não nos torna imorais ou menos humanos. A descrença é constantemente descrita como uma qualidade negativa, propensa à imoralidade e à total ausência de princípios. Surgem as associações aos crimes de Hitler ou Stalin e ao seu suposto ateísmo. É como apelidar de anti-semita uma pessoa só porque é de direita, ou de terrorista só porque é muçulmano. Isto é no mínimo insultuoso e é algo que os ateus têm de suportar constantemente.

Muitos ateus reunidos não fazem uma seita, tal como muitos professores juntos não fazem uma escola. De resto, a promoção do ateísmo não é o objectivo da AAP.

Portanto, é verdade que o tema da religião interessa aos ateus, especialmente nos casos em que a religião entra, de uma forma ou de outra, em regiões da sociedade em que deveria existir afastamento: a sociedade não pertence a uma crença mas a várias. E a descrença também tem um lugar. O ateísmo não é aquilo que as religiões muitas vezes pintam - não é, certamente, o maior drama da Humanidade como nos sugeriu o cardeal Policarpo.

2) Mais valia que esta associação servisse propósitos mais nobres, como a mitigação da fome, a luta contra a pobreza e a promoção da paz.

É o velho argumento da "questão menor". Isso aplica-se igualmente a todas as outras associações - porque é que os lisboetas precisam de mais um centro cultural ou de mais um arraial? Não seria melhor irem lutar contra a seca, apagar incêndios no Verão? Qual é a verdadeira utilidade da União Desportiva e Cultural de Nafarros? Não deviam antes contribuir para o Banco Alimentar? Uma coisa não impede a outra e cada associação serve os seus propósitos.
http://banqueiroanarquista.blogspot.com/

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