sábado, julho 19, 2008

A ascensão dos preços do petróleo e a queda do dólar

• Factos
• A teoria económica do petróleo
• Preço do petróleo e política monetária
• O problema com o petróleo barato

O célebre colunista do New York Times Thomas L. Friedman, um adepto da terra plana, numa polémica provocativa ( Mr. Bush, Lead or Leave , 22/Junho/2008) acusou o presidente dos Estados Unidos de ser o viciado em chefe do país no petróleo com "uma maciça, fraudulenta e patética justificativa para uma política de energia". Ele descreveu a estratégia do presidente como conseguir que "a Arábia Saudita, nosso principal traficante, aumente a nossa dose por alguns momentos e rebaixe o preço do petróleo apenas o suficiente para que as energias renováveis alternativas não possam arrancar. Tenta então fortalecer o Congresso para o levantamento da proibição de perfurar no offshore e no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Árctico".

Friedman admite que "vamos precisar de petróleo no futuro". Mas diz que por razões geopolíticas prefere que os EUA obtenham tanto petróleo quanto possível de furos internos. Também admite que "o nosso futuro não está no petróleo". Ele quer que o presidente conte ao país uma verdade supostamente muito maior: "O petróleo está a envenenar o nosso clima e a nossa geopolítica, e aqui está como estamos em vias de romper com o nosso vício: Vamos estabelecer um preço mínimo de US$4,50 por galão [US$1,19 por litro] para a gasolina e de US$100 para o petróleo. E aquele preço mínimo vai disparar investimentos maciços em energia renovável — particularmente vento, painéis solares e solar térmico. E também avançaremos rumo a um programa rápido para aumentar dramaticamente a eficiência da energia térmica, levar a conservação a um nível inteiramente novo e instalar mais potência nuclear. E quero que todo democrata e todo republicano se una neste esforço".

Friedman fala como se quisesse que o presidente fosse um ditador autocrático. Será que Friedman não sabe que com US$4,50 para a gasolina e US$100 para o petróleo bruto um grande número de trabalhadores não será capaz de sustentar os seus lares neste Inverno? Que companhias de aviação e outras empresas de transporte enfrentariam a bancarrota? Será que não sabe que numa democracia preços prolongados de US$100 traduzem-se num sério problema político? O problema do petróleo não se presta a soluções simplistas. Mas é precisamente isso que o nosso adepto da terra plana propõe.

Mesmo corporações multinacionais estão a ser forçadas a subir preços para impedir as perdas dos altos custos da energia. Exemplo: a Dow Chemical (NYSE: DOW) acaba de anunciar que aumentará o preço dos seus produtos em até 25% no mês de Julho, após o aumento de 20% em Junho, num esforço para compensar a implacável e contínua ascensão no custo da energia e dos hidrocarbonetos. A companhia também aplicará uma sobretaxa nos fretes de US$300 nos carregamentos por camião e US$600 nos carregamentos ferroviários, a entrar em vigor a 1 de Agosto de 2008.

Além disso, a Dow está parada temporariamente e a reduzir a produção num certo número de fábricas, tendo reduzido sua produção de óxido de etileno no mundo todo em 25%, e reduzido 30% da sua produção de ácido acrílico na América do Norte. A Dow também diminuirá 40% da sua capacidade de produção de estireno na Europa, e reduziu a sua taxa de produção de poliestireno em 15%. À luz de um declínio agudo nas vendas de automóveis, a unidade automotiva da Dow está a anunciar uma série de medidas de redução de custos que abrangem instalações, pessoas e gastos externos, desinvestir no seu negócio de selantes de tintas e a implementar consolidações de fábricas devido ao encerramento de três unidades de produção. Além disso, a Dow Building Solutions suspendeu temporariamente 20% da sua capacidade europeia na produção de isolamento Styrofoam. No mês anterior, a Dow anunciara planos para suspender três fábricas da Dow Emulsion Polymers que representam 25% da capacidade da América do Norte e 10% da capacidade europeia devido a declínios nos sectores da habitação e dos bens de consumo, bem como à ascensão de custos.

Andrew N. Liveris, presidente da Dow, descreveu estas medidas como "extremamente indesejáveis mas totalmente inevitáveis" quando o custo global do petróleo, gás natural e derivados de hidrocarbonetos sobe cada vez mais alto, apesar dos esforços da empresa para melhorar a eficiência energética em 22% entre 1995 e 2005, e de um objectivo de mais 25% para 2015, a fim de cortar custos significativamente, e com um conjunto de esforços quanto a energia alternativa e matérias-primas alternativas. Ao longo dos últimos cinco anos, a conta da Dow com hidrocarbonetos como matérias-primas e energia aumentou quatro vezes, de US$8 mil milhões em 2002 para uma estimativa de US$32 mil milhões este ano.

A General Motors anunciou planos para encerrar quatro fábricas de camiões e Sport Utility Vehicels (SUVs), mencionando redução de vendas de veículos grandes em consequência do aumentos dos preços dos combustíveis. A Ford adoptou acções semelhantes. Mas cerca de 65% do consumo de petróleo refere-se aos transportes, um sector onde a tecnologia de combustíveis alternativos é relativamente fácil de enfrentar, com alternativas como motores eléctricos e combustíveis substitutivos.

Na China, fabricantes de aço foram obrigados a anuir a um aumento recorde nos preços do minério de ferro num movimento que provavelmente aumentará globalmente o custo de carros, maquinaria e outros produtos. Fabricantes chineses concordaram em pagar à empresa de mineração anglo-australiana Rio Tinto mais 96,5% pelos seus fornecimentos de minério este ano, o maior aumento anual desde sempre e dez vezes o aumento de 9,5% pago em 2007, ultrapassando o aumento recorde de 71,5% em 2005 quando o boom das commodities começou a tomar impulso. O desenvolvimento dos combustíveis desperta o temor de que a inflação global conduzida pelas commodities venha a continuar. A BHP Billiton, anglo-australiana, a maior companhia do mundo de recursos primários, disse que o aumento recorde de 96,5% no custo do minério de ferro anunciado pela Rio Tinto não era suficiente, indicando que poderia pedir um aumento acima dos 100% aos seus clientes siderúrgicos.

Na Coreia do Sul, a Pohang Iron and Steel Company (Posco), o terceiro maior produtor de aço do mundo, aumentou os preços em até 21%, elevando a inflação acumulada de preços para cerca de 60%. A siderurgia gigante alemã Salzgitter A.G, empresa sucessora da Reichswerke Hermann Göring do Terceiro Reich, também disse que aumentaria os preços em 20%.

No meu artigo de 26/Maio/2005 no Asia Times on Line, The Real Problem with $50 Oil , esbocei a teoria económica e a geopolítica do petróleo. Os pontos principais são actualizado abaixo para mostrar o impacto de um piso de US$100 para o petróleo tal como proposto por Friedman.

É uma incorrecção de Friedman etiquetar a Arábia Saudita como "nosso principal traficante" (pusher). Uma vez que os árabes também são semitas, pode-se ser tentado a destacar que Friedman lança sobre si próprio acusações de anti-semitismo quando alfineta injustamente a Arábia Saudita.

O problema petrolífero do mundo começou em 1973 quando a OPEP, formada em 1960, emergiu como um cartel efectivo após o embargo árabe contra os EUA, Europa Ocidental e Japão por apoiarem Israel na guerra do Yom Kippur. O embargo começou em 19 de Janeiro de 1973 e terminou em 18 de Março de 1974. Durante aquele período de seis meses, o preço de referência para Saudi Light aumentou de US$2,59 em Setembro de 1973 para US$11,65 em Março de 1974. Desde então, a OPEP tem estabelecido preços de referência base para as várias espécies de petróleo no mercado mundial, com a Arábia Saudita como produtor de equilíbrio (swing producer) para aumentar ou diminuir a oferta a fim de estabilizar preços. Para manter o preço do óleo no piso de US$100 como proposto por Friedman, é necessária a cooperação da Arábia Saudita a fim de reduzir a produção sempre que o preço do petróleo caia abaixo desse piso de US$100. De acordo com este padrão, a Arábia Saudita dificilmente pode ser chamada de "principal traficante de petróleo".

Por alturas de 1984, os efeitos de uma década de preços de petróleo mais elevados haviam afectado a procura estado-unidense na forma de casas melhor isoladas e processos industriais mais eficientes em energia, e na melhoria substancial da eficiência do combustível nos automóveis, sem mencionar novas utilizações competitivas de carvão mais limpo, vento, solar e outras alternativas. Ao mesmo tempo, a produção de petróleo bruto estava a aumentar por todo o mundo, estimulada pelos preços mais elevados. Durante este período, a produção total da OPEP permaneceu relativamente constante, em torno dos 30 milhões de barris por dia. Contudo, a fatia de mercado da OPEP diminuiu de mais de 50% em 1974 para 47% em 1979. A perda da fatia de mercado da OPEP foi provocada por aumentos de produção não OPEP no resto do mundo. Preços mais altos do petróleo causados pelos sacrifícios de produção da OPEP fizeram a exploração mais lucrativa para todos, não apenas a OPEP, e muitos produtores não OPEP por todo o mundo apressaram-se a aproveitá-los, incluindo os EUA.

A procura global de petróleo atingiu um pico em 1979 e ficou claro que o único meio de a OPEP manter os preços era reduzir a produção mais uma vez a fim de compensar a alta produção dos produtores não OPEP. A OPEP reduziu a sua produção total em um terço durante a primeira metade da década de 1980. Em consequência, a fatia do cartel na produção mundial de petróleo caiu abaixo dos 30%. Os produtores não OPEP, incluindo os EUA, obtiveram um grande estímulo com preços mais elevados, fatias de mercado maiores e um definido crescimento das reservas provadas que se expandiram quando os preços ascenderam.

Após duas décadas de preços altos, o petróleo mergulhou abaixo dos US$10 por barril depois da crise financeira asiática de 1997 pois a procura caiu quando a economia global caiu num impasse. Depois de os preços do petróleo terem atingido um pico acima dos US$58 por barril no princípio de Abril de 2005, a Casa Branca anunciou desejar que o preços do petróleo voltasse aos US$25 por barril. Quando o petróleo ascende acima dos US$50 e aí permanece por um período extenso, as mudanças resultantes na economia tornam-se factos normalizados. Estas mudanças abrem caminho para além das flutuações no preço do óleo de modo a produzir uma economia muito diferente. Em 2005 listei dez novos factos económicos criados pelo petróleo a US$50. Agora ajusto estes factos para o barril a US$100 tal como proposto por Friedman para ver se as suas propostas têm sentido. O facto chave é que enquanto o petróleo a US$100 pode estimular o desenvolvimento de modos energéticos alternativos, não se pode esperar que tal desenvolvimento traga o preço novamente para baixo, ou o estimulado sector energético alternativo irá para a bancarrota. Se bem que não haja qualquer solução para o problema do petróleo que conduza a preços mais baixos do barril sem uma recessão global, o petróleo a US$100 não é isento de problemas.

Factos

Facto 1: Transacções relacionadas com petróleo envolvendo a mesma quantidade material envolvem maior fluxo de caixa, com cada barril a gerar US$100 ao invés de US$25. Os Estados Unidos em 2007 consumiram cerca de 22 milhões de barris de petróleo por dia, cerca de 25% do consumo mundial de 87 milhões de barris. A China consome 7,3 milhões de barris por dia. Mas a produção mundial é apenas cerca de 85 milhões de barris/dia, o que deixa um défice de 2 milhões de barris o qual está a ser colmatado a partir de inventários. Este facto é a razão fundamental porque os preços do petróleo aumentaram. Pode-se esperar que a produção venha a aumentar em resultado dos preços elevados a fim de remover o défice da oferta. O consumo dos EUA tem sido razoavelmente constante nos últimos poucos anos. Cerca de 10,2 milhões de barris foram importações e apenas 5,5 milhões de barris vieram da OPEP. A US$100, a conta agregada de petróleo para os EUA chega a US$2 mil milhões por dia, US$730 mil milhões por ano, cerca de 5,6% do produto interno bruto (PIB) dos EUA. Cerca de 50% do consumo estado-unidense é importado a um custo de US$1 mil milhões por dia, ou US$365 mil milhões por ano. A importação de petróleo e gás é o maior componente único no défice comercial dos EUA, não as importações do Japão ou da China.

Quando os preços aumentam, os consumidores pagam mais pelo óleo de aquecimento e a gasolina, os camionistas pagam mais pelo gasóleo, as companhias de aviação pagam mais pelo jet fuel, as produtoras de electricidade pagam mais pelo combustível pois o preço do carvão sobe com os preços do petróleo, e toda a economia paga mais pela electricidade. Tais pagamentos extra não desaparecem num buraco negro no universo. Eles vão para os bolsos de alguém como rendimento e traduzem-se em lucros para alguns negócios e perdas para outros. Por outras palavras, preços mais altos da energia não levam o dinheiro para fora da economia, eles meramente mudam a localização do lucro de um sector de negócio para outro. Mais de US$365 mil milhões por ano vão para produtores estrangeiros de petróleo os quais então devem reciclar seus dólares do petróleo de volta para títulos do Tesouro dos EUA ou outros activos dolarizados, como parte das regras do jogo da hegemonia do dólar. O facto simples é que um aumento no valor monetário de activos aumenta a riqueza monetária da economia.

Facto 2: Uma vez que a energia é uma commodity básica e o petróleo é a fonte de energia predominante, um alto custo de energia traduz-se num alto custo de vida, o qual pode resultar num padrão de vida mais baixo a menos que o rendimento possa manter-se elevado. Alto custo de energia traduz-se num consumo reduzido em outros sectores a menos que rendimento mais elevado possa ser gerado a partir do fluxo de caixa acrescido. Infelizmente, o aumentos dos pagamentos tipicamente ficam atrás dos aumentos de preços por longo tempo. Preços mais elevados traduzem-se em mais elevadas receitas agregadas para a economia e explicam porque o lucro das corporações sobe mesmo quando os gastos dos consumidores enfraquecem. Grande parte do problema do petróleo provem do facto de que as receitas mais elevadas das corporações decorrentes do aumento de preços deixaram de se traduzir em salários mais altos.

Facto 3: Como o fluxo de caixa aumenta no mesmo montante das actividades materiais, o PIB aumenta enquanto a economia estagna devido à depreciação dos salários. Companhias estão a comprar e vender o mesmo montante ou talvez menos, mas a um preço e margem de lucro mais elevado e com empregados a pagamento mais baixo por unidade de receita. Quando o preço do petróleo ascendeu numa década de cerca de US$10 por barril para US$150, um aumento de 15 vezes, aqueles que possuíam reservas de petróleo viram o valor do seu activo aumentar também 15 vezes. Aqueles que não possuíam reservas de petróleo protegeram-se com hedges no mundo em rápida expansão das finanças estruturadas. Uma vez que o PIB é uma medida geralmente aceite de saúde económica, então julga-se que a economia dos EUA está a crescer a uma taxa muito aceitável quando na verdade está a marcar passo ou mesmo a andar para trás. Há uma bolha petrolífera em expansão, embora menor do que a bolha imobiliária que recentemente entrou em colapso, se se entender que uma bolha é definida como um regime de preço que ascendeu para além da capacidade de uma economia para sustentá-la com rendimento compensatório de salários.

Facto 4: Com o valor dos activos a inchar devido ao impacto de um aumento agudo nos preços da energia, o qual por sua vez conduz toda a cadeia de preços das commodities a uma espiral inflacionária, a economia pode arcar com mais dívida sem aumentar o seu rácio dívida-situação líquida, dando o muito desejado apoio à bolha de dívida residual que começou a explodir antes de os preços do petróleo começarem a aumentar. Uma vez que o valor monetário dos activos tende a ascender em conjunto ao longo do tempo, o efeito líquido é uma depreciação de facto do dinheiro, mal identificada como crescimento.

Facto 5: Preços elevados do petróleo ameaçam a viabilidade económica de alguns sectores comerciais, tais como companhias de aviação, camionagem e veículos motorizados, os quais esgotaram a sua elasticidade preço. Estes sectores não podem passar sobre o acréscimo de custo sem fazer com que o seu volume de vendas caia. Detroit, nomeadamente a Ford e a General Motors, com os seus modelos mais lucrativos sendo camiões beberrões de gasolina e sport utility vehicles (SUVs), que agora podem exigir mais de US$300 para encher os seus reservatórios, estão a descer a mesma estrada da agonia das suas sub-financiadas obrigações de pensão.

Facto 6: Os plásticos industriais, os materiais mais procurados na manufactura moderna, mais do que o aço ou o cimento, são todos derivados do petróleo. Preços mais elevados dos plásticos industriais significarão salários mais baixos para os trabalhadores que os montam em produtos. Mas mesmo o aço e o cimento exigem energia para produzir e os seus preços também subirão juntamente com os do petróleo. Enquanto os baixos salários asiáticos estão a manter a inflação global sob controle através da arbitragem de salários transfronteiriça, os preços em ascensão da energia são o factor inexorável por trás da inflação global que nenhuma política de taxa de juros de qualquer banco central pode conter. Ironicamente, de uma perspectiva de banco central, uma apreciação de activos conduzida por commodities, a qual os bancos centrais não definem como inflação, é a melhor cura para uma bolha de dívida que os próprios bancos centrais criaram com as suas frouxas políticas monetárias. Uma vez que a maior parte dos activos são exponencialmente maiores do que a taxa de consumo, o efeito riqueza do valor mais elevado do activo pode neutralizar a ascensão dos preços no consumidor. Esta é a razão chave porque os bancos centrais não são sensíveis à necessidade de manter os salários em ascensão. O sistema monetário está estruturado para funcionar contra assalariados que não possuam activos substanciais.

Facto 7: A execução de guerras é glutona quanto ao consumo de petróleo. Com preços de petróleo elevado, as guerras da América custarão um preço mais elevado, os quais tanto conduzirão a défices do orçamento federal mais elevados ou a gastos sociais mais baixos, ou ambos. Isto traduz-se em ascensão das taxas de juros do dólar, as quais são estruturalmente recessivas para a economia globalizada que opera sob a hegemonia do dólar. Mas enquanto a guerra é inexoravelmente inflacionária, os gastos de guerra são um estimulante económico, pelo menos enquanto os danos colaterais da guerra se verificarem apenas em solo estrangeiro. Os lucros da guerra são sempre bons para os negócios, e a necessidade de soldados reduz o desemprego. Combater por petróleo enfrenta pouca oposição popular interna, apesar de para os Estados Unidos a necessidade de petróleo não ser uma justificação crível para a guerra. A verdade é que os EUA já controlam a maior parte do petróleo do mundo sem guerra, em virtude de o petróleo ser denominado em dólares que os EUA podem imprimir à vontade com escassa penalização. A petro-guerra é lançada para proteger a hegemonia do dólar, a qual exige que o petróleo seja denominado em dólares, não para o acesso físico ao petróleo. Grande parte da pose anti-guerra num ano eleitoral é simplesmente retórica de campanha. Soluções militares para problemas geopolíticos decorrentes da política económica permanecerão opções operacionais para os EUA pouco importando quem venha a ser o ocupante da Casa Branca, populista ou não.

Facto 8: Há um mito da oferta/procura de que se os preços do petróleo ascendem, eles atrairão mais explorações para novo petróleo, as quais trariam os preços outra vez para baixo. Isto era verdade nos bons velhos dias quando o petróleo no chão permanecia um activo financeiro adormecido. Mas agora, como explicado pelos Factos 3 e 4 acima, numa bolha de dívida, petróleo no chão pode ser mais valioso do que acima do chão porque ele pode servir como um activo monetizável de valor ascendente através dos asset-backed securities (ABS) no mundo selvagem das finanças estruturadas (derivativos). Assim, se bem que haja incentivo para descobrir mais reservas de petróleo a fim de ampliar a base de activos, há pouco incentivo para bombeá-lo para fora do chão simplesmente para manter os preços baixos.

Os preços da gasolina também não virão abaixo, não porque haja uma escassez de petróleo bruto, mas porque há uma escassez de capacidade de refinação. A deficiência na refinação é criada pelo aparecimento dos beberrões de gasolina que Detroit empurrou ao público consumidor quando a gasolina a menos de US$1 por galão [3,78 litros] era mais barata do que água engarrafada. As refinarias estão entre os investimentos mais capital intensivos, com dificuldades regulamentares de pesadelo. As refinarias precisam ser localizadas onde está a procura por gasolina, mas famílias que possuem três carros não querem viver perto de uma refinaria. Assim, não há incentivo para expandir a capacidade de refinação a fim de baixar os preços da gasolina porque o retorno sobre o novo investimento precisará de altos preços de gasolina para pagá-lo. Afinal de contas, como Friedman incansavelmente nos recorda, o mercado não é uma organização de caridade para a promoção do bem estar humano. É um lugar onde investidores tentam obter o preço mais elevado por produtos para reembolsar o seu investimento com o lucro mais elevado. Não é da natureza do mercado reduzir o preço do resultado do investimento de modo a que os consumidores possam conduzir SUV beberrões de gasolina que queimam a maior parte do seu combustível presos nos congestionamentos de tráfego das auto-estradas.

Facto 9: De acordo com o US Geological Survey, o Médio Oriente tem apenas entre a metade e um terço das reservas de petróleo conhecidas do mundo. Há uma grande oferta de petróleo em outros lugares do planeta que estaria disponíveis a preços mais altos mas ainda economicamente viáveis. A ideia de que apenas o Médio Oriente tem a chave para o futuro energético do mundo é falha e é geopoliticamente arriscada.

Os Estados Unidos têm grandes reservas provadas de petróleo, que se tornam maiores com o aumento do preço do óleo. Geralmente são consideradas reservas provadas de petróleo aquelas quantidades que a informação geológica e da engenharia indicam com razoável certeza que podem ser recuperadas no futuro a partir dos reservatórios conhecidos sob as condições geológicas e económicas existentes. Segundo a Energy Information Administration (EIA), os EUA tinha 21,8 mil milhões de barris de reservas provadas em 1 de Janeiro de 2001, a décima segunda do mundo, quando o preço estava em torno dos US$20 por barril. Estas reservas estão concentradas esmagadoramente (mais de 80%) em quatro estados – Texas (25%, incluindo as reservas do estado no Golfo do México), Alasca (24%), Califórnia (21%) e Louisiana (14%, incluindo as reservas do estado no Golfo do México).

As reservas provadas do petróleo estado-unidense declinaram cerca de 20% desde 1990, com o maior declínio num único ano (1,6 mil milhões de barris) verificando-se em 1991. Mas isto foi devido principalmente à queda do preço do petróleo, a qual por definição contrai as reservas provadas. A US$100 por barril, pode-se esperar que os números da reserva se expandam muito. A razão porque os EUA importam petróleo é que importar é mais barato e mais limpo do que extrair o petróleo interno. A um certo nível de preço, os EUA podem considerar mais económico desenvolver mais o petróleo interno ao invés de importar, mas a fórmula depende mais do diferencial de preços entre o petróleo importado e o interno, o qual num mercado global não se espera que permaneça muito grande por longo tempo. A ideia de alcançar independência petrolífera como estratégia para petróleo barato não merece uma discussão séria.

A teoria económica do petróleo é tão importante quanto a geologia ao tratar de estimativas de reservas uma vez que uma reserva provada é aquela que pode ser desenvolvida economicamente. Mas é importante recordar que a economia política estende-se para além da fixação da oferta e procura dos fundamentalistas do mercado. Se o Médio Oriente e o Golfo Pérsico implodissem geopoliticamente e o petróleo desta região cessasse de fluir, os EUA, como produtor de petróleo serão um beneficiário de petróleo a US$50, ou US$100, ou mesmo US$1000, tal como a Grã-Bretanha com o seu petróleo do Mar do Norte e países tais como a Noruega, Indonésia, Nigéria e Venezuela. Mas o maior vencedor será a Rússia. Para a China, seria um banho, pois actualmente ela importa energia não para consumo interno, mas para alimentar a sua crescente exportação de máquinas e pode transferir os custos acrescentados aos compradores estrangeiros. De facto, a probabilidade de os EUA permutarem (bartering) petróleo do Texas abaixo do mercado por bens manufacturados chineses de baixo custo é uma possibilidade muito real no futuro. Arranjos bilaterais semelhantes entre China-Rússia, China-Médio Oriente/Golfo, China-Nigéria, China-Venezuela e China-Indonésia são também boas perspectivas. Além disso, as reservas off-shore da China até agora têm permanecido em grande medida não desenvolvidas.

Facto 10: Petróleo a cinquenta dólares comprou algum tempo mais para a bolha da dívida estado-unidense, mas as bolhas nunca perduram para sempre e ela explodiu em Agosto de 2007. Mas numa democracia, a Casa Branca em 2005 estava sob a pressão do público para trazer o petróleo de volta aos US$25, não percebendo que o preço para o petróleo barato podia acelerar o estouro da bolha da dívida. Apesar de todas as apregoadas advertências acerca da necessidade de reduzir o défice comercial dos EUA, pode-se argumentar com facilidade que os Estados Unidos não podem reduzir drasticamente seu défice comercial sem pagar o preço de uma recessão aguda que poderia disparar uma depressão global.

A teoria económica do petróleo

Desde a descoberta do petróleo, a sua teoria económica nunca foi voltada para um tratamento justo do consumidor, seja corporativo ou individual, sem falar nos pobres ou nos trabalhadores. Ela tem tudo a ver com o espremer do máximo valor financeiro deste ouro negro.

John D. Rockefeller consolidou a indústria petrolífera americana num monopólio através da eliminação da competição caótica para manter o preço elevado, não para empurrar os preços para baixo. A teoria económica neoclássica encara preços mais altos de consumíveis como inflação, mas a apreciação de activos é encarada como crescimento, não como inflação. Uma vez que o petróleo é tanto um activo como uma commodity consumível, a teoria neoclássica enfrenta um dilema na teoria económica do petróleo. Assim, enquanto uma ascensão no preço de mercado do petróleo aumenta a inflação, a correspondente ascensão dos valores dos activos e da dimensão das reservas de petróleo cria um efeito riqueza que mais do que neutraliza o impacto inflacionário dos preços de mercado do petróleo. O mundo não deveria importar-se com uns poucos pontos percentuais acrescentados à inflação se os activos do mundo se apreciassem em 100% em consequência, excepto que quando o petróleo não é possuído igualmente entre a população mundial, emerge um conflito entre consumidores e produtores, tornando o petróleo um problema político interno e geopolítico.

De facto, numa base agregada, petróleo barato pode ter um impacto deflacionário sobre a economia ao reduzir o efeito riqueza de todos os activos. Para a economia americana, uma vez que os Estados Unidos é um grande possuidor de activos petrolíferos, tanto no on como no offshore, preços elevados são do interesse nacional. O que temos não é um problema de inflação na ascensão dos preços do petróleo, mas um problema de apreçamento que distribui desigualmente os benefícios e sofrimentos dos ajustamentos de preço entre possuidores de petróleo e consumidores de petróleo, tanto internamente como internacionalmente. Isto é um problema político. Os políticos estão sob a pressão populista no sentido de manter os preços do petróleo baixos quando a solução é equalizar os benefícios e sofrimentos dos altos preços do petróleo.

Preço do petróleo e política monetária

O fracasso da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em cortar a produção, na sua reunião de Novembro de 1998, induziu os preços a entrarem em colapso numa baixa de 12 anos de US$10,35 por barril em Nova York no mês seguinte. Uma combinação de excesso de produção, stocks em ascensão e fraca procura por combustíveis para aquecimento de Inverno empurraram os preços para baixo. Em Março de 1999, os preços subiram 17%, ficando mais altos quando os países produtores, unificados pelos baixos preços, tiveram êxito em cortar a produção. Os preços do petróleo começaram a efectuar uma recuperação aguda no Inverno de 1999, ascendendo dos US$13 a US$19 do princípio do ano para mais de US22 por barril no princípio do Outono, e ultrapassando os US$30 em meados de Fevereiro de 2000. Uma causa importante foram cortes na produção estabelecidos em Março de 1999 pela OPEP e outros países grandes exportadores de petróleo.

Em 12 de Março de 1999, o presidente do St Louis Federal Reserve Bank, William Poole, disse num discurso que o crescimento da oferta monetária dos EUA, a qual estava então em mais de 8% quando a inflação estava abaixo dos 2% anuais, era "uma fonte de preocupação" porque tomava a dianteira sobre a taxa de inflação. A oferta monetária M2 estivera a crescer a uma taxa anual de 8,6% durante as 52 semanas anteriores para impedir a economia de estagnar antes da eleição de 2000. A Reserva Federal também estava a observar a taxa de inflação, mantida baixa principalmente pelos baixos preços do petróleo.

Poole advertiu que "não podemos continuar a confiar no declínio dos preços do petróleo ao [baixo] ritmo do último par de ano". Ele disse que os investidores que haviam impulsionado os rendimentos de títulos ao seu mais alto nível em seis meses estavam correctos em assumir que o movimento a seguir do Fed seria aumentar as taxas de juros. O Fed Open Market Committee (FOMC), quando se reuniu em 2 de Fevereiro de 1999, havia deixado intacto o objectivo de 4,75% das taxas dos Fundos (Fed Fed Funds rate, FFR). Em 1998 Poole votou para que o FOMC cortasse o objectivo dos FFR três vezes entre Setembro e Novembro, para 4,75% quando o petróleo estava a US$12.

Hoje, com o petróleo em torno dos US$135, o objectivo FFR é 2% efectivos desde 30 de Abril de 2008. Em 25 de Junho, o Fed optou por manter a taxa objectivo dos Fundos Fed inalterada. Na sua declaração, o Fed Open Market Committee (FOMC) disse: "As duras condições de crédito, a contracção em curso na habitação e a ascensão dos preços da energia irão provavelmente pesar no crescimento económico ao longo dos próximos poucos trimestres".

A taxa de crescimento anualizada para o M2 no 4º trimestre de 2007 era 6,8%, com uma taxa objectivo dos Fundos Fed de 2%, quando comparada com a taxa de crescimento M2 em 1999 de 8,6% contra uma taxa objectivo dos Fundos Fed de 4,75% em resposta às consequências da Crise Financeira Asiática de 1997. Contudo, nos últimos sete trimestres antes do fim de 2007, a V2 (a velocidade do M2) declinou em 2,3% em taxa anual, levando o crescimento do PIB a desacelerar de 3,5% para 2,2%. O crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2008 foi de 0,6%, o qual justificou uma taxa objectivo dos Fundos Fed de 2%.

Mas se o Fed está realmente preocupado em combater a expectativa de inflação, petróleo a US$135 e taxa objectivo dos Fundos Fed simplesmente não combinam, mesmo com uma taxa de crescimento da oferta monetária em queda. Há uma forte evidência de que, ao invés de se preocupar acerca da expectativa inflacionária, o Fed está realmente mais preocupado acerca dos escombros (debris) económicos do estouro da bolha da dívida, pois espera-se que a inflação invisível através da apreciação de activos ajude a fazer a limpeza com menos sofrimento. Se altos preços do petróleo são obra de especuladores, o Fed é o especulador-chefe. Mas há muito pouca especulação no mercado de petróleo porque o hedging não é especulação como sabe todo analista de mercado competente. A ascensão do preço do petróleo é o resultado directo da degradação da moeda coordenada pelos bancos centrais do mundo conduzidos pelo Fed.

Em Julho de 1993, quando a economia dos EUA esteve a crescer durante mais de dois anos a partir do crescimento do M2 de mais de 6%, o presidente do Fed, Alan Greenspan, observou num testemunho perante o Congresso que "se o relacionamento histórico entre o M2 e o rendimento nominal permaneceu intacto, o comportamento do M2 em anos recentes teria sido consistente com uma economia em severa contracção". Com a taxa de crescimento do M2 a baixar para 1,44% em Julho de 1993, Greenspan disse: "O relacionamento histórico entre moeda e rendimento, e entre a moeda e o nível de preços, em grande medida veio abaixo, privando os agregados de grande parte da sua utilidade como guias para a política. Pelo menos no momento, o M2 foi rebaixado como um indicador confiável das condições financeiras na economia, e nenhuma variável única foi ainda identificada para substituí-lo".

Mas o M2, ajustado para mudanças no nivel de preços, permanece um componente do Index of Leading Economic Indicators, o qual alguns analistas do mercado utilizam para prever recessões e recuperações económicas. Uma correlação positiva entre crescimento da oferta monetária e crescimento económico existe apenas no crescimento do M2 ajustado à inflação, e apenas se a nova moeda dirige-se a novo investimento ao invés de ir para dívida para apoiar a especulação nos preços em ascensão dos activos. Expansões económicas sustentáveis são baseadas na produção real, não na dívida especulativa.

Em 2004, as taxas de juro a longo prazo realmente declinaram em relação aos altos 4,82% de Junho, indo para 4,2% no fim do ano mesmo quando as taxas a curto prazo ascenderam num "ritmo cadenciado" para 2,25% em Dezembro de 2004 (de uma baixa de todos os tempos de 1% em Junho de 2003 para 5,5% em Junho de 2006), com a oferta monetária em 2004 a crescer a uma taxa anual de 5,67%. Isto reflectiu um mercado de crédito não preocupado com a inflação a longo prazo apesar de um afundamento do dólar estado-unidense e de preços do petróleo a subirem acima dos US$50 por barril. A razão é que os US$50 do petróleo aumentaram o valor dos activos a um ritmo mais rápido do que a inflação do preço das commodities. Assim, US$100 para o petróleo apenas duplicará o impacto.

Em Março de 2000, a OPEP perfurou a bolha do dinheiro fácil de Greenspan ao reverter a queda dos preços do petróleo. O FOMC foi forçado a responder à mudança na taxa de inflação, que já não estava a ser mantida baixa pelos declínios nos preços do óleo. Porque o dinheiro fácil apenas estimulou a especulação que não produziu qualquer crescimento real, a bolha do dinheiro fácil de 2000 evoluiu para a bolha seguinte dos activos conduzidos pela dívida na habitação que estourou em Agosto de 2007. Os financeiros espertos perceberam em 2000 que a marcha do mercado rumo aos US$50 estava acabada, tal como perceberam em 2007 que a marcha rumo aos US$150 estava acabada. E em 2005 o petróleo a US$50 parecia estar a dar à bolha de activos conduzidos pela dívida de Greenspan uma segunda vida, a maior parte da qual terminou no sector do imobiliário/habitação. Se o petróleo devesse cair de volta nos US$25 por barril como queria a Casa Branca, a bolha de activos conduzida pela dívida teria explodido com um estrondo.

Como se verificou, a bolha da habitação estourou a partir do colapso do crédito em Agosto de 2007, que o Fed sob Bernanke tentou salvar com uma injecção maciça de liquidez e o petróleo avançou para os US$130. O Fed agora parece estar a assumir que os preços do petróleo logo serão subsidiados, baseado em grande parte em informação sobre preços futuros. Mas há limites para a extensão em que os preços futuros podem indicar tendências de preços, uma vez que a arbitragem impede-os de se moverem muito longe do alinhamento com os preços correntes.

Havia provas sólidas de que a reciclagem de petrodólares da década de 1970, a qual de qualquer modo acabou principalmente nos activos em dólar nos Estados Unidos, contribuiu para a inflação nos EUA tanto quanto os preços a retalho mais altos da gasolina. Isto em essência sugou fundos globais adicionais para a compra de petróleo a preço mais alto para investimento no imobiliário estado-unidense, o qual até então era o único sector em que os toscos administradores árabes de dinheiro pensavam conhecer o suficiente para lidar. Na década de 1990, eles estavam mais refinados. Alguns haviam esperado que uma nova injecção de petrodólares sustentaria o mercado de acções em colapso da "nova economia" da década de 1990. Isto não funcionou porque, mesmo a US$35, o petróleo ainda estava atrás do seu preço pré 1973 em relação ao pico Nasdaq em Junho de 1999, cujo equivalente traria o petróleo para US$120.

A queda nos preços do petróleo depois de 1997 foi principalmente um efeito cíclico da redução drástica da procura devido à crise financeira asiática, a qual teve impactos em todo o mundo. Naquele tempo havia pressão zero, mesmo nos EUA, para elevar os preços do petróleo, devido ao efeito que tinham sobre a inflação baixa. Mesmo as companhias de petróleo não estavam realmente inquietas por causa desta condição temporária porque – até os preços do petróleo caírem abaixo dos US$7 por barril – isto não era um grande negócio uma vez que era o custo de produção offshore no Mar do Norte. O custo na cabeça do poço em terra era de menos de US$4 por barril, mais custos de arrendamento (leasehold) induzidos pelo mercado. Em 1998, o petróleo podia permanecer em qualquer ponto acima do US$7 por uns poucos anos sem efectuar qualquer dano durável aos EUA ou à Europa. Era geralmente esperado que voltasse aos US$35 no fim de 2000, e um bocado de pessoas ficaria rica no processo. A OPEP estava a seguir a linha de argumentação de que altos preços estimulariam nova exploração para conseguir que consumidores não OPEP aceitassem petróleo mais custoso. No longo prazo, menos novas explorações seriam boas para a OPEP. Antes de 1973, todo o mundo estava feliz com US$3 por barril. Como para os EUA o petróleo barato mantinha a inflação (tal como medida pelo Fed) baixa, o dólar alto e as taxas de juro do dólar baixas. Estes benefícios eram mais importantes do que os problemas do sector petrolífero criados por um colapso nos preços do barril. Em petróleo, ninguém disse a verdade durante mais de 80 anos, ou desde a sua descoberta.

O problema com o petróleo barato

É muitas vezes passado por alto que os Estados Unidos são um grande produtor de petróleo. De facto, antes da descoberta de petróleo no Médio Oriente na década de 1930, os EUA eram o maior exportador de petróleo do mundo. "Querosene para as lamparinas da China" era um slogan do monopólio Standard Oil. Não é claro que petróleo barato seja do interesse nacional dos EUA. Petróleo barato distorce a economia dos EUA em caminhos não construtivos. Nos anos recentes de petróleo barato, foram abandonados todos os avanços na conservação. Até este ano, os consumidores estado-unidenses estavam a comprar SUVs de oito cilindros com 400 cavalos [298 kW] que fazem apenas seis milhas por galão [39,2 litros aos 100 km] em tráfego urbano, assim como conversíveis com ar condicionado. Mesmo com gasolina a US$4/galão, os seus utilizadores enfrentam apenas um aumento de US$1000 por ano nas suas contas de gasolina. Os preços dos veículos aumentaram mais depressa do que os preços da gasolina nas últimas décadas. Naturalmente, o resto do mundo fora dos EUA tem estado a operar com gasolina a US$4 durante longo tempo.

O petróleo a uma centena de dólares não é um desastre económico mas é um problema político. O petróleo a uma centena de dólares não prejudica necessariamente a economia global, mas no entanto força uma reestruturação da mesma em modos que têm repercussões políticas. Para começar, US$100 por barril no longo prazo estimula mais exploração e produção, e reactiva poços ociosos que não são económicos a US$10 por barril. Isto também tornará mais viáveis energias alternativas. Também a economia global está a crescer de modo energeticamente mais eficiente com nova tecnologia e o efeito do preço do petróleo sobre a economia é muito menor do que na década de 1970. E o petróleo a US$100 impedirá um retorno à era do desperdício abusivo de energia provocado pelos preços excessivamente baixos. Assim como salários baixos encorajam a má utilização do trabalho, custos não razoavelmente baixos do petróleo criam incentivos para a utilização imprópria da energia e desencorajam a investigação de fontes de energia alternativas.

O único transtorno é que US$100 por barril tira dinheiro do bolso de consumidores e entrega-o a produtores de petróleo (não apenas árabes), os quais então reinvestem-no na Wall Street. O resultado líquido é uma transferência de riqueza das "famílias trabalhadoras" do mundo para os capitalistas do mundo todo. A procura do consumidor mudará, com mais dinheiro gasto em combustível e utilities e menos para outros tipos de consumo que melhoram o padrão de vida, mas os preços das acções subirão porque haverá mais dólares a caçar o mesmo número de acções. O que é mais perturbador é que a apreciação das resultantes reservas provadas ampliadas de petróleo alimentarão mais dívida assim como o rácio entre a dívida e a situação líquida. A actual estrutura de super capacidade da economia é tamanha que mais dívida pode apenas ir para o apoio ao consumo e à especulação, não para a produção e ao investimento, provocando uma nova e insustentável bolha de dívida.

Uma redução de impostos sobre o petróleo deixará mais dinheiro nos bolsos dos consumidores. Os governos podem maquilhar a resultante queda de arrecadação fiscal através de aumentos nas taxas de impostos sobre a apreciação de activos petrolíferos – talvez, no caso dos Estados Unidos, para financiar o défice vindouro da Segurança Social. Mas governos tendem a resistir a reduções no imposto sobre combustíveis devido à ideologia enviesada de que estes encorajam a conservação. As medidas fiscais sobre ganhos de capital encontram resistência com base na doutrina de que o que prejudica o capital prejudica também os pobres, se não mais. Esta fixação ideológica é cada vez menos operacional num mundo dominado pela super capacidade [de produção] e com disparidades de rendimento a ampliarem-se. Qualquer desenvolvimento que reduza a procura é mortal para a estrutura da actual economia global. Nisto reside a questão chave da crise do petróleo que vem aí – preços inchados das acções não suportados pelo rendimento salarial e um amortecimento da procura do consumidor devido aos altos preços. O mundo desfrutou um boom de petróleo a US$10 durante uma década. Durante aquele boom, a disparidade do rendimento aumentou tanto internamente como globalmente. Agora, um retorno ao preço de mercado operativo para o petróleo deveria permitir continuar esta tendência de ampliação da disparidades dos rendimentos.

Em 2005 escrevi: "Nós agora parecemos estar a nos dirigirmos para uma repetição do princípio da década de 1980 quando uma ampliação do défice comercial e uma queda precipitada do dólar disparou o colapso de 1987 dos mercados de acções. A estratégia de Greenspan de reduzir a regulação do mercado substituindo-a com intervenção nas crises está meramente a permutar a extensão do boom pela severidade acrescida do fracasso mais adiante. Greenspan parece estar a procurar petróleo a US$50 para sustentar sua bolha de dívida. Se bem que US$50 não seja um problema a longo prazo, isto pode dar a Greenspan uma super dor de cabeça se servir simplesmente para alimentar mais dívida. Greenspan começou seu mandato no Fed com um crash de mercado. Será que o sábio da exuberância irracional acabará o seu mandato com outro crash de mercado?" A minha pergunta foi respondida dois anos depois com a crise de crédito de 1997 devido à qual o próprio Fed agora está a dizer que o mercado não veria o fundo até ao fim de 2009.
Henry C.K. Liu
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Sem comentários: