sexta-feira, julho 25, 2008

Estupidificando a existência

Eu hoje de manhã parecia o presidente Hugo Chávez, primeiro porque também acordei tarde, depois porque andei de um lado para o outro, sendo certo que não estive a visitar chefes de Estado, de Governo e ministros. Fui apenas, uma vez mais, vítima da burocracia humana – já não digo de Portugal ou dos portugueses, certo de que é um problema universal.
Ora, ligaram-me do oculista a dizer que os óculos de sol que encomendei há três semanas chegaram. Saio então direito a uma instituição que tem o dever – e não a amabilidade ou a simpatia – de me passar uma credencial que devo apresentar no oculista para comparticipação na compra.
Poucas pessoas à minha frente – louvada seja a época de férias –, sou rapidamente atendido e com a mesma rapidez começam os problemas. O meu médico escreveu, nas observações da receita, apenas «lentes coloridas», quando deveria ter escrito «lentes coloridas mais armação». O malvado não referiu a armação, logo a instituição só pode passar, sob pena de lhe cair um raio nos cornos, credencial para as lentes.
Começo a tentar abstrair-me do funcionário que me atendeu e que não tem culpa nenhuma, mas só consigo imaginá-lo vestido de coelho a ser barbaramente sodomizado pela equipa de râguebi da África do Sul e a ganir «sem “armação” nada feito, sem “armação” nada feito».
Arrumo então os cacaréus burocráticos (papéis, papelinhos e cartões) e vou até à clínica oftalmológica pedir ao senhor doutor para acrescentar o indispensável vocábulo. A primeira coisa que as recepcionistas me dizem, depois de escutarem com atenção o meu desabafo, é que o senhor doutor só lá vai na próxima quarta-feira. Perguntei então se me davam meia hora para fabricar uma bomba caseira e me barricar na casa de banho, mas felizmente, uma mais expedita – um achado nesta manhã de estorvos – disse logo que não havia problema porque outro médico, que está lá hoje, escreve e assina e carimba e faz tudo o que todos os palermas deste mundo quiserem. Ficaram com a minha receita e com o meu número. Estou à espera que me digam alguma coisa.
Será que com estes esquemas nos querem vencer pelo cansaço? Ou desconfiam que nós andamos a gamar armações para vender na baixa? Qual é a desculpa deles para este embaraço?
Só tenho pena de não ter confiança com o meu médico porque era menino para lhe pedir para escrever «lentes coloridas, mais armação, mais parafusos da armação, mais pintura da armação, mais emblema da marca, mais borrachas nas hastes para não ferir as orelhas, mais borrachas no apoio nasal, mais caixa para guardar os óculos, mais pano para limpar as lentes, mais líquido para limpar as lentes, mais número de série do modelo gravado na haste esquerda, mais cunho da Comunidade Europeia gravado na haste direita». Talvez assim algumas pessoas percebessem a estúpida vida que levam.
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