segunda-feira, julho 21, 2008

Eventos no horizonte

Há um momento particular, conhecido por todos os mais novos, quando Wile E. Coyote, em êxtase, na sua corrida já ultrapassou o bordo de meseta e, ainda a lamber as mandíbulas e a esfregar as patas da frente a prever a comilança do pássaro, descobre que está suspenso no ar por nada mais do que um instante. O sorriso torna-se aflito. Ele ganha uma nauseante sombra de verde e cai, a zunir, de volta à terra centenas de metros abaixo, com uma distante, lúgubre e quase inaudível pancada no fim da sua queda. Estamos no país do Wile E. Coyote.

Ainda haverá alguém no universo conhecido a considerar que o sistema financeiro dos EUA não está vinte metros para além da beira da meseta da credibilidade?

Nada ajudará agora. Nem mesmo se Sirhan Sirhan [1] fosse posto em liberdade condicional hoje à tarde e transportado directamente para a West Wing [2] com um magnum 44 em cada mão (e um táxi conduzido pelo Diabo à espera lá fora para levá-lo ao Tesouro dos EUA e aos gabinetes do Federal Reserve).

É difícil imaginar que espécie de melodramas estavam a desdobrar-se nos relvados de Hamptons [3] este fim de semana, enquanto toda a gente na América estava a assistir às corridas de carros do Nascar, ou a trilhar os corredores das lojas BJs Discount por causa da oferta da semana de guacamole [4] com sabor Doritos, ou a tatuar chamas e correntes nos seus narizes, ou perdidos numa bruma de valium e metedrine.

IndyMac Bank

Com a morte do IndyMac Bank na semana passada, e os GSEs Fannie Mae e Freddie Mac a jazerem lado a lado com soro no furgão da emergência médica, destinados à unidade de cuidados intensivos cada vez congestionada do Federal Reserve, há um sentimento de que o Sonho Americano passou através do horizonte para eventos que representam a abertura de um buraco negro.

O que aconteceria se o governo dos EUA actuasse para salvar estas empresas irresponsáveis (e o que aconteceria se não o fizesse)? Em qualquer dos casos, não é um quadro bonito. Se o sr. Bernanke começar a lançar pazadas de empréstimos no buraco negro das empresas patrocinadas pelo governo (GSEs), ele mais uma vez minará o fundamento da sua própria equipe e nada fará, realmente, para reparar o problema estrutural da Fannie e do Freddie de ter assegurado demasiados empréstimos que jamais serão pagos. Se, ao invés, os comandos da Fannie e do Freddie forem tomados sem rodeios directamente pelo governo dos EUA (e recorde-se que o Federal Reserve não é o governo), então a dívida nacional duplicará da noite para o dia – o que trituraria o dólar estado-unidense.

Enquanto isso, os possuidores estrangeiros daqueles dólares em decrepitude podem não correr para o guichet de resgate, mas eles certamente os utilizariam para comprar todos os contratos de futuro de petróleo sobre a não-tão-verde Terra de Deus tão rapidamente quanto possível – eles não teriam de ser tão tolos – o que deixaria os Felizes Motoristas Americanos com preços de gasolina acima dos US$5 por galão, e possivelmente acima dos US$10. (Nesse caso, diga adeus às linhas aéreas. De facto, diga adeus ao que passa por ser o restante da economia dos EUA, incluindo especialmente o louvado sector retalhista que supostamente representa 70 por cento do movimento.)

Se a Fannie e o Freddie forem abandonados para morrer no chão do deserto, diga adeus ao mercado habitacional, aos principais bancos de investimento, aos incontáveis bancos regionais, às contas de aposentadoria de virtualmente toda a gente na América, à viabilidade de todos os cinquenta governos estaduais, e à capacidade operacional no dia-a-dia de todas as suas municipalidades – e muito provavelmente à actual encarnação do sistema bancário mundial.

Fora de controle

Agora este processo está realmente fora de controle. No final das contas, o que está em causa é a bancarrota completa dos Estados Unidos. O Partido Republicano sob George Bush será conhecido como o partido que arruinou a América (versão 2.0). Por penoso que seja, o melhor que os americanos podem fazer é arranjar um novo "Sonho" e depressa. É melhor que seja um sonho fundamentado de um modo que realmente funcione, o que quer dizer num procedimento operacional baseado no esforço sério e na honestidade ao invés de simplesmente estar a tentar conseguir alguma coisa em troca de nada e a desejar estrelas. Podemos começar simbolicamente por evacuar Las Vegas e pedir um bombardeamento aéreo àquele lugar repulsivo – para marcar o nosso novo ajustamento de atitude com base na realidade.

Depois disso, temos de trabalhar para remodelar todas as actividades da vida diária, incluindo o modo como cultivamos nossa comida, o modo como levantamos e aplicamos capital, o modo como comerciamos e manufacturamos, o modo como vamos do ponto A para o ponto B, o modo como educamos os filhos, o modo como permanecemos saudáveis e o modo como ocupamos a paisagem. Eu sei, isto soa como um bocado, talvez demasiado. Mas apreenda (grok) isto: nós não temos qualquer opção se quisermos um futuro plausível nesta porção do continente norte americano.

Naturalmente, nada disto é provável que aconteça. Ao invés disso, e sob as piores condições económicas imagináveis, provavelmente embarcaremos numa campanha para sustentar o in-sus-ten-tá-vel – isto, defender todo o status quo habitual e comportamental costumeiro, quer ele possa ser salvo ou não. Naturalmente, seria uma dissipação fatal dos nossos recursos minguantes, mas historicamente isto tende a ser o último acto do melodrama em qualquer império vacilante.

O resultado, muito em breve neste processo, será a ruptura social e uma reviravolta política. Todo o tatuado frenético, que se tem estado a preparar para o seu papel de estreia em alguma espécie de armagedão de banda desenhada, conseguirá finalmente a sua oportunidade de brilhar. Montes de pessoas ficarão magoadas e famélicas. A propriedade mudará de mãos de um modo desordenado. E no fim deste processo um Hitler americano pode estar à espera para arrumar tudo e todos directamente.

Os mercados abrem dentro de uma hora. Boa sorte para todos.
[1] Assassino de Robert Kennedy que está preso.
[2] Ala ocidental da Casa Branca, onde está o gabinete do presidente.
[3] Região de gente rica em Long Island, com estâncias turísticas.
[4] Comida de origem mexicana.

Jim Kunstler
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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