Quase todos os observadores portugueses parecem convencidos de que os exames nacionais são uma mentira política. Há três tipos de indícios de que os actuais exames são realmente uma mentira política: a obsessão dos altos responsáveis do Ministério da Educação pelo que chamam “sucesso escolar” (que para eles quer dizer apenas “transitar de ano” e não “dominar os conteúdos relevantes”); resultados estatisticamente muito desviantes relativamente a anos anteriores; e perguntas de pacotilha, tão evidentemente fáceis que estudantes médios do 9.º ano respondem correctamente a perguntas de exames do 11.º ano.
O que importa esclarecer é a razão de ser desta mentira política. É importante recordar que os exames são um legado do ex-ministro David Justino, que se bateu corajosamente por eles, contra os técnicos do seu próprio ministério. Surpreendentemente para os actuais dirigentes ministeriais, a sociedade não só acolheu a ideia de David Justino de que era necessário reintroduzir os exames, como condenou a primeira tentativa da actual equipa ministerial para cancelar os exames (acabaram por cancelar apenas um exame, o de filosofia, e por desvalorizar os exames do 9.º ano, atribuindo-lhe um peso irrelevante — o que significa que os alunos podem reprovar nos exames, mas transitar de ano).
Assim, por diferentes razões, a actual equipa ministerial convive mal com os exames; sabe que não pode eliminá-los, mas não quer realmente os exames. Por isso, procura tanto quanto possível retirar aos exames o papel que tanto o ex-ministro David Justino como a sociedade portuguesa querem que os exames tenham: o papel de estimular os professores a dar melhores aulas, e de estimular estudantes e famílias a dar mais atenção e importância ao estudo. Os exames são instrumentos cruciais para estimular a excelência educativa.
As razões que a ministra e os dirigentes do ministério têm contra os exames não coincidem contudo com as razões que os técnicos do ministério também têm contra os exames.
Para a ministra e os dirigentes do ministério, os exames são uma pedra no sapato na mentira política que andam há anos a tentar efectivar: fingir sucesso escolar através de estatísticas fantasiosas, impor o facilitismo para que os estudantes culturalmente mais pobres tenham “sucesso”. (Claro que o resultado disto é a discriminação social, pois são precisamente os estudantes culturalmente mais pobres que precisam de ensino de alta qualidade, e não os outros, que se safam seja o ensino como for.)
Para os técnicos do ministério, contudo, as razões são outras: são puramente ideológicas. Alimentados no leite de teorias pedagógicas cientificamente falsas e baseadas em pura confusão conceptual, estes técnicos querem uma Escola Nova, na qual se brinque todo o tempo, porque pensam que o ensino tradicional é opressor. Estes técnicos não encaram o conhecimento como um fim em si, mas meramente como um instrumento político para mudar a sociedade, transmitindo os ideais sociais que eles decidiram que as crianças e jovens têm de absorver sem pensar muito. A matemática em si, por exemplo, não tem para estes técnicos qualquer valor intrínseco; serve apenas ou para oprimir os estudantes (na escola tradicional) ou para libertar a sociedade (na Escola Nova), transformando-a em instrumento para a construção de uma sociedade nova. Quando se encara a escola deste modo, os exames são uma ameaça constante, porque os partidários da Escola Nova não se atrevem a tornar público o tipo de tolices ideológicas que querem que os estudantes decorem, sabendo que a sociedade não as aprovaria. Mas sem exames, os professores podem ensinar fantasias em vez de química, e ninguém vai saber realmente o que se passa, porque tudo se faz à porta fechada.
Sem esta infeliz coincidência, não seria possível aos dirigentes ministeriais impor a sua mentira política ao país, pois não são eles que controlam directamente o grau de dificuldade dos exames, por exemplo. Também os técnicos ministeriais que supervisionam directamente os exames não poderiam boicotá-los tão abertamente caso os dirigentes ministeriais fossem favoráveis aos exames. Infelizmente, uns e outros podem transformar os exames numa mentira política, porque uns e outros odeiam os exames, por razões diferentes.
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