No passado dia 25 a Google apagou o blog Póvoa Online no seguimento de uma providência cautelar instaurada pelo presidente e o vice-presidente da câmara da Póvoa do Varzim. Os queixosos não gostaram dos bigodes nas fotos e dos posts alegando que arranjam empregos a familiares e amigos, entre outros negócios ilícitos. E no passado dia 26 estreou-se o blog Póvoa Offline, beneficiando entretanto de publicidade em jornais, na TV e noutros blogs.
Este caso caricato mostra que os autarcas não percebem bem como estas coisas funcionam. Além de chamar mais atenção para estas alegações, agora qualquer um pode ler na notificação do tribunal (1) precisamente aquilo que eles queriam retirar do acesso público. Além disso, apesar de não se saber se as alegações são verdadeiras, a decisão do tribunal só mencione o ataque à reputação, honra e bom nome dos queixosos e não a sua inocência.
O documento até refere o artigo 484º do código civil, um artigo estranho que pune mesmo quem diga a verdade: «Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados». E frisa que «pouco interessa [...] que o facto imputado seja verdadeiro ou falso desde que seja susceptível de, dadas as circunstâncias do caso, diminuir a confiança na capacidade e na vontade das pessoas para cumprir as suas obrigações». Em suma, acusam autarcas de serem corruptos e o tribunal censura porque, mesmo que seja verdade, a acusação é susceptível de diminuir a confiança nessas pessoas (acham?). Parece-me que é isto que mais lesa o crédito e o bom nome dos queixosos. E da justiça portuguesa.
Mas não é a Póvoa do Varzim que me interessa; se não fosse esta queixa eu não teria esta má impressão dos seus autarcas. E, como eu, provavelmente mais uma data de gente. É uma lição a reter para quem quiser usar a censura como arma de debate. O que me interessa aqui é a sentença, principalmente esta parte:
«São textos e imagens cuja publicação não se justifica pelo respeito de um qualquer outro direito, designadamente, do direito de informar ou do direito de crítica e que extravasam claramente o núcleo do direito de liberdade de expressão [...] Em suma, não se divisa em tais textos e imagens o exercício adequado e razoável do cumprimento da função pública de informar, não se vislumbrando qualquer preocupação cívica atendível com a divulgação dos mesmos.»
Dá vontade de dizer um palavrão, mas da maneira como isto vai é melhor conter-me. Compreende-se que haja restrições ao que se publica nos jornais ou na TV. São negócios e são meios de comunicação com uma grande assimetria entre comentadores e comentados. E compreende-se que um jornalista tenha responsabilidades profissionais no «cumprimento da função pública de informar».
Mas blogs não são jornais, bloggers não são jornalistas e isto não é um serviço público de informação. Um blog é onde um tipo qualquer escreve o que lhe vai na cabeça sem que seja no cumprimento seja do que for. É um simples exercício da liberdade de expressão. Infelizmente, em Portugal a lei dá pouco valor a isso. De 2000 até agora os atropelos dos tribunais portugueses a este direito fundamental já nos deram cinco condenações pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (2). Em parte porque quem paga as indemnizações são os contribuintes, e não os juizes nem os legisladores.
Mas o pior é a confusão entre os deveres do jornalista profissional que escreve uma notícia e os direitos do cidadão que exprime uma opinião. Um dos fundamentos apresentados na sentença é que a «maior parte do conteúdo do blogue [...] consiste na publicação de artigos de opinião sobre os requerentes». Isto seria de criticar num jornal, mas não num blog.
Vêem os blogs como jornais electrónicos baratos e aplicam a actos pessoais regras concebidas para regular actividades comerciais e profissionais. É um erro. Os blogs não são um jornal por fio; são um telefone com texto e imagens que muitos podem usar ao mesmo tempo. A lei, e a sociedade, têm que perceber que esta tecnologia é um meio de trocar informação, ideias e opiniões. É uma conversa global onde a liberdade de comunicar deve ter prioridade sobre pudores, melindres, queixinhas e negócios.
Obrigado ao comentador anónimo que me deu o link para a notícia.
http://ktreta.blogspot.com/
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