quarta-feira, julho 23, 2008

Não é o homem, é o movimento

Esta semana, estava num painel no Festival de Ideias de Aspen, no Colorado, quando o jornalista Jonathan Alter, da Newsweek, me perguntou: «Obama deixou-se comprar?» A questão não é se ele se deixou comprar ou não – é sobre quais as exigências postas pelas bases de apoio àqueles que as representam. A questão é: a quem é que os candidatos respondem, a quem se dirigem?

A estratégia de campanha de Richard Nixon era pender para a direita nas primárias e deslocar-se para o centro nas gerais. A estratégia de Bill Clinton chamava-se “triangulação”, navegando para uma “Terceira Via” política, para agradar a moderados e indecisos. Na semana passada, Barack Obama deu alguns sinais de mudanças políticas que sugerem poder estar a fazer o mesmo. Irá resultar no caso dele?

Vejamos o Foreign Intelligence Surveillance Act (FISA) [1], por exemplo. Um comunicado de imprensa do gabinete do senado de Obama, datado de 17 de Dezembro de 2007, rezava assim: «O Senador Obama opõe se inequivocamente a conceder imunidade retroactiva às empresas de telecomunicações e co patrocinou os esforços do Senador Dodd no sentido de retirar essa provisão da lei FISA. A concessão de tal imunidade enfraquece as protecções constitucionais cuja defesa os americanos confiam ao Congresso. O Senador Obama apoia a obstrução a esta lei e aconselha vivamente a que outros façam o mesmo». Seis meses mais tarde, ei lo que subscreve a concessão de imunidade às companhias que espiaram os americanos.

Questionei o Senador Russ Feingold, do Wisconsin, relativamente à posição de Obama sobre a lei FISA. Disse me: «Voto errado. Infelizmente. Muitos democratas vão fazer o mesmo. Devíamos estar a defender a Constituição. Quando o Senador Obama for presidente, irá sem dúvida trabalhar para remediar isto em parte, mas seria mais fácil impedi-lo agora do que tentar remediá-lo mais tarde».

Feingold e o senador Christopher Dodd, do Connecticut, estão a planear levantar uma obstrução à lei. Será preciso o voto de 60 senadores para anular a sua obstrução. Parece que Obama será um deles. Os seus colegas de Senado não são os únicos a ter ficado desapontados com a posição de Obama. No próprio sítio web da campanha de Obama, os bloggers fazem ouvir uma oposição estridente à sua posição em relação à FISA. Na altura em que este artigo foi redigido, um grupo online no sítio web da campanha de Obama tinha mais de 10 mil membros e estava a crescer rapidamente. O perfil do grupo diz o seguinte: «Senador Obama, somos um grupo de pessoas, orgulhosas de ser seus apoiantes, que acreditam no seu apelo à esperança e a um novo tipo de política. Por favor, rejeite a política de medo pela nossa segurança nacional, vote contra esta lei e motive outros democratas para que façam o mesmo!»

E depois, houve ainda as recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça acerca do controle de armas de defesa pessoal e da pena de morte. Obama apoiou o tribunal na revogação da proibição de porte de arma na capital da nação, assolada por actos de violência. Trata-se da mais importante decisão do tribunal sobre a Segunda Emenda em mais de 70 anos. E um golpe para os opositores da pena de morte. Obama discordou da decisão do tribunal superior de proibir a execução dos considerados culpados de terem violado crianças.

A 21 de Janeiro de 2008, num debate das primárias, Obama disse que o Acordo de Comércio Livre Norte Americano (NAFTA) era um «erro» e «um enorme problema». Recentemente disse à revista Fortune: «Às vezes, durante as campanhas, a retórica aquece e excede-se... a minha posição base mantém-se a mesma... Sempre fui um defensor do comércio livre». Isto depois do escândalo das primárias relativo ao alegado encontro entre o consultor económico de Obama, Austan Goolsbee, e um membro do consulado canadiano. Um memorando canadiano a descrever o encontro sugeria que, em linhas gerais, Obama estava satisfeito com o NAFTA. Goolsbee descreveu o relato como incorrecto. Agora as pessoas questionam a genuinidade da oposição de Obama ao NAFTA e ao “comércio livre”.

Depois, vem a flutuação de potenciais candidatos à vice presidência. Jonathan Capehart, do Washington Post, esteve no painel de Aspen e referiu que tem estado a receber e-mails de homens homossexuais que se opõem veementemente ao antigo Senador Sam Nunn enquanto candidato à vice-presidência com Obama. Não podem esquecer o contributo de Nunn para o «Não perguntem, não assumam». Que proibia os gays e as lésbicas de prestarem serviço militar se assumissem abertamente as suas opções sexuais. Começaram a jorrar e-mails, levando Capehart a escrever a famosa coluna: «Não perguntem a Nunn».

Pode ser estratégia de campanha de Obama posicionar-se ao centro para atrair os independentes e os indecisos. Mas ele deveria estudar com atenção as lições da campanha de Kerry de 2004. John Kerry fez cálculos semelhantes, por não querer mostrar-se fraco em relação à guerra do Iraque. Desinspiradas, as pessoas ficaram em casa em vez de irem votar. Há milhões que se preocupam com os assuntos de que Obama se está a distanciar, do FISA ao controlo das armas nas mãos dos particulares, dos direitos dos homossexuais ao comércio livre e à pena de morte. Em vez de ficarem em casa, deviam lembrar-se das palavras de Frederick Douglass [2]: «O poder não concede nada que não lhe seja exigido».

Amy Goodman
http://www.infoalternativa.org/autores/goodman/goodman0010.htm

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