quinta-feira, julho 10, 2008

Pico petrolífero: Um ponto de viragem na espécie humana

A expressão Pico petrolífero entra agora no dicionário, quando a importância da questão atinge finalmente os media principais. A Agência Internacional de Energia, que é o cão de guarda da OCDE, há muito está consciente disto e em 1998 emitiu uma advertência de que a procura ultrapassaria a oferta por alturas de 2010 se não houvesse a entrada de um misterioso elemento denominado Não Identificado Não Convencional (Unidentified Unconventional), o qual evidentemente era uma expressão codificada para escassez. Mas declarações recentes à imprensa sugerem que ela finalmente está em vias de se tornar clara na edição de 2008 do World Energy Outlook, a ser publicada em Novembro, e de explicar a verdadeira posição do problema em termos não incertos.

Dado o papel central do petróleo e do gás na economia moderna, o pico da produção provavelmente virá a ser um ponto de viragem para a espécie humana, de magnitude sem paralelo. Ele estimula considerações acerca da evolução histórica de sociedades como base para avaliar o que podem ser as reacções.

Parece que a propriedade da terra foi o determinante crítico durante os primeiros 17 séculos do último milénio. Podemos tomar o caso britânico como um exemplo. Foi invadida em 1066 por vikings reciclados da Normandia, e o novo rei concedeu terras aos seus barões, que por sua vez controlavam o campesinato que trabalhava a terra. Alguém pode supor que eles assim fizeram com satisfação pois era a única vida que conheciam.

No princípio do século XIX chegou a mineração de carvão que proporcionou a energia para a Revolução Industrial, conduzida pela Grã-Bretanha. A estrutura social mudou quando a importância da propriedade da terra diminuiu, e os camponeses tornaram-se trabalhadores industriais a ganhar salários e a viver em pavorosos bairros miseráveis. O poder mudou do barão para uma nova elite administrativa e financeira. O aumento da longevidade e outros factores evidentemente ocasionaram um crescimento insustentável da população, conduzindo à emigração maciça da Europa para os Estados Unidos, o Canadá e a Australásia, onde os povos indígenas foram expropriados e em grande medida exterminados.

Os bancos de modo crescente emprestavam mais do que tinham em depósitos, confiantes em que a expansão industrial de amanhã serviria como colateral para a dívida de hoje. O Império Britânico floresceu quando a libra esterlina tornou-se uma divisa global para o comércio, proporcionando um maciço tributo oculto aos bancos de Londres, os quais posteriormente formaram o Federal Reserve Bank em Nova York para controlar a economia. A Grã-Bretanha, como uma ilha, tinha fronteiras naturais, o que não era o caso da Europa continental onde disputas territoriais e busca por novos mercados e impérios levou a duas guerras mundiais de gravidade sem precedentes. Tudo indica que a expansão económica encorajou o nacionalismo quando diferentes países perseguiram fortalecimentos competitivos pelo reforço da sua identidade. A Primeira Guerra Mundial surgiu de tensões quando a Rússia procura controlar sua rota comercial para o Mediterrâneo a qual ela sentia estar a ser ameaçada pelos movimentos da Alemanha para exercer uma influência comercial e militar sobre a Turquia, controlando portanto grande parte do Médio Oriente sob o Império Otomano. A Segunda Guerra Mundial foi essencialmente uma continuação da primeira, embora alguns países tenham mudado de lado.

O petróleo e o gás gradualmente substituíram o carvão como a força condutora da expansão económica, o que permitiu à população mundial crescer de uma forma sem precedentes.

As pressões sociais desenvolveram-se pois os trabalhadores industriais reivindicavam uma maior compensação pelos seus esforços. Isto levou à ascensão do socialismo sob o qual esperava-se que o Estado assumisse o papel de um proprietário bondoso que proporcionasse uma distribuição correcta da riqueza. Uma variante mais extrema desenvolveu-se na Rússia em 1917 com a revolução que levou os comunistas ao poder. Outra variante ainda foi o movimento nacional socialista da Alemanha, o qual nos anos entre guerra tentou unificar a identidade alemã sob uma forma de social darwinismo a fim de obter competitividade, rompendo o domínio da fraternidade internacional dos banqueiros.

A Grã-Bretanha do pós-guerra enfrentou uma situação económica difícil com a perda do seu império e a rendição da libra esterlina ao dólar americano, o qual tornou-se a divisa do comércio mundial. A princípio, ela adoptou princípios socialistas com altos níveis de tributação para a elite. Mas apesar de ter um governo simpático, os sindicatos pressionavam sempre por mais, provocando muita inquietação industrial, especialmente por parte dos mineiros de carvão, que controlavam a oferta de energia do país [1] . Mas o desenvolvimento do Mar do Norte rompeu o poder do mineiros de carvão, e levou a uma época de riqueza, muita da qual foi canalizada para uma elite financeira que construiu um novo império através do mercado de acções. A imigração aumentou rapidamente para ajustar a força de trabalho a uma sociedade definhante e a envelhecer. A América por sua vez construiu o seu poder militar na chamada Guerra Fria quando procura fortalecer sua hegemonia económica e financeira global, apesar de a sua base industrial em grande medida ter-se transferido para além mar a fim de utilizar trabalho quase escravo.

A produção de petróleo da Grã-Bretanha atingiu o pico em 1999 antes de cair a uma taxa relativamente alta de aproximadamente 7% ao ano graças à alta eficiência e tecnologia avançada das suas operações offshore. Ela produziu seu petróleo e gás à taxa máxima possível sem sequer pensar no futuro, exportando seu excedente num tempo de preços baixos do petróleo antes de se tornar uma importadora num tempo de preços em ascensão: uma estratégia que dificilmente seria do interesse nacional, quaisquer que fossem os ganhos a curto prazo. Agora, o mundo como um todo chega ao pico da produção. Os preços do petróleo elevaram-se quase dez vezes. Os aumentos provocaram a ascensão dos preços de alimento, o que disparou tumultos em muitos lugares. Uma vez que o custo médio da produção de petróleo não mudou em paralelo, a ascensão de preços reflecte principalmente o aproveitamento (profiteering) da escassez pelos governo do Médio Oriente, o que por sua vez tem contribuído para a instabilidade financeira mundial, a recessão crescente e um colapso no valor do dólar.

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha invadiram o Iraque sob um falso pretexto, sem dúvida ambos à espera de obterem mais controle do Médio Oriente, o qual possui cerca da metade do petróleo e gás remanescente no mundo, e em reacção a pressões israelenses. Isto não foi um êxito irrestrito pois forças convencionais, treinadas para batalhas campais, estão mal preparadas para enfrentar combatentes dedicados da Resistência que estão mesmo dispostos a efectuar missões suicidas. Sob os princípios do globalismo, os recursos de qualquer país são supostos pertencer ao que faz o lance mais alto, mas tal conceito agora parece estar ultrapassado quando países, liderados pela Rússia, movem-se para conservar seu petróleo e gás para o seu próprio uso, vendo pouco mérito em subsidiar seus competidores industriais com energia barata.

A crescente recessão económica pode bem evoluir numa Segunda Grande Depressão. Como tem base no declínio fundamental da crítica oferta de energia, ela provavelmente será muito mais severa do que a primeira Grande Depressão, a qual foi pouco mais do que a explosão em 1929 de uma bolha especulativa do mercado de acções. Na Grã-Bretanha já vemos movimentos para uma transferência de autoridade, quando a Escócia, e em menor extensão Gales, procuram maior controle dos seus destinos. Os conflitos industriais retornam quando o custo de vida levanta voo. Enquanto trabalhadores imigrantes da Europa do Leste agora voltam para casa, as principais comunidades imigrantes permanecem, de modo que agora há mais muçulmanos do que cristãos praticantes no país, cujo carácter está a mudar rapidamente. O governo actua para fortalecer o seu controle com maior vigilância quando as tensões começam a subir, sendo em parte acompanhadas pelo aumento de assassínios e guerras de gangs em cidades outrora tranquilas.

Aparentemente, pode-se considerar, os últimos dois séculos de expansão rápida do mundo foram construídos sobre a busca do dinheiro – o que veio a ser aceite como o motivo primário para viver, embora ele por si próprio não proporcione qualquer grau particular de felicidade correspondente. Mais um dia – mais um dólar, era o slogan do entendimento corrente. Agora, enfrentamos um século de contracção económica durante o qual a busca por dinheiro tornar-se-á cada vez menos realista. Isto pode por sua vez disparar novas atitudes, as quais poderiam ser positivas. Cuba é uma anomalia interessante onde aparentemente há um forte sentimento de igualitarismo comunal e uma compensação justa pelo trabalho, afastada da busca pelo dinheiro como tal. Na Grã-Bretanha, encontramos um eco no Transition Town Movement, pelo qual comunidades sobretudo rurais são encorajadas a uma nova auto-suficiência e cooperação, mesmo a adoptar divisas locais para facilitar as trocas, rompendo com isso a hegemonia dos banqueiros.

O Homem do petróleo (Petroleum Man) estará extinto no fim deste século, mas pode haver sobreviventes que descobrirão um novo caminho para viverem felizes com os recursos do planeta. Isto presumivelmente significa reverter a uma condição rural tradicional. Mas a transição, ainda que moderada pelas novas energias do nuclear, do carvão, do petróleo não convencional e do gás, e de várias fontes renováveis, é provável que venha a ser um tempo de grande tensão a menos que o povo venha a apreender que a contracção é ordenada pela natureza. Com toda a probabilidade, a população mundial terá de cair para um novo nível sustentável, sendo o maior desafio atingir isso com o mínimo de sofrimento. Historiadores futuros poderão olhar para trás e descrever o Homem do petróleo em termos menos que positivos, pois ele foi responsável pela alteração do equilíbrio natural e provocou uma destruição maciça de espécies e ambientes.

É um assunto vasto e complexo que é difícil de agarrar ou resumir, mas tudo indica que os ventos da mudança estão a assoprar cada vez mais forte.
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[1] resistir.info não tem de concordar com tudo para publicar um artigo. Este texto é apresentado devido à relevância dos problemas que levanta, mas as considerações geopolíticas e outras são da responsabilidade do autor. Pode-se afirmar que Margaret Thatcher encerrou as minas de carvão britânicas por razões estritamente políticas (destruir a vanguarda mais organizada da classe operária britânica), uma vez que do ponto de vista económico foi uma medida extremamente discutível e até irracional. Hoje, quando o petróleo do Mar do Norte está a acabar, a Grã-Bretanha já não dispõe nem de petróleo nem do antigo carvão. A destruição das minas de carvão confirma a mentalidade curto-prazista da extrema-direita.
Collin J. Campbell
http://resistir.info/peak_oil/aspo_jul08.html

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