segunda-feira, julho 28, 2008

Quando o duro decide tornar-se diplomático

O presidente George W. Bush e a sua corte neo-con assumiram como um ponto de honra que a sua relação com regimes de que não gostavam seria de dureza e não de diplomacia mole. No seu discurso do Estado da União, em 2002, Bush denunciou o “Eixo do Mal” – composto pelo Iraque, Irão e Coreia do Norte – e indicou que os Estados Unidos iriam agir no sentido de desmantelar os seus regimes, não de negociar com eles.

Pouco tempo depois, Bush suspendeu o Acordo de 1994, que a administração Clinton havia negociado com a Coreia do Norte. Em resposta, a Coreia do Norte reiniciou o seu reactor nuclear e findou a sua cooperação com a Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA). Depois, os Estados Unidos recusaram-se a realizar conversações bilaterais com a Coreia do Norte, insistindo que todos os debates ocorressem através das chamadas “conversações a seis partes” (Estados Unidos, Coreia do Norte, Coreia do Sul, China, Japão e Rússia) como única forma de contacto.

Em 2006, a Coreia do Norte fez explodir uma arma nuclear, oficialmente. Pouco depois, os Estados Unidos iniciaram reuniões bilaterais com a Coreia do Norte, que antes tinham recusado. Em Junho de 2008, foram anunciados os primeiros resultados concretos destas negociações: a Coreia do Norte desactivou uma torre nuclear e os Estados Unidos excluíram a Coreia do Norte das sanções relacionadas com a Lei do Comércio com o Inimigo, passando a enviar assistência alimentar. Isto foi considerado no lado dos EUA como um “progresso incremental”.

O regresso dos Estados Unidos à diplomacia e a sua aceitação do progresso incremental foi denunciado pelos neo-cons, agora fora do governo, como John Bolton, como «um triste, triste dia» no qual os Estados Unidos foram «levados à lavandaria». O vice-presidente Cheney foi considerado derrotado na batalha interna contra os defensores de negociações, como a Secretária de Estado Condoleezza Rice e o secretário de Defesa, Gates. Apoiantes da decisão na administração saudaram-na como um «sucesso diplomático». Outros referem que, se os Estados Unidos não tivessem suspendido o acordo, a Coreia do Norte poderia nunca ter feito explodir a bomba atómica. Assim, alegaram, a não-negociação facilitou, e não impediu, a Coreia do Norte de se tornar uma potência nuclear.

O que mudou entre 2002 e 2006, de tal forma que os Estados Unidos passassem da “linha dura” para a abordagem “diplomática”? Isso é fácil de compreender. A guerra no Iraque foi um fiasco que (com o Afeganistão) absorvia todo o aparato militar dos EUA. Quando os norte-coreanos fizeram explodir uma arma nuclear, os militares norte-americanos deixaram bem claro ao presidente Bush que não havia qualquer forma de também poderem desenvolver uma acção militar na Coreia do Norte. Portanto, com a Coreia do Norte detentora da bomba, a diplomacia era a única escolha possível. Bush engoliu com dificuldade, mas o que mais poderia fazer? Iria conseguir com o esforço “diplomático” que a Coreia do Norte abandonasse todas as armas nucleares? Talvez não. Mas o que mais poderiam fazer os Estados Unidos?

Agora, olhemos para Israel. Israel sempre preferiu a linha dura à diplomacia. Em primeiro lugar, não admitem que haja uma Palestina com a qual negociar. Assim, não dialogariam com Yasser Arafat e a OLP até que eles “reconhecessem” Israel e renunciassem à violência. Depois, quando a primeira Intifada mostrou a Israel que enfrentava um problema sério com as rebeliões internas dos palestinos, chegou-se aos chamados acordos de Oslo, que estabeleceram uma forma muito limitada e restritiva de controlo, de facto, por parte da Autoridade Palestiniana, de algumas partes de Gaza e da Cisjordânia. Depois da segunda Intifada, Israel boicotou Arafat novamente e só viria a retomar as negociações com o seu sucessor, Mahmud Abbas.

Em 2006, houve eleições na Palestina. O partido de Abbas, o Fatah, foi derrotado pelo Hamas, cuja posição oficial era a de se recusar a reconhecer a legitimidade do Estado de Israel. Assim, a linha dura foi reinstituída por Israel. Eles não iriam negociar, de forma alguma, com um governo do Hamas, a menos que este revisse a sua posição básica. O governo dos EUA apoiou incondicionalmente esta posição.

Em 2007, a Palestina implodiu. Abbas, como presidente, destituiu o primeiro-ministro do Hamas, que se recusou a aceitar a legitimidade de tal acção. Em resultado, o Hamas assumiu o controlo completo da Faixa de Gaza e as forças de Abbas apenas mantiveram, mais ou menos controlada, a Cisjordânia. Havia agora dois governos. Os israelitas e os Estados Unidos reconheceram apenas o governo de Abbas e tentaram isolar o Hamas, e em consequência Gaza, em todos os sentidos, instituindo um apertado controlo de entrada de pessoas e mercadorias dentro e fora da Faixa de Gaza.

Na cena mundial, Israel e os Estados Unidos insistiram para que todos os outros cumprissem o seu boicote total ao Hamas, o que a União Europeia e as Nações Unidas fizeram em larga medida. Eles até insistiram para que o boicote fosse respeitado por indivíduos. Quando um assessor de Barack Obama revelou que tinha sido obrigado a reunir-se com o Hamas, e que tinha vindo a fazer isso no seu trabalho, a imediata pressão que se fez sobre Obama obrigou-o a cortar ligações com este assessor.

Agora, de repente, a “linha dura” de Israel já deu lugar à diplomacia. Em 18 de Junho, o Hamas e Israel acordaram uma trégua formal, na qual cada uma das partes se comprometeu a cessar todas as acções militares contra o outro lado, levantando-se as restrições nas fronteiras. O governo dos EUA aprovou esta acção e o israelita votou-a com apenas quatro abstenções. É certo que, de imediato, os adeptos da linha dura em Israel e na comunidade judaica dos EUA denunciaram esse acordo, pelas mesmas razões que os neo cons denunciaram o acordo dos EUA com a Coreia do Norte. Disseram que a trégua não iria funcionar porque ela não iria durar muito. Talvez. E, em 29 de Junho, Israel continuou nesta linha, com um segundo acordo diplomático com o Hezbollah. Israel concordou com uma muito controversa troca de prisioneiros. Para dois soldados israelitas capturados, e provavelmente já mortos, Israel está a propor libertar uma grande figura do Hezbollah, responsável pelo assassinato de israelitas.

Por que passou Israel da linha dura para a diplomacia? Houve, sem dúvida, muitas considerações eleitorais internas a Israel. Mas o verdadeiro motivo é que os israelitas descobriram que não foram capazes de acabar com os bombardeamentos militares palestinos às suas cidades. E todos puderam tirar conclusões disto. Abbas retomou as negociações com o Hamas. Os egípcios foram pressionar os israelitas e os norte-americanos para negociar com o Hamas. E, claro, os israelitas estão numa posição diplomática mais fraca do que teriam há dois anos atrás, para não falar dos tempos de Arafat. Entretanto, a França concluiu que era agora seguro exortar Israel a fazer concessões sérias. Seriam os políticos americanos, dentro e fora do governo, tão enfáticos? No que diz respeito ao Hezbollah, os israelitas tentaram destruí-los militarmente e falharam por completo. Foi um espectáculo embaraçoso que revelou os limites do poder militar israelita.

As linhas duras funcionam quando se tem poder para as impor. A diplomacia é algo imposto à parte mais forte num conflito com duas vias. Os Estados Unidos na Coreia do Norte e os israelitas na Faixa de Gaza/Palestina e no Líbano estão agora a aprender isso – um pouco tarde. Mas mais vale tarde do que nunca. Será que o resto de nós está agora autorizado a defender e comprometer-se no mesmo tipo de relações diplomáticas que o regime de Bush e o Governo de Israel legitimaram?
Immanuel Wallerstein
Fernand Braudel Center

http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo303.htm

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