domingo, julho 06, 2008

Revolução cultural à portuguesa


“O que em sociedade desagrada aos grandes espíritos é a igualdade de direitos e, portanto, de pretensões, em face da desigualdade de capacidades” , Schopenhauer.
Em meados do século passado (1966), a República Popular da China, o maior e mais populoso território do planeta, vivia o agitado período de uma revolução cultural que fez ruir os pilares do conhecimento científico e o arquétipo do ensino universitário. Desta forma, em substituição de médicos de formação universitária, surgiram os chamados médicos de pés descalços, de formação rudimentar, também referenciados como médicos camponeses.
Em Portugal, em finais desse mesmo século, tem de se responsabilizar a tutela ministerial da altura por ter consentido, ou mesmo promovido, a formação de docentes deficientemente preparados para leccionar o 2.º ciclo do ensino básico, através de diplomas de licenciatura “à la minute” obtidos em escolas superiores privadas por antigos professores do ensino primário com o antigo 5.º ano dos liceus e um curso médio de 2 anos. Diz a sabedoria popular, “cada roca com o seu fuso, cada terra com o seu uso”. Sendo Portugal um pequeno e democrático país, como aceitar o mesmo fuso para rocas tão diferentes e o mesmo uso para terras tão distintas?
No findar de cada ano civil, as casas comerciais fecham, por dias, as respectivas portas para balanço, ou seja para avaliar os “stocks” de mercadorias existentes, assim como providenciar e programar as necessidades futuras. O sistema educativo nacional tem prescindido desses úteis balanços. Anos atrás, na opinião de Manuel Isidro Alves, reitor da Universidade Católica, “o poder político não conseguiu programar o sistema, foi ao sabor das ondas e, assim, resolveu problemas em lugar de programar politicamente um sistema”, tornando-se, assim, prosélito da “mão invisível”, descrita por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”.
Desta forma, os erros acumularam-se de ano para ano. Estando até então a ensinança do 2.º ciclo do básico a cargo exclusivo de licenciados universitários, não pode deixar de surgir a inevitável pergunta: Será justo que os direitos sejam repartidos agora entre estes e aqueles antigos professores do ensino primário ou diplomados por escolas superiores de educação sobejando os deveres para os licenciados universitários? Será justo o desrespeito pelo princípio sagrado de iguais deveres para iguais direitos, defendidos em sociedades democráticas e consagrados nos Estados de direito?
Dito de uma forma mais simples: Será possível melhorar o ensino pela diminuição da exigência na formação de um quadro docente? Fará sentido o ensino politécnico preparar professores para ministrarem simultaneamente, por exemplo, Matemática e Ciências da Natureza, no 2.º ciclo do básico, quando a universidade entende que estas duas licenciaturas por si outorgadas devem ser diferenciadas cabendo a cada uma delas, apenas, a leccionação de cada uma dessas matérias?
E porque, como se trata de melhorar o estado do ensino, o que dizer das “Novas Oportunidades” que, em meia dúzia de meses, se substituem ao ensino convencional, que exige uma aprendizagem que demora anos e anos, para fornecer diplomas do ensino básico e até secundário? Ou que dizer do acesso ao ensino superior, em que foi substituído o sério exame “ad hoc”, feito a nível nacional, que exigia dos candidatos uma apreciável cultura geral e, de certa forma, específica do curso superior a frequentar, por um simulacro de prova de acesso para maiores de 23 anos levada a cabo por escolas superiores privadas e até oficiais carentes de alunos que lhes mantenham as portas abertas para não entrarem em falência?
Os cábulas que frequentaram o ensino normal anos a fio sem conseguir o simples diploma do ensino básico e, muito menos, o diploma de estudos secundários, são bafejados pela sorte de trabalhar (ou melhor, fingir que trabalham) nas empresas dos seus progenitores e esperar pelos festejos dos 23 anos de idade para entrar no ensino superior. Ou seja, a simples data de nascimento passou a substituir diplomas escolares de acesso a este grau de ensino que, em grande parte, se mediocrizou.
Aliás, em inícios deste século, manifestava-se, nas colunas do jornal “Público”, onde é colunista com assento habitual, o professor de Direito da Universidade de Coimbra Vital Moreira contra o facilitismo de que enfermava já então o ensino superior e o respectivo acesso da forma expressiva de que aqui quero dar conta: “A ideia de democratizar o ensino superior pela via da banalização do acesso pela crescente degradação da sua qualidade não é somente um crime contra a própria ideia de ensino superior, é também politicamente pouco correcta”.
Em presença de um ensino degradado para níveis de pouca credibilidade pedagógica, humanística e científica, é licito que o país ou mesmo qualquer simples cidadão recriminem o actual poder político por não levar em linha de conta a boa doutrina de uma figura de peso na vida académica portuguesa e, também, no Partido Socialista que está no governo.
http://dererummundi.blogspot.com/

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