A cimeira euro-mediterrânica deste fim de semana trouxe uma notícia relevante: finalmente, a Síria venceu o isolamento internacional a que os EUA e a Europa a tinham votado. Não era necessária uma cimeira de ambiguidades para tal resultado. Mas se esta valeu para oficializar o facto, então foi bem-vinda. Tudo o resto é, de momento, indefinido e portanto, dispiciendo.
Pelo fim do isolamento, o presidente sírio ofereceu o reconhecimento formal do Líbano através da troca de embaixadores entre Beirute e Damasco. Este gesto já havia sido prometido pelo ministro dos negócios estrangeiros, mal fosse resolvida a crise institucional no país vizinho. Tem, contudo, enorme força simbólica. Desde que o Líbano se tornou independente, nunca se tinha verificado. Este gesto tem ainda um efeito interno no Líbano, que não é dispiciendo. A maioria parlamentar, dita “pró-ocidental”, tem feito da política anti síria o alfa e o ómega da sua unidade. Agora, resta-lhes acreditar numa guerra contra Teerão para reverterem a relação de forças.
NOVO GOVERNO EM BEIRUTE
A segunda novidade da cimeira também lhe é lateral. O novo presidente libanês, Michel Sleimane, trouxe na pasta um novo governo. Ele respeita as condições acordadas em Doha, que davam finalmente uma minoria de bloqueio à oposição. A sua constituição foi difícil porque as forças que apoiavam o anterior governo quiseram recuperar na secretaria o que haviam perdido no terreno e à mesa das negociações.
Acabou por ser o Hezbollah a facilitar o arranjo: ficou com um único ministro – o do Trabalho – e deu aos seus parceiros de oposição, drusos e cristãos, pastas a que tinha direito. Na verdade, este é um governo provisório, cuja principal função é preparar as eleições de Abril do próximo ano. No ministério do interior, uma pasta vital onde a disputa de influência tem sido duríssima, ficou um civil do presidente, que esteve recentemente em Bruxelas numa audição organizada por uma das delegações a que pertenço, a das relações com o Machrek. Isento na apresentação das questões relativas ao sistema eleitoral libanês, deixou excelente impressão.
Com a troca de embaixadores, o beneplácito francês e as negociações entre a Síria e Israel para a devolução dos montes Golã através da mediação turca, cria-se um quadro que dificulta aventuras militares até à eleição norte americana. Um ataque militar a Teerão continua a ser uma possibilidade que ninguém pode descartar. Mas, fora desta variável, o novo mapa das relações de força regionais dificulta aventuras e provocações que tenham o Líbano como epicentro.
AS CONTAS DE SARKOZY
Porque jogou Sarkozy a carta de Damasco? A tese mais especulativa é a de que os sírios se poderiam colocar em rota de colisão com Teerão e que esta política aceleraria esse processo. Não creio que Sarkozy acredite em contos de fadas. Damasco não alterará um milímetro os seus alinhamentos estratégicos enquanto existir um soldado norte-americano na região.
O presidente francês quer, isso sim, recuperar o papel da França na região, que os últimos anos de Chirac alienaram. Sarkozy não é insensível às mudanças na relação de forças regionais e está convencido de que a eleição norte-americana marcará, qualquer que seja o vencedor, um ajustamento no unilateralismo neoconservador. Sarkozy posiciona-se agora com os olhos postos em 2009. Tal como todos os outros actores locais e regionais. Paris tem interesse na pacificação da situação libanesa e precisa de Damasco para esse efeito. Prepara-se, se necessário, para conviver, tant mal que bien, com quem vencer as próximas eleições libanesas. Sarkozy é reaccionário e instável, mas não é estúpido.
Miguel Portas
http://www.infoalternativa.org/moriente/mo099.htm
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