segunda-feira, agosto 25, 2008

escola como espelho da sociedade


Uma das críticas que, em finais do século XIX, o Movimento da Educação Nova endereçava à escola dita tradicional, era o seu fechamento em relação à sociedade, que podia ser atestado, tanto pelos ensinamentos que transmitia, como pelas condições de frequência que impunha e, até, pelas características físicas que apresentava. Tinha sentido esta crítica, pois no século anterior, o currículo centrava-se em conteúdos que só muito remotamente tinham ligação com o progresso científico, técnico, artístico, literário que o Iluminismo havia proporcionado, sendo o internato rígido, em circunstâncias de austeridade, vigilância e punição, o regime mais comum, sobretudo nos estudos secundários.

À luz do entendimento emergente da criança, já não como um homúnculo mas como um sujeito específico e com direitos – entre os quais se contam o de beneficiar duma preparação adequada para se integrar, em termos pessoais e profissionais, no meio que a cerca – fazia sentido aproximar a escola da sociedade. E, apesar de Ferriére, um dos mais importantes ideólogos desse movimento, encarar a Escola Nova como um “internato familiar situado no campo", a preocupação com essa aproximação, conquistou mentalidades e concretizou-se em práticas várias durante todo o século XX.

De facto, muitas das correntes pedagógicas que se desenvolveram ou surgiram nesse século, não obstante as suas singularidades, partilham o pressuposto de que a escola e a sociedade têm de seguir o mesmo rumo. Assim, a escola, deve responder, de modo eficaz, às necessidades, desafios e orientações da sociedade, sendo que esta tem uma palavra a dizer na determinação dos desígnios daquela.

É este pressuposto que, no presente, me parece ter sido extremado, impondo-se à escola, com pretextos “politicamente correctos”, o imperativo de seguir e servir a sociedade, independentemente das características que ela tiver e das tendências que manifestar.

Ora, toda a sociedade que se preza deve deixar uma clara margem de liberdade à escola para que ela eduque os sujeitos não só para se manterem integrados nela, tal como existe, mas para que a conheçam, a discutam e, numa atitude crítica, a renovem. Ou seja, a sociedade deve deixar que a escola mantenha em relação a ela uma distância estratégica, ainda que isso possa vir a jogar contra si. Tal distância tem dado, de resto, notáveis resultados na evolução das diversas áreas do saber… Quando a escola é colocada ao serviço dos interesses políticos e religiosos totalitários, os resultados tornam-se pouco vantajosos para essas mesmas áreas.

Estamos perante um assunto que requer uma reflexão muito mais atenta do que aquela que fiz até aqui, mas ela serve para deixar um apontamento: a sociedade em que vivemos, que alguns apelidam de pós-moderna, não se apresenta com contornos totalitários, mas como relativista e subjectivista, concedendo aos “grupos de pertença” e ao “eu” um lugar de destaque. Daí que toda e qualquer decisão de políticos, argumentistas, escritores, educadores, etc. deva passar, ou dar a entender que passa, pela contemplação do “respeito” que se lhes deve, independentemente de quem são, do que pensem e do que tenham feito ou façam. E a escola vai no mesmo sentido...

Isto a propósito de o Canal Fox ter decidido não emitir, não só na Argentina, mas em toda a América Latina um episódio da famosíssima série Os Simpsons por nela se fazer
referência à ditadura peronista sendo mencionados, entre outros aspectos considerados incómodos, o desaparecimento de pessoas. A justificação dada ao mundo já é corriqueira: procurou-se evitar reabrir "feridas dolorosas”, “tocar num tema sério que poderia ferir muitas sensibilidades”, que “o assunto dos desaparecidos é muito sensível e não pode ser parte de uma piada”.

Aceitando a pertinência desta última justificação, o problema não passa só, nem principalmente, por aqui. Na verdade, quando, em 2002, um dos episódios desta série dava a ver ao Brasil a cidade do Rio de Janeiro muito distante dos postais turísticos, os cariocas ficaram descontentes e ripostaram. Nessa altura, os responsáveis pela série devem ter percebido que para agradar é preciso ser crítico mas… mais soft.

Infelizmente, a escola percebeu também isso e tem vindo a adoptar a mesma lógica do respeito cego por tudo e por todos. Um dos exemplos mais dramáticos desta lógica, que terá consequências trágicas na preparação das novas gerações, foi a supressão das Cruzadas, da Escravatura e do Nazismo dos currículos de História porque… são temas delicados, que podem causar melindre aos alunos, às suas famílias, à sua etnia, à sua cultura... Com a Palmira lembrou no De Rerum, aconteceu em Inglaterra, e depois em França. Em Portugal demorará a acontecer? E se acontecer, reagiremos da mesma maneira “compreensiva”?

É que também entre nós a sociedade e a escola parecem estar sintonizadas no esquecimento. Na verdade, as seguintes palavras de George Steiner não destoam no nosso sistema educativo: “a escolaridade é de amnésia planificada”.

Obra referida:
Steiner, G. & Ladjali, C. (2005). Elogio da Transmissão: O Professor e o Aluno. Lisboa: Dom Quixote.

Imagem retirada de:
http://3.bp.blogspot.com/_aoDhqUOxlA4/SJQf3WG3weI/
AAAAAAAAAJQ/PLaF8jOZBxk/s1600-h/bart-peron-copia.jpg
http://dererummundi.blogspot.com/

Sem comentários: