Chama-se Zahra Boudkour, é estudante na Universidade de Marraquexe e tem vinte anos. Por ter participado numa marcha pacífica de protesto, foi brutalmente agredida pela polícia, conduzida com centenas dos seus camaradas ao sinistro comissariado da praça Jemaa-El-Fna e selvaticamente torturada. Durante vários dias, os polícias obrigaram-na a permanecer nua, enquanto estava menstruada, em frente dos outros detidos. Para denunciar este ignóbil tratamento, Zahra começou em Junho uma greve de fome, encontrando-se actualmente em coma. A sua vida está presa por um fio [1].
Alguém na Europa já ouviu falar desta jovem estudante? A nossa comunicação social referiu por acaso a dramática situação de Zahra? Nem uma palavra. Nada se diz também sobre um outro estudante, Abdelkebir El Bahi, atirado pela polícia do alto de um terceiro andar e doravante preso, para o resto da vida, a uma cadeira de rodas, por causa de uma fractura da coluna vertebral…
Nenhuma informação igualmente sobre dezoito outros estudantes de Marraquexe, camaradas de Zahra, que, para protestar contra as suas condições de detenção na prisão de Boulmarez estão também em greve de fome desde 11 de Junho. Alguns já não conseguem estar de pé, vários vomitam sangue, outros estão a perder a vista e uns quantos, em estado comatoso, tiveram que ser hospitalizados
Tudo isso perante a indiferença e o silêncio gerais. Só os familiares manifestaram a sua solidariedade, o que foi considerado como um gesto de rebelião. E também eles foram odiosamente corridos à bastonada.
Nada disto está a acontecer num país longínquo, como poderiam ser o Tibete, a Colômbia ou a Ossétia do Sul, mas tão só a catorze quilómetros da Europa. E num Estado que é anualmente visitado por milhões de europeus e cujo regime beneficia, nos nossos meios de comunicação social e por parte dos nossos dirigentes políticos, de uma estranha tolerância e indulgência.
Contudo, desde há um ano, multiplicam-se os protestos por todo o Marrocos: revoltas urbanas contra a carestia de vida e insurreições camponesas contra os abusos. O motim mais sangrento aconteceu a 7 de Junho em Sidi Ifni, quando uma manifestação pacífica contra o desemprego nessa cidade foi reprimida com tal brutalidade que provocou uma verdadeira insurreição urbana com barricadas de rua, incêndios de edifícios e tentativas de linchamento de autoridades públicas. Em resposta, as forças de repressão actuaram com uma ferocidade desmedida. Além de ocasionarem dezenas de feridos e de detidos (entre eles, Brahim Bara, do comité local da ATTAC), Malika Khabbar, da Organização Marroquina dos Direitos Humanos, denunciou «violações de mulheres» [2] e o canal árabe de informação Al Jazeera falou de «um a cinco mortos».
As autoridades desmentem estas informações, tendo imposto uma “versão oficial” sobre os acontecimentos, sancionando toda a informação que não coincida com esta. Uma Comissão Parlamentar investiga os acontecimentos, mas as suas conclusões só servirão, como é hábito, para enterrar o problema.
A pouco e pouco, desvaneceram-se as esperanças nascidas há nove anos com a chegada ao trono do jovem rei Mohammed VI. Se algumas pinceladas, de acordo com a prescrição de “mudar para que tudo continue na mesma”, modificaram o aspecto da fachada, o edifício, com os seus sinistros subterrâneos e passagens secretas, permaneceu inalterado. Os tímidos progressos em matéria de liberdades não transformaram a estrutura do poder político: Marrocos continua a ser o reino da arbitrariedade, uma monarquia absoluta na qual o soberano é o verdadeiro chefe do executivo e na qual o resultado das eleições é determinado, em última instância, pelo coroa que, ainda por cima, nomeia “a dedo” os principais ministros, designados como “ministros de soberania”.
A estrutura de propriedade também não foi, no essencial, modificada. Marrocos continua a ser um país feudal em que algumas dezenas de famílias, quase todas próximas do trono, controlam as principais riquezas (graças à herança, ao nepotismo, à corrupção, à cleptocracia e à repressão).
Actualmente a economia vai bem, com um crescimento do PIB de 6,8 por cento previsto para 2008 [3], que se deve sobretudo aos milhões de emigrantes e suas remessas de divisas, as quais constituem a principal fonte de ingressos do país, com o turismo e a exportação de fosfatos. Mas os pobres são cada vez mais pobres. As desigualdades nunca foram tão grandes, nem o clima de frustração tão palpável. E a explosão de novas revoltas sociais nunca esteve tão iminente.
Porque existe também uma impressionante vitalidade na sociedade civil, com associações activas e audazes que não têm medo de defender os direitos e as liberdades. Muitas destas associações são laicas, outras são islamitas. Um islamismo que se alimenta da enorme frustração social e que, de facto, constitui a principal força política do país. O movimento Al Adl Wal Ihsane (não reconhecido, mas tolerado), dirigido pelo xeque Yassine e que não participa nas eleições, juntamente com o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), que nas eleições legislativas de Setembro de 2007 obteve o maior número de votos, dominam amplamente o mapa político. Mas não lhes é permitido governar.
O que instiga grupos minoritários a escolher a via da violência e do terrorismo, que as autoridades combatem com mão de ferro. Com o apoio interessado da União Europeia e dos Estados Unidos [4]. É esta aliança objectiva que leva a fechar os olhos perante as violações dos direitos humanos que continuam ali a ser praticadas. É como se a diplomacia ocidental dissesse às autoridades de Rabat: em troca da vossa luta contra o islamismo, perdoar-vos-emos tudo, incluindo a vossa luta contra a democracia.
[1] Le Journal hebdomadaire, Casablanca, 26 de Julho de 2008.
[2] Ibid., 12 de Julho de 2008.
[3] Le Monde, 10 de Agosto de 2008.
[4] Washington está a construir uma imensa base militar na região de Tan-Tan, no Norte do Sara Ocidental, para aí instalar a sede do Africom, o comando africano das suas forças armadas, cuja missão será controlar militarmente o continente.
Ignacio Ramonet,
http://infoalternativa.org/spip.php?article78
Sem comentários:
Enviar um comentário