quarta-feira, setembro 03, 2008

Carta Aberta de um professor reformado

Li, no blogue de Paulo Guinote, A Educação do Meu Umbigo, a Carta Aberta, que a seguir transcrevo, escrita pelo professor Joaquim Moedas Duarte, da Escola P. Francisco Soares, de Torres Vedras, reformado desde o passado mês de Janeiro.
Sei que é mais um testemunho a juntar a milhares de outros, mas por isso mesmo, por ser mais um testemunho que fala simplesmente a verdade, é que deve ser divulgado.
O país deveria ser inundado com estes testemunhos para que a ministra da Educação e o primeiro-ministro pudessem sentir vergonha de serem os responsáveis pela saída compelida de milhares de professores para a reforma antecipada. Todos estes professores saem antecipadamente para a reforma porque sentem repugnância pelo estado a que chegou a Educação em Portugal e porque sentem que foram objecto de inimagináveis injustiças alegremente promovidas pelos responsáveis políticos do actual governo.
Eu, que tenho 48 anos de idade, 27 anos de serviço e que amo a minha profissão, se pudesse, também seria um deles, seria, agora, um reformado compelido pelas barbaridades da política educativa deste governo. Como não sou, combaterei, por todas as formas que a legalidade permita e a minha consciência ordene, a incompetência, a iniquidade e a arrogância políticas da ministra Maria de Lurdes Rodrigues e do primeiro-ministro José Sócrates.
Segue a Carta Aberta do professor Joaquim Moedas Duarte, reformado há oito meses.

CARTA ABERTA AOS MEUS COLEGAS PROFESSORES
Pela primeira vez em muitos anos não retomo a actividade docente no início do ano lectivo. Mas não o lamento e é isso que me dói. Sempre disse que queria ficar na escola mais alguns anos para além do tempo da reforma, desde que tivesse condições de saúde para tal. Contudo, vi-me “obrigado” a sair mais cedo, inclusive aceitando uma penalização de 4,5% sobre o vencimento.
Não sou protagonista de nada: o meu caso é apenas mais um no meio de milhares de professores a quem este Governo afrontou. Só quem não conhece as escolas e tem uma ideia errada da função docente é que não entende isto.
É doloroso ouvir pessoas que sempre deram o máximo pela sua profissão, que amam o ensino e têm uma ligação profunda com os alunos, a dizerem que estão exaustas e que lamentam não serem mais velhas para poderem reformar-se já. Vejo com enorme tristeza estes colegas a entrarem no ano lectivo como quem vai para um exílio. Compreendo-os bem…
 Este estado de coisas tem responsáveis: são a equipa do Ministério da Educação e o Primeiro-ministro. 
A eles se deve a criação de um enorme factor de desestabilização e conflito nas escolas que é a divisão artificial da carreira docente entre “professores titulares” e os outros que o não são. Todos fazem o mesmo, a todos são pedidas as mesmas responsabilidades, mas estão em patamares diferentes, definidos segundo critérios arbitrários.
 A eles se deve um sistema de avaliação de desempenho que não é mais do que a extensão administrativa daquele erro colossal.
 A eles se deve a legislação que não reforça a autoridade dos professores na escola, antes os transforma em burocratas ao serviço de encarregados de educação a quem não se pedem responsabilidades e de alunos a quem não se exige que estudem e tenham sucesso por mérito próprio.
No ano passado 100 000 mil professores na rua mostraram que não se conformavam com este estado de coisas. O Governo tremeu. Mas os Sindicatos de professores não souberam gerir esta revolta legítima. Ocupados por gente que não dá aulas, funcionalizados e alienados pelo sistema, apressaram-se a assinar um acordo que nada resolveu, antes adiou um problema que vai inquinar o ano lectivo que hoje começa.
Todos os que podem estão a vir-se embora das escolas, é a debandada geral. Gente com a experiência e a formação profissional de muitos anos, que ainda podiam dar tanto ao ensino, retiram-se desgostosos, desiludidos, magoados. Deixaram de acreditar que a sua presença era importante e bateram com a porta. O Governo não se importa, nada faz para os segurar: eram gente que tinha espírito crítico e resistia. «Que se vão embora, não fazem cá falta nenhuma!»
Não, não tenho pena de não voltar à escola. Pelo contrário: entro em Setembro com um enorme alívio. Mas não me sinto bem. Estou profundamente solidário com os meus colegas de profissão e tenho a estranha sensação de que os abandonei, embora saiba quanto isso é pretensioso da minha parte. Vejo com apreensão e desgosto que, trinta e sete anos depois de começar a ser professor, a escola não está melhor.
 Sim, regressarei hoje à escola. Mas só para dar um imenso abraço àqueles que, corajosamente, como professores no activo, enfrentam um novo ano lectivo.
Torres Vedras, 1 de Setembro de 2008

Joaquim Moedas Duarte
http://www.oestadodaeducacao.blogspot.com/

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