Os acontecimentos dos últimos dez dias na Wall Street representam uma fase nova e mais desestabilizadora da comoção que agarra as instituições financeiras e os mercados nos EUA. Uma crise financeira que tem estado a desdobrar-se ao longo de mais de um ano. Ela já é agora a mais séria crise financeira do capitalismo estado-unidense desde a Grande Depressão da década de 1930. E de forma alguma contida ou sob controle.
O edifício financeiro do imperialismo americano está em perigo de desintegração. E a classe dominante dos EUA está a remendar medidas desesperadas para impedir o colapso generalizado.
Esta análise examina as erupções recentes na Wall Street em meados e fins de Setembro e as causas estruturais mais profundas da crise.
A Wall Street entra em pânico, os guardiões do capitalismo estado-unidense debatem-se
A) Uma semana de aprofundamento da crise financeira
Dois dos últimos dois bancos de investimento independentes na Wall Street deixaram de existir em meados de Setembro. Numa questão de horas, o Lehman Brothers entrou em bancarrota (a 15/Setembro), ao passo que o Merrill Lynch foi forçado à liquidação e a seguir absorvida pelo Bank of America. Isto segue-se à tomada de controle, promovida pelo governo em Abril, do Bear Stearns, outro banco de investimento gigante que estava encostado às cordas, pelo JPMorgan Chase.
Isto ocorreu apenas algumas semanas antes de o governo estado-unidense ter tomado os dois maiores e insolventes gigantes das finanças hipotecárias – a Fannie Mae e o Freddie Mac. Naquele momento, esta tomada fora apresentada como se proporcionasse uma muralha (firewall) contra futuras erupções financeiras. Mas isto demonstrou-se ser apenas um remendo de um buraco durante um terramoto. Na semana passada o governo teve de assumir o comando do American International Group (AIG), a gigantesca firma de seguros financeiros.
A AIG tem mais de um milhão de milhões (trillion) de activos. Elas ganhou lucros enormes ao fazer seguros de investimentos apoiados por hipotecas que circulavam no sistema financeiro os quais eram possuídos por outros bancos. Mas isto resultou num desastre. Aqui está algo do que aconteceu:
Através da fraude e do marketing agressivo, os bancos venderam hipotecas às pessoas. O Federal Reserve Bank bombeou fundos a baixo custo para dentro do sistema bancário a fim de impulsionar empréstimos hipotecários. Estes empréstimos foram então juntados em maiores grupos de empréstimos pelos bancos de investimento (como a Lehman Brothers) e transformados em produtos financeiros que eram vendidos nos mercados financeiros. Verificou-se toda espécie de concessão de empréstimos tendo estes empréstimos originais como colateral. Mas quando os preços da habitação caíram, e as hipotecas não podiam ser pagas, grandes parte deste colateral tornou-se sem valor.
A AIG estava a segurar grande parte destas concessões de empréstimos contra o risco de perda. Mas quando as perdas subiram astronomicamente, a AIG não podia cobrir os custos do apoio a esta dívida nem tomar emprestados fundos nos mercados financeiros a fim de manter-se a flutuar.
Os mercados financeiros basicamente perderam a confiança, e os activos da AIG caíram de valor. A AIG estava em perigo de colapso. Mas se a AIG estava assim, era grande a probabilidade de que arrastasse outras instituições financeiras consigo. Isto forçou a mão do governo.
Normalmente, as chamadas dívidas podres são comercializadas a preços de saldo. Durante a tempestade financeira de meados de Setembro, não só não havia tomadores para a dívida como também demonstrou-se ser impossível para os mercados financeiros estabelecerem qualquer espécie de valor sobre esta dívida.
Como o ritmo da crise financeira tornava-se mais frenético durante a semana de 15 de Setembro, a classe dominante dos EUA estava confrontada com um perigo duplo: perdas adicionais e em cadeia e bancarrotas no sector financeiro; e o possível sufocamento dos canais de concessão de empréstimos, o que poderia remeter a economia como um todo para uma rápida espiral de declínio.
A 19 de Setembro, o governo dos EUA anunciou o que provavelmente se verificará ser a maior operação de salvamento da história do país. Seu custo inicial é de US$700 mil milhões, e isto acumula-se com os US$200 mil milhões destinados a escorar o Freddie Mac e a Fannie Mae e ainda os US$85 mil milhões para salvar a AIG.
B) Dimensões internacionais
Isto é uma crise financeira e de crédito contínua. Ela está a ampliar-se internacionalmente com estouros de instabilidade. Com o turbilhão da semana passada nos mercados dos EUA o mercado de acções russo afundou e encerrou durante dois dias. Em outras partes do mundo, aumenta a preocupação sobre se empréstimos baseados no dólar em mercados globais continuariam na escala necessária para sustentar operações diárias de negócios. Em resposta, os bancos centrais da Alemanha, Japão, Inglaterra, Canadá e Suíça bombearam uns US$185 mil milhões para dentro dos mercados financeiros.
E a ansiedade dos investidores está a crescer no Extremo Oriente. A China, o Japão e a Coreia do Sul, por exemplo, contam com os EUA como mercado principal para as exportações.
Uma das características mais significativas do crescimento e expansão mundial ao longo da última década tem sido o aprofundamento da integração da economia do mundo capitalista. Isto está a acontecer tanto ao nível da produção e do comércio — como as peças que constituem um automóvel produzidas em diferentes fábricas no mundo todo. E isto está a acontecer ao nível das finanças — em que os bancos estão mais globalmente e estreitamente interligados uns com os outros através de cadeia de tomadas e concessões de empréstimos e mesmo, como no caso da AIG, de seguros dos riscos das tomadas e concessões.
A operação de resgate anunciada pelo governo dos EUA foi provocada, por um lado, pela necessidade de estancar a hemorragia do sistema financeiro estado-unidense; e, por outro lado, pela necessidade de restaurar confiança internacional na economia dos EUA.
Raymond Lotta
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