segunda-feira, setembro 29, 2008

A discriminação de remunerações em Portugal

A discriminação de remunerações em Portugal, com base no sexo, é tanto maior quanto mais elevada é a escolaridade e a qualificação da mulher, e dá um lucro extra aos patrões superior a 6,1 mil milhões euros/ano

O Eurofound acabou de publicar um estudo, o qual mostra que, entre 28 países, Portugal é o país onde a discriminação de remunerações com base no género é maior (em Portugal, a remuneração média das mulheres é inferior à dos homens em 25,4%), sendo apenas ultrapassado pela Eslováquia. Mas isto é um valor médio. Se se fizer uma análise mais fina por nível de escolaridade, por qualificação profissional e por sector de actividade, utilizando dados divulgados pelo próprio governo (Ministério do Trabalho e Solidariedade Social), conclui-se que, para muitas mulheres, a discriminação a que continuam sujeitas é muito maior.
A discriminação remuneratória a que a mulher está sujeita no nosso país é tanto maior quanto mais elevada é a sua escolaridade. Em 1995, por ex., o ganho médio das mulheres com um nível de escolaridade inferior ao 1º ciclo do ensino básico era inferior ao dos homens, com o mesmo nível de escolaridade, em –19%, enquanto, no mesmo ano, uma mulher com o ensino superior ganhava em média entre –28,5% e –40% do que um homem com o mesmo nível de escolaridade. E, em 2006, as primeiras – com escolaridade inferior ao 1º ciclo do ensino básico – ganhavam –19,1% do que os homens, enquanto as segundas – as com o ensino superior – ganhavam entre –31,8% e –34,4% do que os homens.
A discriminação remuneratória da mulher é também tanto maior quanto mais elevada é a sua qualificação. Por ex., em 1995, o ganho médio da mulher pertencente ao grupo dos “quadros superiores” era inferior ao do homem com idêntica qualificação em –24,8%, enquanto a nível do grupo de “praticantes e aprendizes” essa diferença era apenas de –7,8%. Entre 1995 e 2006,a situação até se agravou. E isto porque, em 2006, o ganho médio das mulheres do grupo “quadros superiores” era inferior ao dos homens em –29,7% (–4,9 pontos percentuais do que em 1995), enquanto o ganho médio das mulheres do grupo “praticantes e aprendizes” era inferior ao dos homens em –7,9% (–0,1 pontos percentuais do que em 1995). Se se analisar a variação verificada no período 2004-2006 entre os ganhos médios dos homens e os das mulheres, conclui-se que, entre 2004 e 2006, o aumento médio verificado nos ganhos das mulheres pertencentes ao grupo “quadros superiores (+106,66€) foi inferior à subida registada no ganho médio dos homens no mesmo período (+249,54€) em –57,3%; enquanto a nível de “praticantes e aprendizes” o aumento dos ganhos das mulheres (+31,97€) foi inferior ao dos homens (+42,18€) em –24,2%, ou seja, um valor que é menos de metade do verificado no grupo com qualificações mais elevadas.
A discriminação remuneratória das mulheres também é desigual a nível de sectores de actividade, atingindo em alguns deles valores chocantes. Por ex., a discriminação remuneratória da mulher é extremamente acentuada na “Indústria Transformadora” e nas “ Outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais”, e não melhorou nos últimos anos. Em 1995, o ganho médio da mulher na indústria transformadora era inferior ao do homem em –32,6% e, em 2006, continuava a ser inferior em –31,9%. Em relação ao sector “Outras actividades de serviços colectivos sociais e pessoais”, em 1995, o ganho médio da mulher era inferior ao dos homens em –46,5% e, em 2006, em –42%.
As entidades patronais obtém elevados lucros extraordinários à custa da sobre-exploração que resulta da discriminação remuneratória a que continuam sujeitas as mulheres em Portugal. No 2º trimestre de 2008 existiam em Portugal 1.879.900 trabalhadoras por conta de outrém. Se retirarmos as trabalhadoras da Administração Pública, ficarão 1.487.900. Se multiplicarmos este total pela diferença entre o ganho médio de um homem e de uma mulher em 2008, que deverá rondar os 249,54€/mês, e se depois multiplicarmos o valor obtido por 14 meses, obtém-se 5.170 milhões de euros por ano. Este valor seria aquele que as entidades patronais teriam de pagar a mais às trabalhadoras por conta de outrém se não existisse discriminação remuneratória em Portugal com base no sexo. Se acrescentarmos a parcela que resulta da discriminação salarial imposta às trabalhadoras com “falsos recibos verdes” obtém-se 6.068 milhões por ano. Este valor dá bem uma ideia dos elevadíssimos lucros extraordinários obtidos anualmente pelas entidades patronais da discriminação a que continuam a sujeitar as mulheres em Portugal.
Um exemplo real e paradigmático. No sector corticeiro, onde domina o grupo Amorim, do homem mais rico de Portugal (fortuna de 3.106 milhões de euros), 5.000 trabalhadoras fazem o mesmo que os homens, mas ganham menos 97,66 euros/mês. As mulheres, pelo facto de serem mulheres (ex.: laminadoras), são enquadradas no Grupo XVI da Tabela Salarial e ganham apenas 544,5€; e os homens (ex.: laminadores), pelo facto de serem homens, são enquadrados no grupo XIV e ganham 642,16€. A discriminação é tão evidente que, face à denuncia dos sindicatos, os patrões apresentaram uma proposta, que está no Ministério do Trabalho, pretendendo que essa discriminação só seja eliminada ao fim de 8 anos, aumentando o salário das trabalhadoras apenas 12,5€ por ano. Para que se possa ficar com uma ideia dos lucros das entidades patronais no sector corticeiro, e nomeadamente do grupo Amorim, resultante desta discriminação, basta dizer que a diferença para menos de 97,66€ por ano nos salários das trabalhadoras representa um lucro extra para os patrões de 6,8 milhões de euros por ano. As perguntas que se colocam são as seguintes: Por que razão a Inspecção de Trabalho não vai às empresas corticeiras, começando pelas do grupo Amorim, e não analisa as funções dos homens do grupo XIV e das mulheres do grupo XVI e, se elas forem idênticas, por que razão não faz cumprir a Constituição e o Código do Trabalho? Por que razão os patrões das cortiças, em particular o grupo Amorim, poderão fixar um prazo de 8 anos para cumprir o art.º 28 do Código do Trabalho e o art.º 59 da Constituição? Que poder tem o grupo Amorim sobre o governo e sobre o Ministério do Trabalho para poder fazer isso? São as perguntas que naturalmente se colocam e que deixamos para reflexão dos leitores.
Eugénio Rosa
http://infoalternativa.org/spip.php?article125

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