Parece uma ameaça a pairar sobre a nossa cabeça. Ironicamente ou não, a frase é o slogan da ADECCO, uma das muitas empresas de trabalho temporário (ETT) a operar em Portugal. Uma visita aos sites destas empresas é uma viagem a um futuro sombrio. Por mais que ensaiem uma linguagem encantatória para vender os supostos benefícios deste reino de liberdade e de movimento contínuo que é o trabalho precário, só há duas sensações possíveis nesta viagem: a da revolta com o cinismo ou a da ironia com a novilíngua dos protegidos do São Vitalino.
Nos anos 60, uma parte da esquerda fazia a crítica da civilização industrial capitalista por esta ser, também, feita de instituições cuja complexidade e rigidez prendiam os indíviduos, alienavam e limitavam a sua autonomia: era a crítica expressiva da burocracia rígida e estática enquanto “jaula de ferro”. O capitalismo apropriou-se da crítica. A linguagem das ETT’s é essa: reclamando a liberdade e a fluidez, erigindo a palavra “escolha” em fetiche, utilizam as novas técnicas de gestão para intensificar a exploração. Flexibilidade é o nome que lhe têm dado.
«A flexibilidade é o segredo do sucesso empresarial. A instabilidade dos mercados obriga a controlar os custos fixos, nomeadamente os encargos com os colaboradores. Só recorrendo ao Trabalho Temporário se consegue a maximização da competitividade, através da redução de custos fixos» - é assim que a Multitempo (uma ETT) se apresenta no seu site. Como uma forma dos patrões pouparem dinheiro pagando menos aos trabalhadores. Assim mesmo.
As ETT’s arranjam o que os patrões precisarem: «qualquer que seja o sector de trabalho da sua empresa, a Flexpeople tem excelentes recursos para lhe oferecer. Os profissionais mais competentes, as pessoas mais indicadas para as necessidades da sua empresa, estão connosco. Estamos certos que existem profissionais muito interessados em agarrar os desafios da sua empresa. E nós sabemos onde encontrá-los». Fantástico!
As ETT’s têm todas “os profissionais mais competentes”, mesmo que isso seja logicamente impossível. Mais ainda: para as ETT’s, nós trabalhamos todos em equipas eternamente “jovens e dinâmicas”, muito “motivadas”, sempre em constante “mudança e criatividade” e todos somos “colaboradores” (quando não mesmo “utilizadores”!) deste maravilhoso mundo novo do trabalho.
O site da Flexilabor (outra ETT) apresenta o seguinte anúncio de oferta de trabalho: «O candidato deve ter excelente postura e capacidade de comunicação, deve ser responsável e de confiança. O candidato deverá ter gosto pelo trabalho em equipa, boa capacidade de argumentação, ser proactivo e simpático. Concentração e fácil relacionamento interpessoal são também dois factores relevantes. Disponibilidade total e imediata para trabalhar o fim de semana. Se gosta de trabalhar em equipa e tem capacidade para trabalhar em situações de stress envie agora a sua candidatura». E, no fim, o slogan da empresa: «Flexilabor, flexibilidade inteligente».
Extraordinário. Ser simpático, jovem, dinâmico, competitivo mas com capacidade de trabalhar em equipa e sob stress, concentrado, permanentemente disponível. O indivíduo ideal do novo capitalismo é um recurso ilimitado, que tem de estar totalmente mobilizado física e psiquicamente para o trabalho, que deve aderir “ao espírito da empresa”, que deve investir-se em absoluto na sua função. Que deve aderir à sua própria dominação e dedicar-se a lutar pelo seu “lugar ao sol” (porque há poucos…). De preferência, estar tão concentrado nisso que o medo e a impotência conduzam à auto-negação dos direitos. E, no fim do mês, depois do horário completo com aquela folga por semana, quando recebe o seu salário de 300 euros mais os prémios de assiduidade e performance, o trabalhador deve ficar calado. Calado, mas com um sorriso jovem e dinâmico na cara.
A perversidade não podia ser maior. Na verdade, a “ideologia gestionária” é uma forma refinada de dominação: o poder parece exercer-se menos de forma hierárquica e autoritária e mais através de um incitamento ao investimento ilimitado de si no trabalho. Ou seja, ritmos mais intensos, remuneração dependente da performance, luta de todos contra todos.
Não é por acaso que o stress, a ansiedade, o esgotamento profissional têm aumentado no sector dos serviços, nomeadamente neste dos call-centres. O sofrimento no trabalho agudiza-se, mas tende a ser vivido como uma incapacidade individual, ou seja, é assunto de psicólogo ou psiquiatra (“não teve capacidade de lidar com o stress, não soube ser proactivo, não foi suficientemente jovem e dinâmico”), e não de sindicato ou de luta de classes. As empresas externalizam assim para os indivíduos a violência das relações de trabalho que geram. E, enquanto o fazem, cantam sem vergonha o seu aparente humanismo: «RHmais. Mais pelas pessoas» - eis o slogan de uma outra ETT a explorar em Portugal e cuja assinatura, repetida no final de cada parágrafo, é extraordinária: «São as soluções que têm importância, não os problemas».
Acontece que as ETT são, no mundo de trabalho, parte do problema e não parte da solução. São verdadeiros antros de ilegalidade, de exploração e de roubo dos trabalhadores. E, pouco a pouco, vão tentando colonizar corpos e espíritos. É também por isso que vamos para a rua. Durante os próximos dias, a Marcha da Precariedade vai ocupar ruas e praças. Vai falar alto e chamar os bois pelos nomes. Vai dar importância aos problemas e mostrar que há outras soluções.
http://www.infoalternativa.org/
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