quinta-feira, setembro 25, 2008

O colapso capitalista

Trabalhadores e oprimidos pagam milhares de milhões para salvar a Wall Street

Com o salvamento governamental de US$85 mil milhões da AIG, a gigante dos seguros, a Reserva Federal e o Departamento do Tesouro fizeram outra tentativa desesperada para sustentar uma estrutura financeira global em processo de colapso.

Esta última tentativa de resgatar uma enorme firma financeira vem a seguir ao salvamento de US$200 mil milhões dos dois maiores bancos hipotecários do mundo, a Fannie Mae e o Freddie Mac, há apenas 10 dias.

Acordos secretos enviam a conta para os trabalhadores

O presidente do Federal Reserve Bank of New York, Timothy Geithner e o secretário do Tesouro Henry Paulson têm estado assoberbados em reuniões ininterruptas, carpinteirando acordos. Isto tem sido efectuado em segredo, por trás das costas dos trabalhadores e das camadas médias, as quais será remetida a conta. Eles têm estado a desenvolver estes acordos com os mesmos tubarões dos empréstimos da alta finança cujas orgias de especulação, jogo e fraude na busca do lucro levaram à crise.

A farra especulativa da Wall Street levou a uma crise mundial realmente formidável.

Ao longo dos últimos três dias, a AIG, a maior companhia seguradora do mundo com UM MILHÃO DE MILHÕES de dólares em activos, esteve a poucos horas da bancarrota.

A Lehman Brothers, um prestigiado banco de investimento com 158 anos de idade, com US$639 mil milhões em activos e US$613 mil milhões em dívidas, caiu na maior bancarrota da história dos Estados Unidos.

A Merrill Lynch, outro pilar dos bancos de investimento com mais UM MILHÃO DE MILHÕES de dólares em activos, conseguiu evitar a bancarrota só depois de ser engolida pelo Bank of America.

O Washington Mutual, a maior caixa económica dos EUA, teve a classificação dos seus títulos reduzida a lixo e está encostada às cordas.

Quando a crise da bancarrota estava em desenvolvimento, na quinta-feira 11 de Setembro, Paulson disse aos banqueiros que o governo estava a acabar de intervir e que eles teriam de resolver o problema entre si próprios. Isso foi na semana passada. Agora o governo dos EUA providenciou mais US$85 mil milhões para salvamento dos bancos. É um sinal de crise e de fraqueza.

Se bem que o salvamento da Fannie Mae e do Freddie Mac tivessem dado alívio aos possuidores de milhões de milhões de dólares de dívidas que possuíam junto aos dois bancos hipotecários, isto também colocou uma enorme tensão sobre o sistema financeiro e foi mais um sinal de fraqueza e fragiliza profunda. Novos salvamentos foram excluídos, disse o governo. Este limite foi como traçar uma linha na areia.

Mas as declarações de Paulson e Geithner não tiveram impacto sobre os banqueiros. Eles buscavam os seus próprios interesse imediatos e jogaram à defesa frente ao seu próprio governo. No fim, se bem que Washington deixasse a Lehman Brothers fracassar, a AIG era uma outra história. O Federal Reserve Board e o Tesouro fizeram uma meia volta humilhante e intervieram no último minuto, "temendo uma crise financeira à escala mundial". ( New York Times, Sept. 17)

O salvamento da AIG pelo Fed é instrutivo quanto à profundidade da crise. A AIG nem sequer é um banco. Ela não é regulamentada pelo governo federal. O Fed teve de utilizar poderes de emergência para intervir, os quais são considerados necessários não só porque a AIG emite apólices de seguros para milhões de indivíduos e empresas comerciais como também porque ela segurou mais de US$400 mil milhões em títulos apoiados por hipotecas e outros investimentos de risco de jogadores e especuladores por todo o globo.

A AIG tomou dinheiro emprestado de muitos dos grandes bancos e jogou seus activos a fim de fazer maiores lucros. Quando as hipotecas começavam a cair e os possuidores dos títulos apoiados por hipotecas começavam a pedir seus pagamentos dos seguros, a posição financeira da AIG estava a deteriorar-se numa base diárias e até horária.

A imprudência financeira do sistema pode ser medida pelo facto de uma companhia de seguros, que é suposta ser regulamentada a fim de se manter conservadora, precisamente porque é a guardiã de fundos que devem estar disponíveis para cumprir as necessidades de emergência dos segurados, fosse livre para participar no casino global.

A AIG opera em mais de 100 países, tem 116 mil empregados — 62 mil na Ásia — e tem instalações bancárias privadas para gente rica. Ela faz corretagem de negócios em acções, administra fundos mútuos, possui 900 aviões no seu negócio de leasing e em geral alavancou seu negócio de seguros numa operação especulativa globalizada.

Crise dos trabalhadores e oprimidos é ignorada

A crise dos banqueiros produziu manchetes sensacionais, com relatos hora a hora da agonia de um punhado de milionários e bilionários na Wall Street. Mas os media capitalistas deixaram de lado o drama real da massa de arrestos e despedimentos que afectam as vidas de milhões de trabalhadores.

Centenas de milhares de milhões de dólares foram repartidos entre banqueiros que caíram numa crise em grande parte devido a empréstimos hipotecários predatórios e à revenda daquelas hipotecas no mercado capitalista global. Nenhum alívio está previsto para as vítimas da indústria hipotecária da banca.

Foi dada pouca atenção à notícia de que em Agosto houve 303.879 pedidos de arrestos — um aumento de 12 por cento em relação ao mês anterior e um acréscimo de 27 por cento em relação ao ano passado. Uma em cada 416 famílias nos EUA recebeu um aviso de arresto no mês de Agosto. Só na Califórnia houve 101.714, mais de 40 por cento em relação ao mês anterior e 75 por cento mais do que um ano atrás.

Enquanto derrama lágrimas sobre as agruras dos banqueiros, a imprensa capitalista não apresenta manchetes acerca de um estudo recente intitulado "Estado do sonho: arrestado" ("State of the Dream: Foreclosed"), o qual mostrava que a crise dos arrestos resultara na maior destruição de riqueza pessoal na história das comunidades afro-americanas e latinas.

Segundo o estudo, mutuários afro-americanos perderam entre US$71 e US$92 mil milhões devido aos empréstimos contraídos ao longo dos últimos oito anos. O número para a população latina, o qual é ainda mais elevado do que para a população afro-americana, mostra perdas dentre os US$75 e os US$98 mil milhões.

Juntamente com a crise financeira está a crise crescente da economia capitalista geral, pois a super-produção resulta em subida do desemprego. Mais de 84 mil trabalhadores perderam o emprego em Agosto, elevando o total anual a mais de 605 mil. Mais de dois milhões de pessoas foram acrescentadas ao desemprego nos últimos 12 meses, elevando o total oficial a 9,4 milhões. O desemprego a longo prazo também está a aumentar.

O desemprego dos trabalhadores negros atingiu 10,6 por cento, devido principalmente a perdas de emprego entre mulheres negras. O desemprego entre mães solteiras e juventude também está a crescer. E estes números governamentais não incluem milhões de trabalhadores desencorajados que desistiram de procurar emprego.

Em meio à crise do crédito, foi anunciado que a produção industrial – a base do emprego e do rendimento – em Agosto caiu no máximo de três anos. Houve uma diminuição de 1,1 por cento na produção das fábricas, minas e serviços públicos. A produção automóvel caiu 12 por cento, a maior queda numa década.

Uma coisa está clara com a presente crise: Nem a classe capitalista , que possui toda a riqueza produtiva, nem o governo capitalista, que supervisiona o sistema, tem o controle da situação económica ou financeira.

Cada medida que eles tomam para deter a crise do crédito é seguida por outra erupção de pânico. Cada vez que o mercado de acções sobe, ele rapidamente perde todos os seus ganhos e ainda mais. E por muito que os sábios declarem não haver recessão, o crescimento firme do desemprego e o declínio da produção continua, sem consideração por quaisquer dos chamados "estímulos económicos".

Mudança na psicologia da classe dominante

A intervenção do governo capitalista na crise bancária provocou uma mudança súbita na psicologia da classe dominante pois esta observa o seu sistema a girar descontroladamente. Depois de o sistema capitalista ter ultrapassado a crise da década de 1930, os patrões nos EUA começaram a esquecer-se das razões porque o presidente Roosevelt havia tomado medidas sem precedentes para resgatar a economia. Eles começaram a desdenhar qualquer intervenção do governo nos seus assuntos.

Naturalmente, eles sempre estiveram prontos para receber esmolas sob muitas formas — subsídios, gastos militares, legislação especial, isenções fiscais, etc. Mas sentiam-se os altos e poderosos dominadores corporativos do mundo.

Intervenção do governo, dizem eles, era para a Europa e social-democratas. As classes dominantes europeias haviam sido sacudidas pelos trabalhadores e pela luta de classe, pela divisão e pela guerra. Porque os dominadores europeus eram fracos e precisavam ser apoiados pelos governos capitalistas, tinham de submeter-se ao monitoramento estatal dos seus assuntos. Tal caminho, entretanto, era fortemente rejeitada pela Wall Street e os gigantes da indústria.

Esta crise de agora é uma enorme degradação para o capital financeiro estado-unidense, o qual costumava dar lições a outros governos capitalista sobre os males da intervenção governamental. Subitamente, contudo, os banqueiros e os patrões estão todos unidos, desde a extrema direita até os moderados e os liberais, no aplauso ao Tesouro e ao Federal Reserve Board pela sua "oportuna" intervenção. Eles estão a submeter-se, em meio a resmungos mas com clareza, à supervisão e monitoramento do governo a fim de salvar o seu sistema do colapso.

Com esta crise, a estrutura do capitalismo estado-unidense está a entrar numa nova etapa. O governo capitalista começou, numa base gradual a princípio mas talvez mais sistematicamente no futuro, a absorver os passivos e as dívidas podres dos jogadores e da oligarquia da especulação financeira. Isto pode apenas aprofundar a crise a longo prazo, tornando-a mais profunda no organismo do capitalismo dos EUA.

Isto determina que haja não só repercussões económicas como também políticas por todo o mundo quando imperialistas rivais virem a vulnerabilidade dos dominadores nos EUA. Isto determina o enfraquecimento do imperialismo estado-unidense e ao mesmo tempo torna-o mais perigoso quando ele procura sair da sua crise.

Não é casual que o Wall Street Journal de 16 de Setembro, em meio a um relato em profundidade da crise financeira, publicou um artigo intitulado "Manter a sua pólvora seca: conscrição militar continua, por precaução". O jornal não fala necessariamente por toda a classe dominante, nem pelo Pentágono por enquanto. Mas o reflexo que emerge em meio à crise de algumas secções da classe dominante é que se começa a pensar num impulso guerreiro como solução.

Com a "Nova ordem mundial" a alimentar o conflito com a Rússia na Geórgia, a invasão do Paquistão e a escalada da guerra contra o Afeganistão, a possibilidade de uma nova aventura nunca deveria ser excluída.

A contradição básica do capitalismo

Os democratas querem lançar culpas sobre Bush e pedem por mais regulamentação. Naturalmente os financeiros pediram ao governo para eliminar a maior parte das regulamentações, as quais datavam da Depressão, que estabeleciam restrições às suas operações de jogo. Esta desregulamentação começou com a administração Reagan e atingiu um ponto alto na administração Clinton. Por instigação do Citicorp e de Robert Rubin, que deixou o Goldman Sachs para se tornar secretário do Tesouro, o Glass-Steagall Act foi revogado em 1998, sob o patrocínio do actual conselheiro económico de McCain, Phil Gramm. A lei proíbe aos bancos comerciais que se envolvam na banca de investimentos, subscrevam acções e operações em bolsa de valores, subscrições e outras actividades que facilitam a hiper-especulação generalizada do tipo que antecedeu a Depressão.

E naturalmente a administração Bush minou todas as tentativas de inibir a concessão de empréstimos hipotecários predatórios e deu liberdade de acção total a toda espécie de especulação não regulamentada de milhões de milhões de dólares de jogo especulativo, a qual aumentou o risco geral no sistema financeiro global. Mas, apesar da demagogia do Partido Democrata, a administração Bush não é a causa da crise.

A intervenção do governo, a regulamentação mais forte dos monopólios e as práticas mais "prudentes" não podem ultrapassar a contradição fundamental do capitalismo: a propriedade privada dos meios de produção sociais, globalizados.

É uma contradição irreconciliável que uma minúscula minoria controle a produção da riqueza do mundo para seu próprio proveito. É uma contradição irreconciliável que este aparelho global pare de funcionar quando há uma crise de lucratividade para os patrões. E tais crises ocorrem sempre, mais cedo ou mais tarde, devido à anarquia da produção capitalista.

Nenhum capitalista sabe onde aquilo que é produzido poderá ser vendido. Mas na corrida por "fatia de mercado" para o lucro máximo, cada agrupamento capitalista é obrigado a expandir a produção.

Em simultâneo, as leis do capitalismo obrigam cada capitalista a reduzir os salários dos trabalhadores tanto quanto possível. Nas últimas três décadas, a classe capitalista criou um sistema de baixos salários que contrapõe trabalhadores uns contra outras numa base global. Isto apenas agrava e acelera a contradição do sistema do lucro.

Sob o capitalismo a produção é anárquica e finalmente expande-se a um ponto em que os trabalhadores não podem comprar o que foi produzido a um preço que dê lucro aos patrões. Esta anarquia da produção está a ser reflectida na anarquia do sistema financeira na crise actual.

Na crise actual, multi-milionários no topo da sociedade capitalista pode estar a perder parte da sua riqueza, a qual realmente existia apenas no papel, mas eles mantêm suas mansões, serviçais, limousines e Lear jets. São os trabalhadores que estão a suportar a crise económica.

A única saída é o caminho da resistência — como o movimento para travar arrestos, o qual está a ganhar força por todo o país.

Fred Goldstein
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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