No dia 12 de Julho, The Times dedicou duas páginas ao Afeganistão. Tratava-se, sobretudo, de uma queixa quanto ao calor. O repórter, Magnus Linklater, descreveu em pormenor o seu desconforto e como teve necessidade de ser borrifado com água gelada. Ele também descreveu o «alto drama» e a «rotina meticulosamente praticada» de evacuação de outro jornalista super-aquecido. Para os seus salvadores, da Marinha dos EUA, Linklater escreveu: «salvar uma vida tomou a precedência sobre a segurança [deles]». Junto desta, havia uma reportagem cujo parágrafo final oferecia a única menção de que «47 civis, a maioria deles mulheres e crianças, foram mortos quando um avião dos EUA bombardeou uma festa de casamento no leste do Afeganistão, no domingo».
Massacres nesta escala são comuns e, na sua grande maioria, desconhecidas do público britânico. Entrevistei uma mulher que tinha perdido oito membros da sua família, incluindo seis crianças. Uma bomba Mk82 de 500 libras dos EUA foi lançada sobre sua casa de barro, pedras e palha. Não havia nenhum “inimigo” nas redondezas. Entrevistei um director de escola cuja casa desapareceu numa bola de fogo causada por outra bomba “de precisão”. Dentro havia nove pessoas – a sua mulher, os seus quatro filhos, o seu irmão com a esposa, e a sua irmã com o marido. Nenhuma destas matanças em massa constituiu notícia. Como Harold Pinter escreveu, referindo-se a tais crimes: «Nada jamais aconteceu. Mesmo enquanto estava a acontecer, não estava a acontecer. Não importava. Não era de qualquer interesse».
Um total de 64 civis foram mortos nos bombardeamentos, enquanto o homem de The Times se queixava de desconforto. A maioria dessas pessoas eram convidadas numa festa de casamento. Festas de casamento são uma especialidade da “coligação”. Pelo menos quatro delas foram aniquiladas – em Mazar e nas províncias de Khost, Uruzgan e Nangarhar. Muitos dos detalhes, incluindo os nomes das vítimas, têm sido compilados por um professor de New Hampshire, Marc Herold, cujo Projecto de Memorial das Vítimas do Afeganistão é um trabalho meticuloso de jornalismo que envergonha aqueles que são pagos para manter o registro em dia e reportar quase tudo sobre a Guerra Afegã através das instalações de relações públicas dos militares estado-unidenses e britânicos.
Os EUA e os seus aliados estão a despejar bombas em número recorde no Afeganistão. Isso não é notícia. Na primeira metade deste ano, 1853 bombas foram lançadas: mais que todas as bombas lançadas em 2006 e durante a maior parte de 2007. «As bombas utilizadas com mais frequência», reporta o Air Force Times, «são as de 500 libras e as de 2.000 libras guiadas por satélite…». Sem essa chacina unilateral, o reaparecimento dos talibãs, é claro, poderia não ter acontecido. Até Hamid Karzai, o fantoche dos EUA e da Grã-Bretanha, afirmou isso. A presença e a agressão dos estrangeiros só conseguiram unir uma resistência que agora inclui prévios senhores da guerra outrora na folha de pagamentos da CIA.
Este escândalo seria manchete nos jornais, se não fosse por aquilo que Scott McClellan, antigo porta-voz de George W. Bush, chamou de “facilitadores cúmplices” – jornalistas que servem de pouco mais que amplificadores oficiais. Tendo declarado que a guerra do Afeganistão é uma “boa guerra”, os facilitadores cúmplices estão agora a incensar Barack Obama, enquanto ele faz um giro pelos festins de sangue do Afeganistão e do Iraque. O que eles nunca dizem é que Obama é um bombardeador.
No New York Times de 14 de Julho, num artigo cuja intenção era fazer parecer que ele está a terminar a guerra no Iraque, Obama exigiu mais guerra no Afeganistão e, com efeito, um invasão do Paquistão. Ele quer mais tropas de combate, mais helicópteros, mais bombas. Bush pode estar de saída, mas os republicanos construíram uma máquina ideológica que transcende a perda do poder eleitoral – porque os seus colaboradores são, como disse sucintamente o escritor norte-americano Mike Whitney, democratas do “engodo falso”, de que Obama é o príncipe.
Aqueles que escrevem de Obama que «no que se refere a assuntos internacionais, ele representará uma grande melhoria em relação a Bush», demonstram a mesma voluntariosa ingenuidade que deu suporte ao “engodo falso” de Bill Clinton – e de Tony Blair. A respeito de Blair, o falecido Hugo Young escreveu em 1997: «a ideologia sucumbiu completamente aos “valores”… não há vacas sagradas [e] nenhuns limites fossilizados para o campo sobre o qual a mente pode vaguear em busca de uma Grã-Bretanha melhor…».
Onze anos e cinco guerras depois, pelo menos um milhão de pessoas estão mortas. Barack Obama é o Blair norte-americano. É irrelevante que ele seja um orador convincente e negro. Ele pertence a um sistema duradouro e desenfreado cujos principais chefes de banda e esquadrões de aclamação nunca vêem, ou querem ver, as consequências de bombas de 500 libras lançadas imperturbavelmente em casas de barro, pedras e palha.
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