Sempre que pensamos, podemos cair em algumas armadilhas. Isso tanto acontece por sermos evidentemente falíveis como por estarmos mais interessados em “provar” que são verdadeiras as nossas ideias preferidas do que em tentar saber honestamente se realmente são verdadeiras. Eis três dessas armadilhas, que se relacionam entre si.
1) “X é consistente com Y, logo é verdade que Y.”
Devia ser óbvio que a mera consistência não é suficiente para estabelecer algo como plausível ou verdadeiro, dado que muitas coisas opostas são consistentes com os mesmos dados. Imagine-se que a existência de deuses é realmente consistente com tudo o que sabemos ou julgamos saber sobre o universo. Isso não prova que esses deuses existem, nem que é provável que existam, se a inexistência de tais deuses for igualmente consistente com tudo o que sabemos ou julgamos saber sobre o universo. Consistência não é verdade nem sequer probabilidade.
O mesmo acontece com muitos raciocínios a favor da ideia de que somos regularmente visitados por extraterrestres, a favor da homeopatia, do Reiki ou seja qual for a última tolice inventada pelos seres humanos.
2) “X está por explicar; Y poderia explicar X, logo Y é verdade”.
Devia ser óbvio que há muitas explicações concorrentes e não basta que algo explique uma coisa para isso ser verdade. É também preciso que essa seja a explicação mais plausível entre muitas outras e que resista melhor à discussão crítica. Podemos explicar a queda dos objectos dizendo que há um rato com poderes psíquicos no centro da Terra que puxa os objectos para baixo, mas esta explicação não é a mais plausível. Poder explicar algo não é razão suficiente, só por si, para aceitar seja o que for porque com imaginação suficiente podemos explicar tudo com tudo. É preciso procurar activamente explicações alternativas, para depois as comparar entre si e tentar ver qual delas será mais plausível.
3) “Era tão bom que fosse verdade que X! Logo, é verdade que X.”
Claro que este tipo de erro nunca é tão explícito, mas nem por isso é menos comum. Sempre que uma explicação ou pretenso facto é particularmente desejável para nós, temos de a avaliar com redobrada crítica precisamente porque podemos estar a pôr na realidade o que queremos e não o que lá está. Qualquer argumento a favor da ideia de que um deus encarnou e depois de morto ressuscitou é mais fraco do que a hipótese de que isso nunca aconteceu, mas várias pessoas queriam tanto que isso acontecesse que inventaram essa fantasia. Quanto mais uma ideia nos for agradável, mais críticos temos de ser relativamente a ela, pois podemos ficar cegos precisamente por querermos tanto que seja verdadeira.
Estes três aspectos interligam-se obviamente. Uma pessoa gostaria que houvesse X. E se houvesse X, isso explicaria várias coisas. Além disso, X é perfeitamente compatível com o que vemos e ouvimos, com a ciência e com várias outras coisas que pensamos saber. Logo, conclui o desavisado ser humano, X existe.
Talvez este erro de raciocínio seja geralmente involuntário. Mas nem sempre o será, e raramente será inteiramente involuntário. Desconfio que na maior parte das vezes as pessoas adoptam este tipo de raciocínio com um misto de consciência de que estão a ser intelectualmente desonestas, mas ao mesmo isso é tão confortável que se forçam a continuar a pensar dessa maneira. É como alguém que se recusa a ver uma realidade desagradável e se força de algum modo a pensar que essa realidade não existe, só porque dava jeito que não existisse. Daí que quem adopta este tipo de atitude mental tenha a necessidade de estar integrado em comunidades de pessoas que pensam como elas e que não põem em causa as suas crenças mais queridas. Daí também a necessidade de introduzir na educação, desde a mais tenra idade, essas mesmas ideias: se desde muito cedo nunca contactarmos com pessoas que pensam que as nossas ideias são falsas, será mais difícil desconfiar que somos intelectualmente desonestos.
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