quarta-feira, outubro 29, 2008

E para acabar com a fome, não haverá por aí nenhum milhão?

Não é, infelizmente, nada que não soubéssemos. Ainda assim, as notícias dos últimos dias sobre a pobreza têm necessariamente de nos fazer pensar: olhando para o estudo da OCDE e para as declarações da AMI, a pobreza é hoje uma realidade mais dura, há cada vez mais novas categorias de pobres, nomeadamente jovens e crianças.
Algumas das pessoas que antes contribuíam, enchem hoje as instituições de solidariedade social a pedir ajuda. A maioria das pessoas que solicita este apoio – nomeadamente de alimentos e roupa – está a trabalhar. A pobreza volta a estar associada mais à exploração do que à exclusão.
O relatório da OCDE, de há dois dias, aponta Portugal como o 3º país daquela organização com maiores desigualdades. Tantas quanto os Estados Unidos da América, país conhecido pela brutal desigualdade, pelos seus milhões de pobres e pela ausência de políticas públicas e de Estado Social. Mais desiguais que Portugal, só o México e a Turquia. O mesmo documento avança também que mais de metade dos pobres pertencem a famílias que trabalham mas recebem tão pouco que o salário não lhes chega para comer nem para deixar de ser pobre.
Fernando Nobre confirma hoje nos jornais o que já nos dissera a AMI de Gaia há quase um ano, no âmbito do Livro Negro sobre a Pobreza no Porto: os pedidos de ajuda têm aumentado, 60% das pessoas que, quantas vezes envergonhadamente, procuram apoio, são trabalhadores. Os salários baixos e a precariedade, aliados ao aumento do custo dos bens alimentares primários – muito superior ao aumento dos salários ou das pensões –, à subida da taxa de juros (que significou no último ano um rombo de cerca de 10% no orçamento das famílias) e ao aumento do desemprego (e vale a pena lembrar que uma parte significativa dos desempregados já não recebe subsídio de desemprego), explicam esta situação.
No mesmo ano em que batemos o recorde de número de milionários portugueses que integram a lista dos mais ricos do mundo (os 4 portugueses mais ricos têm o equivalente a 4,9% do PIB português, num país em que o índice de desigualdade atinge os 38%…), na mesma semana em que rapidamente se tiraram do colchão 20 mil milhões de euros para salvar os bancos, ficamos a saber que, entre os dois milhões de pobres, estão cada vez mais trabalhadores, crianças e jovens adultos (quantos eles, da geração 500 euros) e que há hoje centenas de milhar de pessoas em Portugal que dependem do apoio de organizações não governamentais para não passarem fome.
Perante isto, a Assembleia da República bem pode aprovar por unanimidade e feliz que a «pobreza é uma violação dos direitos humanos» – como fez, e bem – que isso valerá zero enquanto houver tanta gente a passar fome. O problema da pobreza exige bem mais, reclama soluções múltiplas e em vários campos: no campo das ideias, para desfazer os preconceitos que associam pobreza e preguiça; no campo do auxílio imediato a quem precisa de apoio; no alargamento das respostas sociais (equipamentos e serviços) que o Estado tem de assegurar porque essa é a obrigação pública; e naquilo que é hoje essencial: na repartição primária do rendimento.
Sabemos que todos os bons corações se condoem com a existência de pobres. Da esquerda à direita, todos se afirmam igualmente preocupados e sensíveis. Acontece que as palavras estão gastas e não enchem o estômago a ninguém. As acções são urgentes. Se houver vontade política a sério, o Orçamento de Estado que agora está a ser discutido será um instrumento fundamental de combate à pobreza em Portugal, de aposta nos serviços públicos e de redistribuição do rendimento (o que implica uma subida significativa de salários e pensões). Se essa não for a prioridade, se este não for o Orçamento contra a pobreza, então ele não conta para nada do que é importante. E as palavras de preocupação do poder terão sempre o cinismo e a cumplicidade na boca.
http://infoalternativa.org/spip.php?article216

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