sexta-feira, outubro 03, 2008

Pequeno ensaio sobre a cegueira

A crónica de Baptista- Bastos, no DN de hoje, sobre os casos das casas, e da sua em particular, merece leitura. Principalmente, porque o cronista refere que "eu não abdico de convicções". E depois, porque lá vem o ataque à pulhice, à atoarda e à abjecta orientação. Enfim, as palavras grandiosas do seu costume e que param à sua porta, exangues de sentido.

Fossem outros os inquilinos e tínhamos Batista Bastos a zurzir impiedosamente, nos privilegiados da autarquia lisbonense; a vituperar a herança bastarda dos homens de Abril que isso permitiram; a fustigar a pouca-vergonha, em termos mais sediciosos que os da investida contra os terratenentes antigos e os proprietários, latifundiários e outros beneficiários.
Assim, cegou a razão e deixou besuntar o bestunto com exemplos espúrios.
Aconselho-o a ler este postal, sobre um fado descosido, hoje citado no Público. Para desviar um pouco a sombra que se lhe atravancou na frente da razão.

E fica a sua crónica, como exemplo de falta de senso comum.


Na semana que passou fui copiosamente nomeado. Não por ter editado um novo livro. Não por ter escrito um rude artigo contra alguém, ou um elogio a quem o mereceu. Apenas porque, há 11 anos, sou inquilino da Câmara Municipal de Lisboa. As "notícias" vindas a lume traem o étimo da palavra: nenhuma novidade comportam. Por três ou quatro vezes, em crónicas amenas, confessei-me arrendatário municipal, como outras dezenas, senão centenas, de pessoas. E há os ateliês dos Coruchéus; os de Belém. Cedidos, como em toda a Europa, a artistas, que não vivem propriamente na penúria. Sem esquecer o Bairro dos Jornalistas, em Alfragide, construído com grandes apoios municipais. Durante umas outras eleições municipais, um sisudo e monótono semanário quis saber do assunto. Embora preserve, com feroz esmero, a minha vida privada, esclareci a senhora que perguntava. Repetiu-se, agora, a dose. Habituei-me à manipulação (porque de manipulação se trata), tocado da leve rabugice que a reincidência me provoca e a idade justifica. O que se publicou está eivado de inexactidões, de omissões e de insídia. Este jornalismo húmido e pegajoso mais parece um livro de encargos sujos do que a função de origem. Um só facto: o meu senhorio é, realmente, o Município. De resto, nada de ilegal, nada de imoral. E muito menos a retribuição de "pequenos favores". Há homens que arrastam consigo a polémica ou a ignomínia. Pertenço ao primeiro grupo. E de ignomínias possuo uma lista cada vez mais acrescida. Como o registo das coisas acompanha sempre o sentido das intenções - sei muito bem de onde e de quem partem estas periódicas atoardas. Ser livre é muito difícil.
O apartamento foi-me atribuído após inspecção dos técnicos à minha casa, em Alfama, onde vivi 32 anos. Chovia no interior, paredes rachadas, perigos vários. Procederam, outros técnicos, ao varejo cuidadoso dos meus réditos de então. Escassos: eu estava desempregado. Abandonara o jornalismo, ou o jornalismo abandonara-me em 1990. O contrato assinalava que a renda aumentaria consoante os ritmos da inflação. Devo dizer que faço estas confidências com pudor e escrúpulo. Porém, torna-se imperioso que não deixe aos acasos das contingências as evidências da razão. Conheço os perigos que a minha actividade comporta. Tenho sido, certamente, injusto, áspero e, até, insensato. Mas escrever ou ter comportamentos moralmente reprováveis - conscientemente, creio que nunca. No extremo cume da extrema percepção, é-me difícil exprimir, por outro meio que não este, a indignação causada pela abjecta orientação ad hominem da atoarda. Faço uma representação do mundo que, naturalmente, me é muito própria. E não abdico de convicções. Há quem altere o prisma, para adoptar novos modos de vida. Como não pertenço a esse agrupamento, recomendo: Vão bater a outra porta! É tudo.
http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/

Sem comentários: