segunda-feira, dezembro 15, 2008

O meu modelo de avaliação

O professor Miguel Cardoso, da escola EB 2,3/S José Silvestre Ribeiro, enviou-nos este texto para discussão pública:

Como se avalia a qualidade de uma aula? Um professor circula pela sala, distribui apontamentos e ajuda a resolver exercícios, noventa minutos depois, na sala de professores, diz “hoje sim, foi uma boa aula”. Na sala ao lado, outro passa o mesmo tempo sentado à secretária, expõe matéria e debate com os alunos, sai com o ego inchado, “foi a melhor aula do ano”. Outros podem utilizar um quadro interactivo, um trabalho de grupo ou ainda uma saída para o exterior e fazer qualquer coisa de mais prático para motivar os alunos. Naquela aula, naquele momento, com aqueles intervenientes, as coisas funcionam. O que é uma boa aula?

Não falamos de máquinas ou de um qualquer artigo produzido em série numa unidade fabril, embora os sucessivos ministérios da educação (assim, com letra minúscula) sonhem com uma formatação e normalização deste tipo. Não há um ideal platónico de “aula perfeita” a que todas as outras devam acercar-se. Aqui e agora a estratégia funcionou, até agora tem funcionado, vamos ver amanhã. Quando não funcionar, o professor sabe que tem de alterar. Não me venham agora com as estratégias diversificadas. Sempre as houve. Não se confunda é diversidade com imbecilidade.

A quantidade de variáveis é imensa, a matéria leccionada, a qualidade e ambição dos alunos, até mesmo a hora do dia em que a aula tem lugar. Se o método expositivo funciona, se envolve os alunos e os motiva, por que razão devo mudar? Se outro entende que, naquele contexto específico, a melhor estratégia é o recurso às novas tecnologias da informação, que assim seja.

O que é uma boa aula? Eu sei quando chego lá, os professores sabem.

É por isso que uma avaliação de professores não pode estar centrada nas novas “tretas” evangelizadas pelas “ciências” da educação, com as suas resmas de grelhas, quadros, implementações, objectivos, observações, estratégias diferenciadas e inclusivas e outras aberrações que mais não fazem do que infantilizar o professor e retirar substância ao ensino, a ponto de o transformar num balão cheio de ar que, mais dia menos dia, nos rebentará na cara.

Convenhamos, há bons professores para os quais o ensino parece algo de inato e que, sem gostar do termo, arriscaria, é quase uma vocação; outros que, com mais ou menos dificuldades, chegam lá, aprendem com os erros e melhoram a cada dia; e também outros que bem podiam tentar a sorte noutro ofício. Nenhum livro ou grelha ensina a ser bom professor.

Avaliar um professor de forma objectiva (quanto possível) não pode assentar no aspecto formal da prática pedagógica, mas apenas na qualidade científica da mesma. Tudo o resto é cair no domínio do aleatório e do inútil. A minha avaliação não pode também estar dependente do abandono escolar, do sucesso dos alunos, do acompanhamento sócio-psicológico realizado ou não junto das famílias, do grau de diversão ou aborrecimento do aluno durante as aulas, de portefólios, relatórios ou de uma qualquer ficha de auto-avaliação. Se sou professor de Filosofia ou Matemática, é isso que tenho de fazer, ensinar Filosofia e Matemática. É isso que tenho de saber e é nisso que tenho de ser bom.

Um modelo de avaliação que se queira justo, coerente e respeitado tem de incidir na formação científica permanente do professor. Tomem-se algumas ideias que podem servir para pôr em prática um modelo destes, talvez alguém lhes pegue e cuide de pensar nos detalhes que aqui não cabem:
1.Para progredir na carreira, de 4 em 4 anos, por exemplo, o professor teria de frequentar uma acção de formação sujeita a avaliação rigorosa e discussão pública do trabalho desenvolvido. Chamem-lhe pós-graduação, mestrado, doutoramento ou apenas prova de actualização de conhecimentos, não interessa.
2.A responsabilidade por ministrar essas acções caberia aos estabelecimentos de ensino superior públicos, através da apresentação de projectos às escolas e assinatura de protocolos de cooperação.
3.Como seria inviável fazê-lo para cada estabelecimento de ensino, definir-se-ia uma área geográfica limite. Imagine-se que aos professores de Filosofia de Castelo Branco, Fundão, Covilhã e Idanha-a-Nova se apresentavam para análise projectos de formação elaborados por universidades como as da Beira Interior e Nova de Lisboa. Democraticamente, e de acordo com o número de potenciais formandos, seria(m) escolhido(s) o(s) projecto(s) que mais interessasse(m) aos professores, sempre dentro da área de leccionação.
4.As aulas/seminários dividir-se-iam entre presenciais e não-presenciais (com predomínio destas) e seria sempre o formador a deslocar-se e não o contrário.
5.No final da acção, o professor teria de apresentar uma tese e defendê-la perante um júri (à semelhança do que acontece num mestrado ou doutoramento).
6.Conforme a classificação obtida (quantitativa), assim a progressão ou não na carreira e a bonificação em termos de remuneração.
7.Os custos envolvidos não seriam significativos, pelo menos se comparados com a opulência em que boiavam os Centros de Formação espalhados por esse país fora e se tivermos em atenção que, em muitos estabelecimentos do ensino superior, escasseiam horas e sobram docentes. Seria uma forma de todos beneficiarem, para além de contribuir para estimular e consolidar as ligações entre os diversos níveis de ensino.
Porque os professores não valem todos o mesmo ou têm as mesmas ambições, a selecção far-se-ia naturalmente e por mérito, não por divisão artificial e evitando que todos progredissem em rebanho (como até aqui), desvalorizando a profissão.

Argumentar-se-á que o conhecimento científico não basta para fazer um bom professor ou uma boa aula! Pois não, mas também já vimos como é difícil definir um bom professor ou uma boa aula. A quantos professores que odiámos, viemos mais tarde a reconhecer o mérito e a lamentar não ter aproveitado mais?

Inerentes à condição de bom professor devem estar muitas e discutíveis qualidades mas, por mais voltas que se dêem, uma estará sempre presente, a de “saber daquilo que é suposto ensinar”. Avaliem-se pois os conhecimentos dos professores e estimule-se o inconformismo com aquilo que já se sabe. Não será o modelo ideal. Não há um modelo ideal. Tem a vantagem de ser mais simples, transparente e rigoroso. Não é o que todos queremos?
http://dererummundi.blogspot.com/

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